A’ Mano é um italiano com técnica apurada, mas em busca de identidade
O restaurante ocupa espaço na 411 Sul
atualizado
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É muito importante para um restaurante estabelecer um conceito. Ainda mais necessário e trabalhoso: conseguir encontrar sua própria linguagem. A’ Mano, que ocupa o antigo ponto que fora do Corrientes 348 (hoje Otro Parrilla) e do japonês OMA na 411 Sul, saiu-se muito bem no primeiro quesito, mas ainda não conseguiu firmar para si uma identidade própria nesses ainda poucos seis meses de operação.
A saber: a casa é a segunda empreitada italiana dos sócios Tiago Boita e Leandro Pompeo – por trás do Pecorino da Asa Sul e dos outros dois “restôs” que deixaram o endereço da 411 Sul para ocupar um suntuoso edifício na Orla da Ponte JK.
Normalmente exigente em qualidade de insumos e acostumada a colocar uma pompa de alta classe no salão, a dupla de restaurateurs propõe algo mais refinado do que a trattoria praticada no Pecorino ou do que uma simples osteria (o equivalente para o nosso entendimento a uma cantina de massas, algo mais despojado). No léxico italiano, o termo para melhor conceber o A’ Mano seria mesmo ristorante, caracterizado por carregar uma atmosfera mais solene.
Uma primeira impressão, ao se adentrar o salão do restaurante e após uma olhadela no menu, é de que estamos num concorrente do Gero, grife italiana da rede Fasano caminhando para a primeira década de funcionamento na praça brasiliense. A comparação não é de modo algum obra do acaso. Afinal, A’ Mano tem como mente por trás do projeto, do cardápio e da equipe de cozinha o chef Ronny Peterson, cria do Fasano e comandante por oito anos do Gero, no Iguatemi Brasília.
Portanto, identificar a relação ainda umbilical com a rede Fasano não exige esforço muito grande. E não que isso seja de todo ruim. A seu favor já há os preços praticados, um pouco abaixo do tíquete médio do Gero. Carpaccio de carne bovina, lasanha ao ragu, ossobuco com risoto de Parmigiano Reggiano e o famoso filetto alla Rossini demonstram o apego à técnica e ao repertório que o próprio chef consolidara em Brasília.
Vejamos o Rossini, por exemplo, cuja composição consiste em um turnedô de filé-mignon ao molho de vinho marsala sobre torrada de brioche com um topete de foie gras e lascas de trufas negras: carne servida ao ponto, molho devendo um pouco mais de redução, foie gras empalidecido, pouco trabalhado na caramelização exterior; e, da trufa, apenas a essência (um ingrediente dificílimo, mas que o Gero nunca se furtou a reservar o suficiente para manter no cardápio, ainda que com o fungo em conserva).
Ou seja, no quesito rigor, há ainda o que melhorar. No caso do ossobuco de vitelo, a técnica está lá, perfeitamente aplicada, conforme o script no estilo Fasano. Carne suficientemente suculenta, sem desmanchar completamente, mas com as fibras umedecidas. Neste caso específico é onde reside o problema, pois o molho do cozimento desta peça clássica da cozinha rústica da Lombardia, tanto no Gero como agora no A’ Mano, carece de mais força e profundidade no tempero. O risoto de açafrão que compõe o prato apresentava dessas raras exímias execuções.
Mas Peterson, embora muito arraigado no conservadorismo técnico, oferece pratos cheios de sabor, como o carpaccio de camarão e lula, com sabor cítrico e herbáceo, servido de entrada. Um primor. Outro postulante à vaga de meu prato favorito aparece com a fregola em espesso molho do seu próprio cozimento, muito aromático, ornada com finíssimas fatias de lardo, suave creme de trufa e minifolhas de beterraba. Esta composição se repete entre os melhores “segundos pratos”, tendo como estrela as costeletas de cordeiro.
Na seção de “primeiros pratos”, forma como se nomeia a etapa seguinte à dos antepastos e anterior à das carnes e peixes, há uma seleção curta de massas frescas, entre elas um dos raros espaguetes à carbonara elaborados com destreza a se encontrar na cidade. Quanto aos risotos, por mais que Peterson siga a cartilha e garanta o ponto al dente, não me parece um grande feito ao combiná-lo com ragu de costela, farofa de alho e ovo “perfeito”.
A começar pela imperfeição do ovo, cuja gema ainda escorria, mas demonstrava claros sinais de coagulação. Em seguida, pelo próprio risoto, um tanto insosso, que nem o concentrado molho resultante do cozido de costela conseguiu compensar. Por outro lado, há o espetinho de camarão com um arroz negro dos melhores que você há de encontrar por aí.
Não se furte em visitar a carta de sobremesas. Há tiramisu clássico, cuja receita é falha, porém muito boa. Erra em textura e equilíbrio de sabores. Não detém aquela cremosidade ímpar do Fasano (esta receita nem Gero conseguiu reproduzir por aqui). A pera baby cozida em vinho tinto, no ponto certo, vem sobre uma cama de creme de mascarpone. Outra combinação tradicional e indefectível.
Quanto à carta de vinhos, não há necessariamente uma enorme quantidade de rótulos, mas foi elaborada de modo a contemplar uma diversidade justa em preços, uvas e nacionalidades. O serviço de “sommelieria” poderia ser um pouco mais ousado em confrontar o gosto do cliente. É o que se espera.
O menu como um todo posiciona-se ainda muito de forma a reverenciar os ensinamentos do ex-chef mais conhecido do Fasano, Salvatore Loi, a quem atribui duas das criações ali citadas. Eis o grande desafio de Peterson a partir de agora: aplicar toda a expertise extraída de uma das mais importantes marcas da cozinha italiana da América Latina e se emancipar da enorme sombra que o acompanha. Em seis meses, o A’ Mano ainda não consegue fazê-lo, mas há espaço e potencial.
A’ Mano
Na 411 Sul, Bloco D, Loja 36. Telefone: (61) 3245-8263. Das 12h às 15h e das 19h à 0h; domingo, das 12h às 17h. Ambiente interno e externo. Wi-Fi. Manobrista pago. Desde 2018