Stans: chocolateria tradicional em compasso com a modernidade
Aberto em 2005, espaço se destaca pelas receitas primorosas do suíço Xavier Odermatt
atualizado
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Chocolaterias se proliferam no Brasil à medida em que se discute a relativamente próxima extinção da matéria-prima. Há uma história complexa por trás do chocolate, muitos casos recorrentes de uso de mão de obra irregular, análogo ao trabalho escravo, e as pestes de vassoura-de-bruxa que já varreram plantações e plantações de cacau.
Fomos acostumados com chocolate de má qualidade desde cedo. Bastar ler os rótulos para saber do que digo. Ainda, a onda gourmet que trouxe Kopenhagen e disfarçadamente popularizou o acesso ao tal chocolate com Cacau Show apresenta produtos inferiores ao que se pode entender por um bom chocolate.
Quem conhece chocolate sabe que o processo bean-to-bar (do grão à barra) não carrega o romantismo da caixa de bombons sortidos com laço dourado ou a fantasia multicolorida e tecnológica da fantástica fábrica de Willy Wonka. Exige suor, técnica, paciência, precisão e delicadeza.
Embora os chocolateiros independentes busquem ainda lugar ao sol e formas de distribuição – a exemplo do chef e chocolatier Gustavo Maragna com a grife Brass –, Brasília não deixa de ser um celeiro modestamente consolidado de venda de bons produtos produzidos regionalmente.
Um dos precursores foi justamente o suíço Xavier Odermatt, um dos nossos primeiros chefs confiseurs (ou quem faz aquilo que costumávamos chamar de bombons finos). Ele chegou à capital nos anos 70, quando abriu uma das primeiras confeitarias da cidade, a mais antiga ainda em funcionamento: Praliné, na 206 Sul. Esta casa permeia boas memórias de infância, mas a casa não se modernizou, ficou pra trás, e ainda perdeu muita qualidade na última década, principalmente.
Trinta anos depois, Odermatt, que já produzia bombons e barras de chocolate na fábrica que mantém no Lago Norte, passou a comercializá-los em loja própria. Foi assim que nasceu a Stans, em 2005, na 407 Sul. Uma lojinha pequena, com preciosidades engavetadas em vitrines, qual balcão de joias. Uma série de bons chocolates, feitos com técnica clássica, mas alinhada às tendências atuais: uso de Nutella (prefiro o simples e mero creme de avelã com chocolate do qual ele também dispões) e chips de chocolate com os nibs de cacau, subprodutos do fruto, “descobertos” e alçados à categoria de superalimentos.
Odermatt, junto a Daniel Briand (este desde 1995) são os pioneiros em fazer chocolates artesanais por aqui. Mais uma vez: suor, técnica, paciência, precisão e delicadeza. No entanto, os francófonos carregam uma tradição de chocolateria europeia. De fato, a grande escola.
Um tanto diferente de uma nova geração mais engajada na filosofia bean-to-bar, onde pensa-se antes os processos de torra e manipulação da amêndoa do cacau, passando pela temperagem (regulação da temperatura) e chegando até a barra… ou o bombom. Movimento no qual destacam-se Amma, Chockolah e, espero em breve também, o Brass. Em Brasília há ainda a Kaebisch, com um trabalho primoroso, que lembra a finada Cacahuá, uma das que vieram com o boom das chocolaterias.
Mas Xavier mantém-se firme a preservar sabores ortodoxos da confisseria: bombons recheados de licores, conhaque e até uma versão abrasileirada com pinga (por dentro há uma finíssima crosta de caramelo a fazer cócegas no céu da boca). Um dos meus doces favoritos na loja é o de marzipan, à base de amêndoas. Vem num sugestivo formato de coração, porque se estivesse escrevendo em rede social a descrição viria acompanhada de um S2.
São mais de cinquenta sabores de bombons e trufas. Alguns de fruta apresentam certo amargor de um processamento pouco natural, caso da jabuticaba e do maracujá. Noutros, o creme escorre para dentro da boca como veludo toca na pele. São eles o doce de cacau, o de café, a trufa de chocolate amargo e o de avelã. Cada bombom ou trufa sai por R$ 4,25 a unidade. O preço cai bem se fizer uma coleção na caixinha: R$ 2,80 cada a partir de seis unidades.
Poderia ir bem com um café, servido na loja, onde há mesinhas também para se acomodar. Mas falamos de um sintoma do mercado brasiliense para o qual a cura poderia ser muito simples: servir um café minimamente decente. Não pode ser espresso de qualquer maquininha automática. Está na hora de abrir mercado para baristas, investir em conhecimento e valorizar nossa tão rica produção de grãos. Mas esta briga levarei para uma futura coluna.
Do outro lado do balcão de bombons finos – lembrando que este termo cumpre o papel de diferenciação de classe social, relegando a produção industrial ao plano de meros bombons – as prateleiras exibem o desfile de barras. Hoje não mais tão impactante como há dez anos, quando havia pouca diversidade de gradações de cacau nos tabletes.
Eis a forma mais gloriosa de se morder um chocolate. Do toque dos dedos, que não podem ficar muito lambuzados senão entregam o descuido na temperagem, à gentil dissipação do creme após a bocada, o chocolate mimetiza talvez todos os elementos de sensibilidade. Reluz à vista, perfuma o olfato, atinge os tímpanos com o retinir da crocância, para então atingir o gozo do palato.
Se nos falta exemplo mais apropriado para tão complexa experiência estética, apenas prove a barrinha de chocolate meio amargo salpicada por flor de sal (R$ 8,50).
Sob o bigodão branco, sinal da sabedoria, o suíço que ensinou o brasiliense a comer chocolate e permitiu o acesso à confeitaria europeia em sua forma mais tradicional não parou no tempo. Modernizou-se, acompanhou o mercado atentamente e hoje posiciona a Stans com um trabalho marcado pela consistência da confisseria clássica, porém aberto às concessões exigidas pelos arranjos produtivos em meio à crise.
Stans Chocolates
407 Sul, bloco A, loja 30, 61 3443-0199. Segunda a sábado, das 10h às 19h. Ambiente interno. Wi-fi. Desde 2005