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Aprenda a lidar com crises e birras dos filhos nos “terrible twos”

A neuropediatra Liubiana Arantes de Araújo, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), explica porque essa “adolescência” das crianças é importante para o desenvolvimento infantil

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criança chorando
1 de 1 criança chorando - Foto: iStock

A coisa toda começou aos poucos, há quase um ano – mais precisamente, durante uma viagem de férias. Miguel foi contrariado por alguma coisa qualquer e, de repente, se atirou no chão e começou a berrar. Não adiantou explicar com calma ou com braveza; a cada tentativa de aproximação, ele só se descontrolava mais.

Eu e o pai dele nos olhamos sem entender e colocamos a “culpa” na mudança de rotina. Um ou dois dias depois, a cena se repetiu. Quando voltamos para casa, ele, mais uma vez, teve uma crise, e aí nós tivemos que admitir: eles, os terrible twos, haviam chegado.

Terrible twos, os “terríveis dois anos”, é um termo que descreve a fase na qual as crianças começam a se reconhecer enquanto indivíduos e, portanto, a contrariar as solicitações dos pais. Isso pode se dar de forma suave ou mais pronunciada, por meio de simples negativas ou de reações mais escandalosas – as “birras” ou “chiliques” são os mais desafiadores para a família.

Não à toa, os terrible twos são também conhecidos como a adolescência dos bebês.

Então, como lidar com as crises? Os especialistas são praticamente unânimes: é preciso manter a calma e tentar enxergar a situação sob o ponto de vista da criança. “A maior ferramenta é sempre o afeto”, diz a neuropediatra Liubiana Arantes de Araújo, presidente do Departamento de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Em entrevista, Liubiana explica este momento tão importante para o desenvolvimento de meninos e meninas:

Quais são os comportamentos “terríveis” mais frequentes?
Por ser uma fase de transição e também de colocar em prática novas habilidades, surgem vários comportamentos diferentes. Alguns deles são considerados “socialmente inadequados” quando partimos do ponto de vista de um adulto, como, por exemplo, as reações de “birra”, as respostas negativas com a verbalização do “não”, a seletividade alimentar e a oposição quando contrariados. Entretanto, esses comportamentos são naturais para a idade e devem ser encarados como excelentes oportunidades de aprendizado.

Todo tipo de mau comportamento nessa faixa etária pode ser enquadrado como uma crise relacionada aos terrible two? Vou dar um exemplo: meu filho joga todos os brinquedos pela janela. Não é um “chilique” propriamente dito, mas faz parte dos terrible two?
Inicialmente, devemos desconstruir a visão de “mau comportamento”. Os adultos devem tentar compreender a situação do ponto de vista da criança e não se deixar levar pelas emoções negativas quando eles se comportam de forma “inadequada”.

As tentativas de testar novas habilidades, de observar a reação dos pais e dos cuidadores e de reagir quando contrariados são naturais, desde que não exacerbadas ao extremo.

No caso que você citou, a criança pode estar testando formas de encaixes de objetos que caibam na tela da janela e também tentando compreender o que acontece com o objeto quando ele se encaixa no buraco. Portanto, brigar com ele pode torná-lo confuso, pois, na sua forma de entender a situação, não há nada errado. Mudar o foco de atenção e tentar fornecer opções e exemplos adequados e simples são valiosos para contornar essa situação.

Como os pais devem agir em momentos de crise extrema?
A melhor forma de lidar é tentar compreender o que está acontecendo com a criança nessa fase. Isso tranquiliza os pais e pode ajudar a reagir com sabedoria nos momentos mais estressantes. Ao invés de uma grande represália, de ameaças, gritos e brigas, os cuidadores devem adotar uma postura equilibrada, conversando com calma. É importante dizer que entende o que a criança está sentindo e que vai ajudá-la a se acalmar. Outra forma é mudar o foco para outra tarefa ou interesse.

O médico que acompanha meu filho também diz que é bom “economizar no não”. Por que isso é importante?
Em primeiro lugar, para evitar que a criança fique viciada em dizer sempre essa palavra. Em segundo lugar, o cérebro nessa idade compreende mais as frases positivas que as negativas. Usar frases curtas, evitar ameaças que não vão se cumprir, elogiar quando o comportamento está adequado, deixar as rotinas e os combinados claros para as crianças são atitudes que auxiliam muito na prevenção das situações de estresse. Demonstrar que se importa com os sentimentos dela, ter tempo de qualidade e brincar de forma lúdica e prazerosa são essenciais. A maior ferramenta é sempre o afeto.

SBP/Divulgação
“A maior ferramenta é sempre o afeto”, diz a neuropediatra Liubiana Arantes de Araújo

 

Muitos pais se sentem desafiados nas crises e acabam castigando ou, até mesmo, batendo nas crianças. Quais os efeitos desse tipo de reação?
O exemplo vale muito mais que as palavras. As crianças que vivenciam a agressão dos pais compreendem que eles reagem com violência quando são contrariados. Portanto, a criança acaba repetindo esse comportamento quando vivencia uma situação de frustração. Além disso, essas atitudes geram medo e podem se tornar tóxicas para o cérebro imaturo de meninos e meninas, resultando em transtornos comportamentais e atrasos no neurodesenvolvimento. Isso não significa que devemos ser permissivos, mas sim que devemos agir de forma coerente e demonstrar com clareza qual o comportamento adequado naquela situação. Ensinar a criança a lidar com a frustração vai repercutir no sucesso dela no futuro.

Existe algum prazo para o fim dos terrible two?
Por volta dos 3 anos. Essa fase, no entanto, não deve ser encarada como “terrível”, mas sim como uma rica oportunidade de aprendizado para que a criança se torne um adulto saudável emocionalmente. Para os pais, também é um momento oportuno para a aquisição de maior autocontrole e de aperfeiçoamento pessoal. O bom exemplo dos cuidadores e a condução da criança pelo caminho do sucesso por meio do afeto deve se prolongar por todos os anos da infância e adolescência.

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