Sallva é um restô bacana, mas perdido em pretensões
A casa comandada pelo chef Lui Veronese ainda peca por problemas no salão e na execução
atualizado
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Inaugurado há menos de dois anos e incensado como uma das mais promissoras novidades na cena gastronômica brasiliense, o Sallva Bar & Ristorante pretende ser uma cozinha italiana despojada, com coquetelaria moderninha. Porém, perde-se em meio a um mar de pretensões, com uma comida pouco memorável e serviço atabalhoado. Alguns tropeços da dura rotina de um salão não podem passar incólumes numa casa onde se praticam preços tão altos – essas foram as contas mais caras que paguei nos quase cinco meses da coluna Prato Feito.
Não serei eu a condenar a matemática dos custos de um restaurante. Ao menos, não de maneira irresponsável, sem considerar toda a complexidade de processos, a dinâmica e os impostos envolvidos em uma operação desse porte. No caso, um local que atende mais de 100 pessoas, num ambiente muito aconchegante no Pontão do Lago Sul, onde o tíquete médio não é para qualquer bolso mesmo.
Contudo, no Sallva me deparei – em todas as visitas realizadas – com um despreparo grande da equipe de salão e muita inconsistência nos pratos entregues pela cozinha. Uma surpresa, devo dizer. Afinal, falamos de um restô conceitual, cujo menu tem como capitão o chef Lui Veronese, jovem, porém experiente, e que entende muito bem do traçado. Conheço a comida de Lui de três ocasiões muito distintas: num menu especial servido no Piantella certa vez; no Cru Balcão Criativo, situado no Oliver; e em uma das edições do Chef nos Eixos. Muita delicadeza e técnica envolvidas.
Infelizmente esse histórico aparece pouco no Sallva, cuja ambientação se inspira em uma casa paulistana, de arquitetura a permitir clima arejado e informal. Para um bar – tanto sob a redoma principal de telhado de palha como no charmoso bangalô do outro lado da ruela –, apresenta uma ótima carta de petiscos, com destaque para os anéis de lula servidos em torre (R$ 59) e os saborosos e crocantes bolinhos de arroz (R$ 37 a porção).
Este último é citado no menu como supplì. O famoso acepipe romano normalmente vem seguido do sobrenome “al telefono” (referência à liga do queijo derretido no interior, quando se abre o salgadinho ao meio e se separa as duas metades). Aqui, a receita apenas se inspira no original. Mais seguro referir-se a ele como bolinho mesmo. Sem puritanismos, os belisquetes são saborosos, crocantes por fora e vêm ladeados por uma geleia de pimenta correta.
Do novo menu recém-implementado, optei pela burrata – um clássico que vai determinar o esmero do restaurante na seleção de fornecedores. Um ótimo exemplar, com cremosidade ideal, decorado por sabores equilibrados com redução de balsâmico, tomate cereja, presunto Parma crocante e figo (R$ 65).
Dentre os drinques da casa, me abstive de experimentar o clericot, apesar de desejá-lo, pois só há opção de jarra a R$ 89 para compartilhar. Não arriscaria enfrentar bebidas de maior personalidade como um negroni – ou testar o bartender solicitando algo fora do cardápio, como um daiquiri, sempre uma prova de fogo.
Ative-me ao perfil que a casa insinua, de clima de verão. Agradável, o drinque que leva o nome do restaurante tem como destilado-base gim, mas que fica meio apagado na mistura com o xarope de maçã verde, ainda mais com o desnecessário açúcar acrescentado com canela nas fatias da fruta fresca, cujo objetivo central deveria ser o de conferir maior acidez à bebida. O preço também desanimou (R$ 30), embora não estivesse muito além do praticado no mercado da região. Prefiro o Aperol Spritz (R$ 30), correto e refrescante.
De volta à degustação dos pratos, corri logo para o curiosíssimo tartar de cogumelo. Importante notar que, na descrição, consta como tartar vegano, uma insistência mercadológica em rotular algo que não precisaria desse atributo para se vender. Necessário, sim, indicar se a receita, no caso, não contém produtos de origem animal. Mas, por outro lado, marginaliza os ingredientes, sem apelo para além do nicho.
Bem, o picadinho de cogumelos estava saborosíssimo. Não posso dizer o mesmo de todos os demais elementos que o acompanhavam. Um pesado e maldisposto purê de mandioquinha (como é possível notar na foto), somado a um consomê sem qualquer sabor, que chega à mesa com um talher já fincado dentro do prato, demonstrando um grande despreparo da equipe.
(Soube que, nesse dia especificamente, o chef não estava presente. Entendo que um restaurante para chegar a um nível de excelência deve ser capaz de manter qualidade e rigor na ausência do comandante).
A massa pela qual optei como primeiro prato fora um ravióli recheado de mussarela de búfala, com compota de figo, crocante de presunto Parma e tomate (R$ 65). Uma ótima massa, um tanto apagada por um molho branco excessivo. Do recentemente renovado menu, destaco um ótimo fettuccine, al dente, servido como guarnição de uma fraldinha bem macia ao molho barbecue (R$ 75). Torci o nariz com a combinação ítalo-americana, mas o prato funciona.
Interessante que as execuções mais simples têm melhor desempenho na avaliação final do restaurante. Do antigo cardápio, por exemplo, lamento a saída do polvo, tenro e bem temperado. Acho que se fosse para tirar alguma especialidade, abriria mão dos camarões servidos com um denso e insosso risoto de amêndoas, cozidos além do ponto correto ao exorbitante custo de R$ 119.
Mais uma vez, lembro que o valor do prato deve ser medido pelo rigor de sua preparação. Em uma última visita à casa, nem precisei pensar duas vezes ao solicitar a tal lagosta com caviar de esturjão noticiada de modo a dar água na boca. Por R$ 139, não é aceitável receber ingredientes tão nobres num empratamento tão descuidado.
As caudas de lagosta estavam ressecadas – cozimento em baixa temperatura é um procedimento complexo e requer muita atenção. Batatas de guarnição, e em quantidade exagerada, exigiam mais tempo de fogo. O molho espesso e ácido não conferia a liga correta para o equilíbrio do prato e o caviar, elemento tão especial, foi relegado a decorar os tubérculos.
A redenção dos jantares vieram com as sobremesas. Mantida no cardápio, a tortinha de chocolate com creme de maracujá consegue administrar muito bem o umami do cacau com a acidez tropical da fruta da paixão. Massa bem assada e com a crocância correta (nem desmanchando nem muito dura).
Adorei a musse de chocolate com licor 43. Lamentei também sua ausência na nova carta. A garçonete me explicou que a substituição atende a uma demanda da clientela, hesitante em servir aos filhos um doce alcoólico. Faz sentido, mas preferia essa versão à nova, informalmente chamada pela brigada da casa de Caminho do Rio, em referência ao Lago Paranoá logo em frente.
Nesse caminho, dispenso o meio-fio com textura excessivamente gomosa. A musse segue superleve, adornada com frutas vermelhas, hortelã e lascas de amêndoa, mas deixou de ser “raiz” para agregar Nutella (R$ 25). Sou mais o tiramisù (R$ 29). Um clássico bem-feito, apesar de servido em taça.
Há muito o que percorrer ainda no menu do Sallva. Deparei-me com um tornedor de filé espetacular, servido ao ponto para mal com um círculo perfeito de cozimento interior. Esse que pedi teve como acompanhamento um molho de gorgonzola justo com um risoto problemático (R$ 79).
Para um ristorante, como anunciado no subtítulo do Sallva, a comida está mais para a de uma trattoria dedicada ao uso de ingredientes nobres. Mantenho grande apreço pela culinária italiana em toda sua simplicidade, mas hesito em pagar R$ 69 por um prato individual de nhoque ao molho de tomate com manjericão, por exemplo. A não ser que o serviço se afine, a brigada se aperfeiçoe e a experiência traga todo o conforto que compensará a dor no bolso.
Sallva Bar & Ristorante
No Pontão do Lago Sul, QI 10. Telefone: (61) 3522-44352. De segunda a quinta-feira das 12h à 0h. Sexta das 12h à 1h. Sábado das 9h à 1h. Domingo das 9h à 0h. Ambiente interno e externo, Wi-fi. Estacionamento gratuito. Aberto em 2016