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Em vídeo exclusivo para a coluna, motoboy vítima de racismo diz: “Está perdoado”

O entregador Matheus Pires Barbosa desabafou sobre o ocorrido, sua história e o que fará com doações recebidas após o caso que chocou o país

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Matheus Pires Barbosa e Leo Dias
1 de 1 Matheus Pires Barbosa e Leo Dias - Foto: Leo Dias/Metrópoles

Matheus Pires Barbosa, que foi vítima de preconceito e racismo em 31 de julho, abriu o coração ao conversar com este colunista. O paranaense de 19 anos, que trabalha como entregador de delivery, foi humilhado por Mateus Couto, morador de um condomínio de luxo em Valinhos (SP), enquanto fazia uma entrega.

Veja entrevista exclusiva à coluna:

O vídeo viralizou nas redes sociais e o rapaz recebeu apoio e comoção de internautas e celebridades, sendo presenteado com motos, convites de faculdades para estudar e uma vaquinha que já ultrapassa os R$140 mil.

Em entrevista exclusiva à coluna, Matheus conta sobre o sentimento de humilhação, o susto que tomou com a repercussão, e entrega que não foi ele quem postou o vídeo. O rapaz ainda admite não ter ressentimentos, mas que seguirá com o processo judicial. Além disso, afirmou que o pai do agressor pediu desculpas.

Confira:

Uma coisa que impressionou a todos foi que você se manteve sereno. De onde veio essa força, essa sua serenidade, sua calma para enfrentar aquele ser que o agrediu tão cruelmente?

Queria agradecer por você estar aqui, mostrar um pouco do que aconteceu. Na verdade, a gente nunca imagina que isso vá acontecer. Porém, eu sou uma pessoa bem discreta, ainda que tenha uma vida por trás, todo um processo. E a minha vida foi preparada tanto pelos meus pais, que me deram educação, quanto pela minha religião, que é uma coisa que hoje eu gostaria de deixar bem claro – e até as perguntas que me foram passadas me dão essa abertura. Foi o treinamento que eu tive para lidar com essa situação. Não foi algo que eu já tinha passado, porém eu já tinha sido treinado para passar por isso.

Me explica exatamente como chegou àquele encontro que a gente vê no vídeo. Como que foi e como é que você percebeu que aquela pessoa estava ali com a intenção de te ferir, te magoar, te ofender com um ato racista e cruel? Como é que começou tudo?

Eu estava trabalhando como entregador, na sexta-feira, era mais ou menos umas quatro horas da tarde quando veio a entrega para essa pessoa, que era o agressor, era para ele mesmo a entrega. Quando eu cheguei lá, tentei falar com ele pelo interfone do condomínio e não consegui. Ele não atendeu, não sei se estava fora do gancho, não sei o que aconteceu.

Nisso, ele saiu da casa dele e perguntou por que eu não tinha subido, só que o condomínio é muito pequeno e as normas não deixam subir até lá em cima. Eu entrei, mesmo não podendo, porque ele me pediu pra entrar, e fiz uma brincadeira com ele, falando que alguns motoboys já tinham falado que ele era sem educação.

Ele não gostou, mas eu falei isso no intuito de quebrar o clima, eu vi que ele estava meio estressado. Nisso começaram as agressões, porque ele ouviu aquilo e achou que eu estava sendo ofensivo com ele. Não gostou do que eu falei, e começou a me chamar de preto, favelado, falou sobre a cor, que eu tenho inveja dele. Cuspiu em mim, fez o gesto como se fosse um macaco, jogou a notinha do restaurante em mim, falando que era lixo, para eu pegar.

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Ele foi vítima de racismo em 31 de julho
O caso de Matheus comoveu famosos, e ele chegou a ganhar uma moto
Matheus diz que perdoou o agressor
Ele mantém fé em sua religião, Testemunhas de Jeová
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Matheus Pires Barbosa tem 19 anos e trabalha como motoboy

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Ele foi vítima de racismo em 31 de julho

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O caso de Matheus comoveu famosos, e ele chegou a ganhar uma moto

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Matheus diz que perdoou o agressor

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Ele mantém fé em sua religião, Testemunhas de Jeová

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E o que te fez não cair em lágrimas. Você acha que a religião foi fundamental e seu treinamento também?

Minha mãe sempre me ensinou que a gente tem um valor, tanto para a minha família quanto para a sociedade. E, na minha religião, Testemunhas de Jeová, nós aprendemos isso, que existe o preconceito no mundo, e isso é uma realidade, infelizmente. E que quando nós passamos por situações assim, de agressão física ou psicológica, a gente pode conseguir lidar com isso. E nós aprendemos que devemos tratar o mal com o bem.

Você já tinha sido vítima de algo parecido?

Não, é a primeira vez que eu passo por essa situação.

Há quanto tempo você trabalha como motoboy?

Faz um mês que eu estou trabalhando.

Isso não foi nessa sexta agora (7/8), foi na sexta anterior (31/7). E esse vídeo foi parar com a sua mãe. Vocês pensaram se deveriam divulgar ou não? A decisão foi dela, de expor esse vídeo, não foi?

Quando eu recebi o vídeo, foi alguns dias depois do ocorrido. O vídeo foi feito pelos próprios vizinhos dele. Como eu fiquei meio mal com aquilo tudo que aconteceu, até fiquei com vergonha de ir lá depois e demorei alguns dias para buscar o vídeo. Essa pessoa mandou para mim e eu mandei para a minha mãe.

Você ficou com vergonha de entrar naquele condomínio novamente?

É, eu fiquei com vergonha de ir lá, porque a gente se sente humilhado. Aí, depois de alguns dias, fui lá pegar esse vídeo e mandei só para a minha mãe. Antes de ontem [sexta] eu vi que estava circulando.

Ela não avisou que ia postar?

Não, eu nem imaginava.

E em que momento você se deu conta que o vídeo havia viralizado na internet e que tinha se tornado uma grande comoção nacional?

Minha mãe me ligou chorando, dizendo que umas pessoas tinham visto o vídeo e entrado em contato com ela. Aí ela me chamou para ir na casa dela, mas eu fui desacreditado, porque tem tanta fake news, né? As pessoas dizendo que vão ajudar e acaba sendo tudo fake. Só que no meio do caminho eu fui olhar meu Instagram e vi que estava só aumentando os seguidores. Até na primeira entrevista que eu dei, eu pedi para não revelar a minha identidade, porque eu achava que ninguém ia saber quem eu era.

E aí você viu o mundo virado de cabeça para baixo?

Eu vi essa situação toda acontecer, mensagens chegando, pessoas ligando…

E um Brasil solidário, que estava te apoiando.

O povo brasileiro se comoveu com essa situação. Não só as pessoas normais, mas artistas, imprensa, empresas.

Você ouviu algum relato de algum colega de profissão? Não só em relação a esse senhor que proferiu as agressões, mas em relação a outros clientes? É comum colegas serem vítimas de ataques assim? Talvez não tão cruéis, mas de olhares, palavras preconceituosas.

Isso é mais comum do que a gente imagina, é a realidade. Ainda mais com entregador, que é visto como alguém frágil, alguém com uma profissão “menor”, então isso acontece geralmente. Eu nunca vi isso acontecer com ninguém, já ouvi casos de amigos contando.

O seu tênis estava com um rasgo, é isso?

É, estava com um furo. Ele até citou, falando: “Ah, seu tênis está furado”. Ele me olhou e percebeu.

É difícil a gente mensurar a dor de ouvir tais palavras, é difícil a gente externar o quão doloroso é isso, mas o que mais te doeu? Se existe algo que mais te machucou, que mais te feriu e que você saiu moído, destruído. Houve um sentimento de impotência na saída?

Em nenhum momento ele conseguiu me rebaixar como ele queria, mas o que mais doeu foi a questão do sapato mesmo. Parece besta, mas a gente não sabe às vezes quem foi que deu, qual a importância daquilo. E aquilo tinha importância para mim, minha mãe que tinha me dado. Quando ele falou, eu até falei para ele, mas não gravou essa parte. Falei: “Sabe quem que me deu? Foi minha mãe”. Fiquei até com um pouco de vontade de chorar, saí um pouco de perto dele. Então é uma coisa besta, mas foi o que mais me doeu.

Essa discussão durou quanto tempo?

A gente não tem noção do tempo quando passa por essa situação, mas depois que eu fui ver que durou quase duas horas. Desde a hora que começou até chegar a polícia.

Você procurou a polícia? Quem chamou?

Quando ele me chamou de favelado, preto, depois de uns 10 segundos que ele começou as ofensas, eu já peguei o telefone e liguei. Ele também ligou, falou que eu estava invadindo o condomínio dele.

E como que foi o tratamento que você recebeu da polícia?

A polícia chegou e foi tentar acalmar, porque ele estava me xingando na frente da polícia mesmo. Tentaram separar, falar para ele parar de falar, mas ele não parava. Eles agiram dentro do que podiam agir.

Além do vídeo tinham as autoridades policiais que presenciaram os ataques de preconceito e racismo?

Isso.

A gente ficou surpreso também com o laudo que foi entregue à polícia, que mostra um problema mental dele. Você percebeu algum desvio mental? Eu sei que é difícil para nós, leigos, percebermos algumas características, mas você, naquela hora, percebeu alguma coisa?

Realmente é difícil a gente saber de quem a gente não conhece. Sim, as atitudes dele foram de uma pessoa que tem algum tipo de problema, mas o problema dele não faria ele ser uma pessoa preconceituosa. Talvez agressiva, ou algo assim. A gente percebe, porém não faz sentido, por ele morar sozinho, ter uma vida social.

O que que você espera da Justiça, desse processo? E o que você gostaria que acontecesse?

Quando e recebi o vídeo, eu fiquei pensando se eu ia recorrer à polícia ou não, porque eu já sabia que seria uma coisa muito grande. Normalmente, coisas assim têm muita repercussão, mas é difícil chegar. Uma pessoa muito importante tem que ver e compartilhar para aparecer. E como eu não ia postar e nem imaginava que alguém fosse postar, nunca imaginei que isso pudesse acontecer.

Mas as atitudes que eu tomei e vou continuar tomando, porque tenho os advogados, é tudo para cumprir dentro do que a lei pode fazer. Não quero fazer nada além daquilo que a lei permite. Nem atitudes agressivas nem apoio, nada que seja agressivo. O que eu espero é que seja cumprida a lei e que ele consiga aprender. E que a gente também consiga aprender, que isso é uma realidade, mas que a gente pode agir diferente, porque se não a gente acaba se rebaixando.

Eu queria que você me falasse da sua vida, da sua família, sua história.

Minha vida é bem normal, de brasileiro, de ser humano. Meus pais trabalham, faz um mês que não moro mais com eles, mas estou sempre lá, são pessoas bem reservadas também. Embora minha mãe tenha postado, ela não quer aparecer, até para se preservar, preservar minha irmã mais nova, é uma coisa perigosa ficar se expondo.

Eu tenho uma vida bem simples. Sou do sul, paranaense, vim para cá [São Paulo] com meus pais. Já trabalhei com algumas coisas diferentes. Há um tempo meus pais trabalhavam como agricultores e eu comecei a ajudá-los. Depois, trabalhei no mercado empacotando compras, teve uma época que trabalhei como editor de vídeo, social media e freelancer.

Você tem 19 anos. Trabalha desde que idade?

Não sei, mas acho que comecei com 12, 13 anos, ajudando meus pais.

E os estudos, você concluiu o segundo grau?

Sim.

E qual é a sua renda?

Como autônomo é difícil saber quanto você ganha por mês, varia muito.

Você disse que as autoridades policiais presenciaram os ataques, mas você acha que se aquela cena não tivesse sido filmada e você tivesse apenas ido à delegacia e prestado queixa, o que você acha que teria acontecido?

Muitas vezes isso acontece, das pessoas passarem por isso, não ter ninguém gravando, e fica por isso mesmo, por não ter como comprovar.

Além de não ter como comprovar, são pessoas muita vezes desacreditadas pelas próprias autoridades, né? Então foi fundamental a filmagem?

Nem era meu objetivo criar tudo isso. Eu fiquei até pensando se eu ia continuar, porque a gente acaba se colocando em situações muito difíceis. Ir para a delegacia, isso é chato, ainda mais quando a gente pensa que talvez possa não dar em nada. A gente se pergunta se vale a pena ficar fazendo tudo isso e no fim só perder tempo.

A família dele te procurou para pedir desculpas ou te ressarcir de alguma maneira?

Na verdade, eu vi os pais dele na delegacia. Quando aconteceu, os pais dele já disseram que iam à delegacia entregar o documento que comprova que ele tem essa doença [o agressor alega que sofre de esquizofrenia]. A mãe dele, quando chegou, tentou me intimidar também, falou que eu não deveria ter falado aquilo. Em nenhum momento ela perguntou se eu estava bem, porque, na verdade, ela está tentando me colocar como o agressor, e o filho dela como a vítima. O pai dele até me pediu desculpa, falou que talvez tenha sido o problema dele, mas foi a única vez que vi alguém da família dele.

Ela tentou te intimidar na frente dos oficiais?

Começou a perguntar por que que eu tinha falado aquilo, que o fato de eu ter falado que ele não tinha uma boa educação era uma agressão. Eu não estava falando isso para ofendê-lo, ela tentou reverter a situação e fazer com que talvez eu sentisse medo, desistisse de fazer o boletim.

O pai dele estava envergonhado pela atitude do filho? Você percebeu esse sentimento?

Eu até agradeci no dia, fiquei muito feliz de ele ter falado comigo, porque é bom a gente ouvir pessoas que são do meio dele. Senti que ele estava um pouco triste, porém não sei dizer exatamente como ele estava se sentindo, qual era o motivo de ele estar pedindo desculpas. Espero que tenha sido porque se comoveu com como eu estava me sentindo.

Como você pode descrever para a gente o Brasil de hoje e o Brasil que você espera para o futuro?

São questões que não têm muita esperança, questão de política. Eu até estou evitando, não estou respondendo ninguém que tenha algum tipo de ligação política. A gente recebe muita mensagem, ainda mais em ano de eleição.

E, como eu falei, um dos motivos de eu conseguir ficar tranquilo foi minha religião. Nela, nós aprendemos que o mundo não tem uma solução, então não tem uma esperança de dizer assim: “Ah, tal político vai mudar”. Na verdade, a esperança que eu tenho é em Deus, na minha religião. Então não posso dizer isso, o que eu posso dizer é que aquilo que eu aprendi na Bíblia vai se cumprir.

Você tem consciência de que esse vídeo tocou muita gente e fez com que o Brasil visse que o preconceito existe de uma maneira velada e não pode ser encoberta por nenhuma doença mental?

Eu acho legal as pessoas se comoverem e começarem a ver que já demonstraram alguma atitude racista algum dia. Pode ser em pequenas coisas, às vezes não querer ficar perto de alguém na fila do mercado. É até automático, porque já está enraizado. Eu espero que isso ajude a diminuir um pouco, mas eu não espero que vá acabar. É uma coisa que acontece há muito tempo e não vai ser minha situação que acabe, mas talvez traga um olhar diferente para tudo isso.

Seus pais sofreram muito quando viram?

Como eu não moro com meus pais, não consegui sentir na pele a reação deles. Mas minha mãe ficou muito triste, ela disse que postou porque não queria que o filho dela fosse humilhado de novo. Meu pai também sofreu.

E as doações das celebridades? Isso também te tocou e surpreendeu muito?

Tiveram duas motos, fizeram uma vaquinha que eu vi que já passou de R$ 140 mil, entre outras coisas. Faculdades mandando oportunidades para eu estudar. Eu não tenho esse objetivo, até recusei os convites, porque eu não vejo o mundo como uma maneira da gente crescer. Agora minha vida está de cabeça para baixo, mas não é porque isso aconteceu comigo que meu passado mudou. E na minha vida eu sempre tive essa visão, que a gente não precisa de uma faculdade para ter um bom trabalho ou felicidade.

E o que você pretende fazer com o dinheiro?

Muita gente está falando muitas coisas: “Compra isso, compra uma casa, compra aquilo”. E a gente tem que agir com cuidado com essas coisas, porque assim como ele vem rápido, vai rápido. Eu sou uma pessoa bem centrada, o pouco que eu ganhava eu sempre investia, então vou conseguir aumentar isso e, de repente, fazer uma fonte de renda com a qual eu não precise trabalhar.

Para finalizar, eu queria que você desse uma mensagem para o Brasil que está te vendo, as pessoas que se tocaram com esse vídeo. O que você tem para falar para elas?

O que eu tenho para falar é que isso que aconteceu comigo é só mais um caso de racismo. Não foi o único, e depois do meu, tenho certeza que já aconteceram vários, não vai ser o último. Mas a gente pode mudar um pouco isso. Vemos muitos casos de racismo que foram explanados, e esse foi diferente, porque foi o primeiro com o qual as pessoas se comoveram com a reação não violenta, a atitude que eu tive de ficar tranquilo.

Tem tanta gente reagindo com violência, chamando ele de gordo, fazendo a mesma coisa que ele fez comigo. Então, o que eu tenho para dizer é que não apoio qualquer atitude violenta contra ele, e que a gente pode mudar um pouco do mundo sendo diferente daquelas pessoas que vocês não gostam. Que sirva de lição, que a gente pode tratar as pessoas com amor e mansidão.

E eu quero dizer para ele que ele está perdoado, que se ele quiser conversar comigo, eu estou à disposição. Vou continuar com o processo, porque acho que a gente tem que fazer o que a lei diz, então se existem leis, a gente tem que cumprir, mas não tenho nenhum tipo de ressentimento. Só estou continuando porque eu acho que o Brasil e as pessoas estão me cobrando, e eu tenho que fazer isso porque a lei tem que ser cumprida.

Colaborou Thamara Oliveira

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