Quando deixar a carreira vira uma armadilha
É preciso se mexer para que mudanças ocorram no mercado de trabalho e as empresas valorizem a atuação de profissionais mães
atualizado
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Se você tem ou teve um recém-nascido em casa, provavelmente já se pegou pensando na volta ao trabalho – isto é, se pôde desfrutar da licença-maternidade, é claro. O bebê, pequeno e indefeso, deveria mamar exclusivamente no peito até os 6 meses de vida, e a cabeça da mãe ainda não assimilou todos os efeitos da chegada de um filho. Tudo com a exigência de ser produtiva para o mercado.
Nesse cenário, mulheres em melhor condição socioeconômica escolhem dar uma pausa na carreira – seja para dedicarem mais tempo exclusivamente à criança, seja com o objetivo de conciliarem a maternidade com um trabalho freelance ou alguma iniciativa empreendedora. O problema é que tal opção vira, para muitas, uma armadilha.
A rede Maternativa não possui nenhum estudo específico sobre o tema, mas, por meio de relatos das participantes, Camila identifica que muitas acabam sendo “empurradas” para a vida doméstica depois da maternidade. “Abandonar a carreira em nome dos filhos gera uma conta. E ela será paga depois”, afirma.
Em muitos casos, conta Camila, ocorre uma ilusão em relação ao mundo do empreendedorismo e do freelancer. A mulher acredita que terá condições de cuidar da criança, da casa e também do trabalho.
“A realidade é que você escreve uma linha, a criança bate a cabeça, você escreve outra, ela pede água, outra, ela fica em silêncio e você vai ver o que está acontecendo. Trabalho com filho é sinônimo de pouca produtividade e criança desassistida”, relata a jornalista Carolina Lopes, 34 anos. Ela se tornou uma profissional autônoma durante a gestação.
Na época, Carolina era freelancer e descobriu que a gravidez era de alto risco. A empresa não topou que ela continuasse o trabalho de forma remota. Quando a menina estava com 1 ano, a jornalista recebeu uma boa proposta de emprego, mas não obteve o apoio do então companheiro.
“O salário dele pagava nossas despesas e ele não queria ficar com a criança meio período. E eu não queria deixá-la, ainda tão pequena, sob os cuidados de outras pessoas. Então, abri mão do trabalho”, lembra. “Dali em diante, assumi o lugar de cuidadora, ele, de provedor, e ficou cada vez mais difícil sair desse círculo”, lamenta.
Hoje, a jornalista está separada do pai de sua filha e busca alternativas para a autonomia financeira. “Ele cobra igualdade na contribuição dos custos que a envolvem, mas mantém a assimetria de tempo dedicado aos cuidados e toda carga mental envolvida”, reclama.
Caminhos
Para não cair em ciladas semelhantes, Camila Conti recomenda que nenhuma decisão seja tomada durante os primeiros meses de vida do bebê. Outra alternativa é tentar negociar com a empresa horários flexíveis ou um tempo de licença não remunerada, com manutenção do vínculo empregatício.
Além disso, é preciso conversar com o companheiro e exigir mais participação dele nas atividades domésticas, independentemente de ter deixado a carreira ou não. “Os homens tendem a se ‘proteger’ dessa obrigação, justificando seu papel como provedor. Não caia nessa”, pontua.
Finalmente, é preciso se mexer para que mudanças ocorram no mercado de trabalho e as empresas aceitem e valorizem a atuação de profissionais mães. “Mulheres ocupando cargos de liderança, tendo mais poder de decisão e consciência das desigualdades de gênero nesses ambientes podem provocar transformações efetivas”, acredita Camila. Avante!