Por que devemos ficar de olho na futura ministra
Sob o véu da defesa de “valores cristãos”, Damares vem destilando declarações que revelam ignorância, preconceito e falta de empatia
atualizado
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Poucas coisas na vida são tão transformadoras quanto a maternidade. Embora o começo seja conturbado, ter filhos deixa a gente mais forte, resiliente, criativa. Como diz a coach Rita Monte, uma mulher mãe é pura potência, capaz de inúmeras realizações.
E é justamente por causa dessa potência, das coisas que descobri depois de me tornar uma mulher mãe, que me choco com as declarações da futura ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Sob o véu da defesa de “valores cristãos” – algo, por si só, problemático em um Estado laico –, Damares vem destilando declarações que revelam ignorância, preconceito e falta de empatia, pra dizer o mínimo:
“A mulher nasceu para ser mãe.”
No dia 8 de março deste ano, Damares deu uma entrevista na qual defendia que nós, mulheres, nascemos para ser mães, pois esse é o nosso “papel mais especial”. Pode parecer bonitinho à primeira vista, mas trata-se de uma perspectiva absurdamente reducionista.
Primeiro, porque cada vez mais mulheres decidem não ter filhos, e não há nenhum desabono nisso. Segundo, reduzir o papel da mulher ao de mãe é raso e injusto, tanto do ponto de vista individual quanto coletivo.
A futura ministra parece ignorar o fato de que a grande maioria de nós trabalha fora de casa (muitas em carreiras de sucesso) e joga sobre os nossos ombros a total responsabilidade pelo bem-estar da família – inclusive, desabonando os homens e o Estado de muitas de suas atribuições, como a de garantir creches públicas de qualidade. Na mesma entrevista, Damares disse, inclusive, estar preocupada com a “ausência da mulher” dentro de casa!
“Vamos estabelecer políticas públicas para o bebê na barriga da mãe nesta nação.”
A futura ministra disse que vai trabalhar para a aprovação do Estatuto do Nascituro. O projeto de lei pretende dar ao feto, na barriga da mãe, os mesmos direitos das crianças. O texto prevê que sejam criados “estímulos” para a manutenção da gravidez até mesmo em caso de estupro, entre eles, a possibilidade de o pai, o estuprador, pagar uma pensão alimentícia à criança.
Há uma série de problemas no Estatuto – que passa por cima da autonomia das mulheres em relação ao próprio corpo –, mas a questão mais grave diz respeito à possibilidade de obrigar a mulher a ter contato com o homem que a violentou. Tal circunstância se configuraria em uma violação de direitos básicos e uma dupla violência contra as vítimas de estupro no país.
Damares também ignora o fato de o aborto ser uma questão de saúde pública. A Pesquisa Nacional do Aborto revelou que, em 2016, quase uma em cada cinco brasileiras interrompeu uma gravidez – mulheres de diversas idades e classes sociais. O aborto é uma realidade democrática e torná-lo ainda mais criminoso só vai penalizar as mais pobres, que não têm recursos para pagar médicos particulares.
“Vamos tratar meninas como princesas e meninos como príncipes.”
À primeira vista, essa é uma declaração inofensiva, mas, justamente por isso, uma das mais perigosas, pois encontra eco na grande maioria da população. Há vários perigos em taxar meninos e meninas dessa forma. Primeiro, porque muitas crianças não se identificam com o sexo biológico ou com a identidade de gênero com a qual nasceram. Não se trata de escolha ou influência do ambiente, está na própria natureza, como quando alguém nasce com o cabelo liso ou encaracolado. Negar a essas crianças o direito de serem o que são para cumprir o papel de príncipes ou princesas é uma violência.
Além disso, essa visão acaba por ser extremamente prejudicial para nós, mulheres. Não há problema nenhum em sua filha ser “uma princesa” – algumas das minhas amigas mais feministas são mães de meninas apaixonadas pelas princesas Disney –, a questão é que esses rótulos reduzem as possibilidades das meninas, pois elas crescem sem se enxergar em outros papéis.
Nossa ministra não assumiu ainda, mas já tem dado amostras de que vai representar muitas coisas, mas, certamente, não as mulheres e os direitos humanos.