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O que Bird Box pode nos dizer sobre nossos medos e ansiedades

A popularidade da obra indica que o filme fisga pelo inconsciente, a partir da linguagem simbólica apresentada

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1 de 1 bird-box1 - Foto: Divulgação

O quanto podemos ser perseguidos pelas dificuldades de nossos passados, ou pelas perspectivas do futuro? O quanto essas forças são capazes de nos afastar da realidade presente, além de provocar o isolamento e o desejo de morte?

Desde que estreou na Netflix, há pouco mais de duas semanas, a adaptação cinematográfica de Bird Box se transformou em sucesso instantâneo – seja pelos comentários sobre o filme ou sobre os memes gerados. Tamanha audiência é sinal de que a obra fisga pelo inconsciente, a partir da linguagem simbólica apresentada. É isso que interessa aqui.

Deparamo-nos com uma sociedade frágil em significados existenciais, com personagens dominados pela melancolia – assim como no quadro inicial pintado por Malorie (Sandra Bullock) nas cenas iniciais. Assim como ela, buscamos gestar algo que nos dê esse tal sentido, mas sentimos dificuldades de criar vínculos afetivos profundos com o novo.

Tudo é tão deslocado a ponto de interpretarmos que o fim está próximo: a humanidade parece não ter mais escapatória. “Estamos julgados e condenados”, diz Charlie (Lil Rel Howey).

O espírito da época contagia cada personagem de uma forma. Enquanto Malorie tenta isolar as emoções, para deter o sofrimento que tanto experimentou na infância, Tom (Trevante Rhodes) surge como o paradoxo: ao honrar o que sente com fidelidade, sem perder a capacidade de imaginar e sonhar, consegue encontrar estrutura para resistir ao mal – até o último instante.

Outro contraste interessante se faz entre o austero Douglas (John Malkovich) e a melosa Danielle Macdonald. Ele, em sua defesa racional reativa, ácida e intolerante. Ela, em sua carência emocional infinita, sempre disponível e complacente. Ambos, com marcados por feridas profundas e um desejo incessante de amor.

Medos e nostalgias fazem parte da nossa realidade mais intrínseca: o mundo da psique. Por pertencerem ao profundo em nós, tem uma capacidade hipnótica, aprisionante, por nos colocar diretamente ensimesmados. Para sobreviver, é necessário adaptar-se, encontrar soluções criativas e explorar novos recursos até então desconhecidos.

Vendamos nossos olhos pois o sofrimento ao encará-los traz consigo o peso da morte: exige de nós uma mudança efetiva e definitiva; simplesmente é impossível seguir ileso após encará-los de frente.

Entre aqueles que estão imersos no inconsciente, tudo isso soa como fascinante: eles enxergam beleza nos dramas mais profundos, e a necessidade é de fazer com que os outros também a conheçam – seja pela imposição (nos loucos), seja pela representação (nos artistas).

Devemos, inclusive, lembrar que Malorie é uma artista: sua alma ansiava por este enfrentamento. E foi justamente a alma quem a conduziu a seu refúgio – numa espécie de cura ao seu pragmatismo original. A correnteza exige a entrega e a confiança para garantir a própria existência e as novas possibilidades (o menino e a menina).

No fundo, somos como pássaros encarcerados: num mundo controlado, distante dos riscos reais, imersos num tédio suportado como nossa realidade. Mas, diante das forças mais profundas da alma, reagimos de forma enfática: damo-nos conta da prisão, retomamos a necessidade de expressão e queremos o voo de liberdade.

E, até para que não vivamos assombrados pelos riscos que a vida impõe (eles nunca cessarão), iremos em busca de um novo refúgio. Agora um pouco maior, mais seguro e confortável, especialmente por não nos sentirmos mais tão sós e desamparados – o que chamamos de ampliação de consciência.

No caso de Malorie, sua cura vem ao restabelecer a capacidade de confiar no outro e no amor, permitindo novos vínculos afetivos.

Ainda assim, saberemos que tal segurança não deixa de ser uma espécie de cegueira seletiva. Para além das grades da nova gaiola, sempre existirá um mundo desconhecido ou negado, capaz de ressurgir para nos atemorizar. Mas que, por enquanto, surge como conforto, uma fantasia de segurança diante da incapacidade de controle pleno da vida.

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