Reprodução assistida não garante fertilidade a qualquer tempo
De acordo com especialista, a quantidade e a qualidade dos óvulos diminuem com o passar do tempo
atualizado
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Há alguns anos, não muito tempo antes da ideia maluca de ter filhos, eu conversava com a minha mãe sobre as possibilidades da medicina reprodutiva. Falávamos de como os avanços tecnológicos (sociais e culturais também) permitiram a nós, mulheres, deixar a maternidade para mais tarde, sem que isso virasse motivo de desespero.
É verdade que a ciência está ao nosso lado, mas isso não significa que seu potencial seja ilimitado. “Muitas vezes, passo boa parte da consulta mostrando à mulher que, mesmo ela se sentindo jovem, saudável e gozando de plena capacidade profissional, são reais os efeitos negativos do tempo sobre a fertilidade”, conta o ginecologista e obstetra Bruno Ramalho, especialista em medicina reprodutiva.
O fenômeno observado por Bruno foi confirmado em um estudo norte-americano publicado em 2012. Metade das mulheres ouvidas pelos pesquisadores se disseram chocadas ao saber que há uma queda significativa da fertilidade entre os 35 e os 45 anos de idade. Um terço delas acreditava que a gravidez poderia acontecer sem dificuldades aos 40 anos.
Bruno explica que a quantidade e a qualidade dos óvulos diminuem com o passar do tempo. Por consequência, também reduz a capacidade de o óvulo ser fertilizado ou de gerar um embrião geneticamente normal. “Existem ainda outros fatores, como a endometriose, os miomas uterinos e os pólipos, que podem aparecer ou evoluir à medida que a idade avança”, complementa o especialista. Fatores comportamentais – como menor quantidade de relações sexuais – também influenciam negativamente na fertilidade.
“Equivoca-se quem pensa que a medicina reprodutiva é capaz de proporcionar maternidade biológica a qualquer tempo”, alerta Bruno. Uma outra pesquisa, a respeito de crianças nascidas por meio de técnicas de reprodução assistida na América Latina, revela os limites da tecnologia: as chances de concepção são de cerca de 40% para mulheres aos 30 anos, 15% aos 40 anos e menos de 5% aos 44 ou mais.
O especialista recomenda que as mulheres falem sobre o assunto até por volta dos 32 anos na consulta ginecológica. “O tema fertilidade deve ser prioritário quando a idade não é um fator de preocupação, para que ter ou não filhos seja uma questão colocada de forma consciente no plano de vida”, aponta.
“Assim como ocorreu com os anticoncepcionais hormonais há cerca de 50 anos, a preservação da fertilidade surge como uma tecnologia de empoderamento para a mulher, de liberdade de decidir sobre sua vida reprodutiva”, defende Bruno. Ele pondera, entretanto, que podem surgir distorções, como a iniciativa de algumas empresas norte-americanas de oferecer congelamento de óvulos a suas funcionárias.
“Sob a sombra do empoderamento, pode existir, na verdade, a pressão para o adiamento dos planos reprodutivos, o convencimento pelo medo da perda do status, e não pela convicção”, diz.
Reconhecendo os limites naturais e nos informando sobre possibilidades tecnológicas, podemos tomar decisões de forma mais consciente – ou, até mesmo, sermos surpreendidas pela vida. Como é o caso (improvável) de uma amiga que engravidou naturalmente aos 42 anos e, nas palavras da própria, “transando pouquíssimo” com o namorado. Mas isso é uma história para outro dia.