Desfralde: um projeto (meu) fracassado
A psicóloga Marília Sobral Benjamin aconselha os pais a não tentar impor os seus objetivos em um processo que pertence às crianças
atualizado
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Na última semana de 2018, meu nome era determinação. Comprei cuecas infantis e anunciei ao marido que, depois de cinco anos adquirindo e trocando fraldas (entre um filho e outro), era chegado o momento do desfralde do caçula. Eu queria aproveitar os dias de recesso, o calor. Era o plano perfeito. Deu certo com o primeiro, impossível falhar com o segundo.
Mas aí veio a realidade e me obrigou a tirar o cavalinho da chuva.
Foram quatro dias nos quais não houve uma vezinha sequer em que Solano pedisse para ir ao banheiro. Ele, em teoria, está pronto: 2 anos e 10 meses, pula com os dois pés, sobe escadas sem auxílio, fala de tudo. As habilidades, porém, não significaram nada. Passei o recesso limpando xixi e cocô, me frustrando e, provavelmente, deixando meu filho ansioso.
“Ah, mas o aprendizado pode levar mais tempo.” Sim, é verdade. Já li relatos de crianças que levaram um mês para aprender a fazer xixi no vaso ou troninho. A pergunta é: isso tem de ser assim?
Como tudo na maternidade, é uma questão de escolha. “O desfralde depende da maturidade da criança, mas é possível começar o treinamento a partir de 1 ano de idade”, diz o pediatra Sylvio Monteiro de Barros, que defende o aprendizado por “imitação”. Ele recomenda aos pais que levem a criança ao banheiro quando forem fazer suas necessidades e que a deixem sem a fralda o máximo de tempo possível.
“Isso é mais ou menos como comprar livros para bebês de meses. Eles não vão sair lendo, é óbvio, mas se acostumarão com aquele objeto e com a prática da leitura”, compara. Sylvio também afirma ser necessário controlar a nossa própria expectativa em relação ao processo – talvez a parte mais difícil.
Para a psicóloga Marília Sobral Benjamin, que tem formação em psicanálise da criança, o desfralde é muito mais uma decisão da criança e menos de nós, adultos. Cabe aos pais não atropelar o tempo. “Às vezes, o menino ou menina está fisicamente pronto, mas não se sente incomodado com a fralda. Ou seja, ainda não adquiriu a maturidade emocional necessária”, afirma.
Isso não quer dizer que não haja um momento de aprendizado, mas, segundo Marília, ele se torna muito mais tranquilo quando há respeito ao ritmo da criança. A psicóloga evita até mesmo falar em uma idade certa. “Entre os 2 e os 4 anos, o desfralde diurno pode ocorrer. Depois dessa faixa etária, talvez seja necessário algum tipo de manejo pedagógico ou psicológico”, explica.
O maior problema, na visão da especialista, é quando tentamos impor nossos objetivos a um processo dos pequenos – por exemplo, quando há o desfralde por pressão da escola ou para aproveitar o período de férias. Outra questão é que a família precisa estar pronta para atender às necessidades da criança naquele momento – inclusive estar disposta a limpar os escapes, sem que isso vire motivo de estresse para todos.
“E, se não estiver funcionando, tudo bem retroceder”, diz Marília. Às vezes, a melhor estratégia, na vida e nas fraldas, é recuar um pouquinho.