Restaurante do B apresenta ousadia e técnica
Espaço localizado no Hotel do B. é comandado pelo chef Rodrigo Sato
atualizado
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Enfim consigo apontar um hotel com fine dining em Brasília. O termo em inglês, embora traduzido melhor como boa mesa acomodou-se à alcunha empregada pelo jargão problemático “alta gastronomia”, termo de certa origem frankfurtiana, dado a categorizar a alimentação fora do lar em classes — e não em técnica, serviço e vanguardismo, como ocorre ao redor do mundo. Conheço o suficiente a rede hoteleira brasiliense para apontar com segurança que o Restaurante do B Hotel se destaca dos demais de sua categoria.
Com um cardápio sem generalismos, um tanto pretensioso sim (como costuma ser mundo afora), o restaurante situado no lobby do prédio vai na contramão da estratégia padrão dos restaurantes ditos contemporâneos da cidade: contrata um chef consultor para conferir um susto de criatividade a um menu tomado por clichês e “treinar a equipe”. Ora, no B Hotel a consistência de sua carta vem justamente pelo fato de se consolidar uma equipe
Optar pela consultoria não é nada mal para quem se aventura a iniciar um negócio neste setor. Diminui custos obviamente e pode elevar a qualidade da casa. Contudo, dificilmente romperá a barreira da mediocridade. Um hotel, é claro, terá muito mais poder de fogo para sustentar uma equipe ultraprofissionalizada, como é o caso do B. Mas raros são os hotéis que o fazem. Escoram-se nas massas e risotos, filés e purês e terminam sua triste sequência com petit-gâteau, cheesecake e pudim de leite.Quando soube do B, alimentei boas esperanças a cerca do trabalho ali desenvolvido. Fora o chef e chocolatier Gustavo Maragna, um dos mais criativos que vejo trabalhando por aqui, que me alertou quando falei da minha preguiça em frequentar restaurante de hotel. Pois bem, eis aqui um restaurante de fine dining.
Serviço bem coreografado, embora ainda vacilante (garçons pouco entendidos dos detalhes do próprio cardápio), apontam para o rigor de atendimento internacional ao qual persegue. As baias ao centro do salão, todo envelopado por tons de madeira, com uma decoração muito minimalista, dificultam a entrega do prato pela direita, como manda a etiqueta.
Percebe-se o desconcerto do atendente em servir. A mim não incomoda a transgressão das normas de etiqueta. Não poderia estar menos preocupado com este modelo desatualizado. Por um lado, cria hábitos essenciais para o conforto do cliente à mesa, por outro não parece natural e vale basicamente para medir a capacidade de se ganhar estrelas Michelin (algo pouco provável de chegar até Brasília ainda).
No almoço, impera o serviço executivo. Por R$ 70, você recebe prato principal e sobremesa, além de ter acesso ao ótimo bufê de antepastos e pães da casa, que por si só já vale a refeição. Não vejo uma bela mesa de acepipes como esta desde o extinto Places, no igualmente finado Naoum Plaza (hoje Windsor), um ótimo restaurante de hotel.
Numa primeira leitura, o menu entrega pratos sem explicações gourmetizadas, mas detida a enumerar os ingredientes. Gosto deste modelo. Cria expectativa, sugere uma surpresa, algo salutar para abrir as papilas gustativas.
Foie gras com melaço, mais cajuzinho do cerrado, brioche e brotos (R$ 67). A combinação do fígado gordo de ganso com o doce é um tanto clássica, mas a forma como a combinação é colocada no prato agrada os olhos e apresenta um ótimo equilíbrio, embora tenha comigo a impressão de que o foie gras servido assim frio, sem uma selagem para renderizar um pouco a gordura e conferir mais uma camada de crocância, possa ser um tanto enjoativo.
Me surpreende mais o polpetone de pupunha (R$ 42). Um bolinho perfeitamente elaborado com o palmito desfiado, suculento e saboroso, envolvido por uma crosta de panko perfeitamente elaborada, servida com geleia de abacaxi picante.
Do que experimentei desta etapa, não compreendi a terrine de polvo (R$ 46). Tecnicamente, o molusco apresentava cozimento ideal e combinava bem com os pimentões cítricos, a maionese de berinjela e o pouco perceptível pó de azeitona. No entanto, acredito que batizou-se terrine apenas pelo formato prensado do elemento central do prato. Falta-lhe alguma gordura, algum item alcoólico e mais camadas de sabor para se constituir uma terrine de fato.
Do menu principal, o ex-chef responsável Ramiro Bertassin deixa um legado com coisas incríveis, a exemplo do robalo em caldo de missô com uma tuille de pele de peixe (R$ 74). Este elemento curioso funciona bem para a apresentação mas sua crocância é comprometida assim que encosta no caldo quente.
Entre as carnes, há uma boa variedade: cordeiro, boi, pato, porco e vitela. Esta última compõe o prato mais suntuoso do menu: um stinco (R$ 82). Corte extraído da canela do bicho, teve sua moda há uns dez anos e surge aqui apresentado de forma desastrada, infelizmente. Ótimo cozimento, com uma cenoura glaceada bem interessante, servido com uma polenta massuda, com um molho reduzido excessivamente, em ponto de calda. Quando passa do ponto, sobra muito amargor. Foi o caso nesta execução.
Mais agradável, o carré de cordeiro combina um molho suave de canela e crocante de chocolate amargo. Grande risco, mas uma boa entrega. Completa o prato uma mil-folhas de mandioquinha com manteiga de garrafa e uma suposta espuma de abóbora, que mais parece uma musseline.
Como forma de atender o cliente mais conservador, há opções de filé com risoto e um pequeno menu de massas. Embora reticente, arrisquei provar um dos risotos — o mais diferentão, claro. Não esperava gostar da combinação de bacalhau com tucupi neste preparo (R$ 72). Funciona. Lembra muito um pirarucu no tucupi, um clássico nortista. Os cubinhos de maçã-verde conferem um bom contraste e o arroz estava no ponto correto, mas há duas coisas imperdoáveis: acréscimo de parmesão e o fato de ser servido em prato fundo (talvez se justifique pelo caldo do tucupi).
Na etapa de sobremesas, o cardápio do B Hotel voa. As receitas da chef pâtissière Sônia Takata são de uma maturidade incrível. Nada de musse de chocolate e pudim de leite — para isso temos o Diamantina, no Kubitschek Plaza. Clássicos se fazem necessários. Ela escolheu para esta finalidade um mil-folhas, tecnicamente irreparável, com creme de baunilha e calda de frutas vermelhas (R$ 25). Mas o canoli com massa de amêndoa mais laranja, mel, especiarias e sorvete de iogurte elevam a etapa do doce para uma experiência transcendental (R$ 32).
Passei por toda a carta de sobremesas. E há apenas uma que talvez não funcione, embora reconheça a sabedoria por trás de sua proposta. O tubo de merengue (R$ 31) deve ser uma coisa dificílima de se acertar. Delicado, bem construído, combina na massa de açúcar com clara de ovo sorbet de framboesa, biscoito de coco e outros elementos frutados, compondo uma bomba cítrica. Talvez até demais.
Essa experiência no restaurante do B me leva a pensar no imaginário do fine dining como algo muito distante da realidade das próprias capitais brasileiras. Há o Skye no Unique, o Marcel, o Emiliano… tudo concentrado principalmente no eixo São Paulo-RIo. Passava da hora de Brasília qualificar-se neste segmento tão caro às cidades cosmopolitas mundo afora e historicamente tão raro na nossa capital.
Exige investimento alto, profissionais superqualificados e um apreço pelo risco e pela ousadia. Algo que o B parece ter.
Restaurante do B Hotel
No B Hotel, Setor Hoteleiro Norte, quadra 5. Reservas: 3962-2000. De 12h às 15h e 19h às 23h (abre para café da manhã também). Wi-fi-. Ambiente interno. Aberto em 2018.