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Conto de Natal:. Homem com gorro de Papai Noel usa a cadeira de rodas como banco de investimento

De joelhos, diante de pessoas que sonham em ser milionárias, ele anuncia o Banco ELIV, com cotas de R$ 5 para investir em sua dignidade

atualizado

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Sérgio Maggio
1 de 1 - Foto: Sérgio Maggio

O homem com gorro de Papai Noel desta foto não domina a nossa língua portuguesa, nem as regras do nosso alfabeto. Também não consegue ficar ereto. Vê o mundo de joelhos. É portador de um conjunto de deficiências que o transformou num ser humano que requer cuidados especiais.

Jornalisticamente, não terei como contar a história dele com precisão, porque não conseguimos estabelecer uma comunicação verbal. Mas não é difícil imaginar que a condição financeira o jogou na rua. Provavelmente, ele (negro, deficiente e pobre) cresceu sem a proteção do poder público e a segurança de um lar.

Palavras são ruídos
Quando eu o encontrei, nosso homem com gorro de Papai Noel estava em frente a uma casa lotérica de Samambaia Norte. Diante dele, uma fila se perdia de gente cheia de esperança de se tornar milionária e deixar para traz os infortúnios financeiros.

Tentei estabelecer uma comunicação, mas ele não conseguia me entender. Acredito que as minhas palavras eram ruídos que ferem seus ouvidos. Aliás, talvez fosse surdo, pois emendava sons silábicos. Não seria pela estrutura de linguagem dominante que a gente se conheceria melhor. Sentei-me, então, num banco de espera e passei a observá-lo.

Cadeira caprichada
Estacionada à beira da calçada, a cadeira de rodas automatizada e cheia de detalhes demonstrava o capricho e a inteligência do nosso homem com gorro de Papai Noel. No canto direito, projetado para fora por meio de um cano, um espelho, daqueles vendidos em feiras populares, servia de retrovisor. Abaixo, afixada na estrutura, uma garrafa térmica com água garantia o fim da sede durante o percurso na estrada. Tudo muito caprichado e bem-acabado.

Mais nada me chamou tanta atenção do que uma caixa almofadada da cor de vinho, decorada com cédulas de dinheiro que não circulam mais. Ao meio dela, uma fenda, indicando que se trata de um cofre.

Ali, entendi que estava diante de uma espécie de um empreendimento. O Banco ELIV, conforme grafado em duas espécies de banner, nos quais as letras se agrupam sem lógica gramatical. A única informação decifrável é da grafia de R$ 5, a cota de investimento.

Performance de grande vendedor
Nesse momento, nosso Papai Noel avança a calçada para apresentar seu negócio. Emitindo aqueles sons silábicos, assume um jogo corporal que faz lembrar a performance dos grandes vendedores de rua. Algumas pessoas da fila o observam com curiosidade, enquanto ele, minuto a minuto, agiganta-se diante de todos.

Fui o primeiro a contribuir. Entreguei em suas mãos a cota de R$ 5 (duas notas de R$ 2 e uma moeda de R$ 1). Ele me olhou, sorriu e apontou para a cadeira, onde está o cofre almofadado. Segui o rito do depósito enquanto ele continuou a conquistar animadamente novos clientes. Em rápidos momentos, houve até a formação de uma fila de investidores.

Sim, investidores. A lição diante daquele homem com gorro de Papai Noel não é a prática da mendicância. Aplicamos nosso dinheiro em sua dignidade de ser humano e, em troca, ganhamos um sorriso que dificilmente vamos esquecer.

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