“Filhos, vocês só existem graças ao pai de vocês”

Filhos, vocês só existem graças ao pai de vocês. Se isso é óbvio do ponto de vista biológico, devo dizer que a ideia de ter uma família foi dele. Eu nunca havia pensado seriamente sobre esse negócio de ser mãe até que um dia, durante um passeio de ônibus, o assunto surgiu.

O pai de vocês, que tem o péssimo hábito de achar que vai morrer antes de mim, pressionou: se eu quisesse ter um filho com ele, não poderia deixar para muito depois. E, então, ali mesmo, dentro do ônibus, nós decidimos que eu pararia de tomar a pílula. Não teve planejamento financeiro, viagem romântica, discussão sobre o que mudaria na nossa rotina.

Eu, que sempre fui de deixar a vida me levar, havia encontrado o parceiro perfeito para essa que seria a maior e mais incrível empreitada de todas. Poderia ter sido um erro, mas foi uma das apostas mais certeiras que eu já fiz nessa vida.

Digo isso, Miguel e Solano, não porque vocês são a consequência direta daquela decisão, mas por causa do pai de vocês. Ele é um cara maravilhoso, que segura a minha onda de diversas formas. Sempre que nós temos um dia difícil e eu estou me sentindo um fracasso de mãe ou um fracasso como profissional, ele me conforta e me diz que tudo vai ficar bem.

O pai de vocês troca fraldas, divide as madrugadas de choro, acorda antes do sol para ficar com vocês na sala. Ele está longe de ser um talento na cozinha, mas, de uns tempos pra cá, inventou de ser confeiteiro e saiu fazendo doces maravilhosos, que deixam você, Miguel, maluco.

O pai de vocês não acha que eu tenho “obrigações de mãe”, no pior sentido da expressão. Se eu arranjar um trabalho em qualquer lugar do mundo na semana que vem e disser que tal emprego é o sonho da minha vida, a primeira coisa que ele vai dizer é “maravilha, vamos lá”

O pai de vocês não acha que eu tenho “obrigações de mãe”, no pior sentido da expressão. Se eu arranjar um trabalho em qualquer lugar do mundo na semana que vem e disser que tal emprego é o sonho da minha vida, a primeira coisa que ele vai dizer é “maravilha, vamos lá”

O pai de vocês é emotivo. Nas cenas dramáticas, enquanto eu digo “nossa, que lindo, vou chorar”, ele já está com lágrimas nos olhos. No dia em que você veio ao mundo, Miguel, ele chorava a cada contração. No seu caso, Solano, ele não teve muito tempo de se emocionar, mas devo dizer que, se dependesse só dele, você teria sido feito três meses depois que o seu irmão nasceu.

O pai de vocês é curioso e louco por notícias, desde sempre. Em 1982, quando ele era um menino de 10 anos, ficou a madrugada inteira esperando a transmissão do ataque da Argentina às Ilhas Malvinas, acordando a casa inteira de excitação. Em junho de 2013, quando milhões de brasileiros tomaram as ruas, o pai de vocês quase lamentou estar de férias comigo em Fernando de Noronha.  As férias estavam ótimas, mas ele queria muito participar daquele movimento. Esse é o pai de vocês.

O pai de vocês sabe muito sobre muitas coisas. Ele é louco por livros e já teve uma livraria, um lugar que ele amou muito. Não fosse ele tão desorganizado financeiramente, ele seria tipo o Steve Jobs das livrarias. Ora, esqueçam, quem vai ser Steve Jobs na fila do pão quando vocês crescerem, não é mesmo?

O pai de vocês tem muitos defeitos. Os pais e as mães sempre têm. Por ora, posso dizer que ele é péssimo no que diz respeito aos cuidados com a casa. Podemos ficar meses com as lâmpadas queimadas. Nesse quesito, por favor, colem no vovô. O pai de vocês pode até falar mais alto e grosso de vez em quando, mas é quem tem o coração mais mole. Registrem isso, para quando vocês estiverem em encrenca.

O pai de vocês uma vez me disse que não podia me garantir que nós iríamos ser felizes para sempre, mas que a aterrissagem da nossa aventura seria divertida. E ele estava coberto de razão. Miguel e Solano, se um dia vocês quiserem ter filhos, espero que sejam, para a pessoa que dividir a tarefa com vocês, o mesmo que o pai de vocês é para mim.