Perfil fake no Twitter expõe morador do DF com HIV e suposta lista de parceiros sexuais
Homem nega ser dono da conta e atribui autoria ao ex-namorado, “por vingança”, após fim de relacionamento conturbado
atualizado
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Um perfil criado no Twitter causou alvoroço por divulgar fotos e telefones reais de supostos amantes de um morador do Distrito Federal que tem HIV. A Polícia Civil (PCDF) foi acionada. O homem afirma que a conta foi criada pelo ex-namorado após um fim conturbado do relacionamento. O acusado nega (veja abaixo).
Quem acessa as postagens, no primeiro momento, acredita que a autoria do perfil seria do próprio rapaz que aparece nas fotos. Contudo, após a repercussão do caso, o “dono” da conta informou ter prestado queixa na delegacia pela exposição, não apenas dos documentos que comprovam a sorologia positiva e de várias fotos íntimas, mas também por indicar uma suposta lista de pessoas com quem o rapaz teria mantido relacionamento sexual sem o uso de preservativo.
“A fim de Sexo sem capa atv/passivo e vitaminado+ só interessados!”, indica o texto de apresentação da conta no Twitter. Numa lista que ultrapassa 50 nomes, todos com foto e telefone, o autor do perfil faz comentários de como teria sido o sexo consensual supostamente ocorrido e até mesmo o desempenho de alguns. “Esse aí do Vicente Pires fudemos e até gravamos um vídeo. Depois posto aqui pra vcs”, comentou, em uma das publicações.
O suposto “exposed” – termo em inglês usado para a prática de expor relatos de crimes ou maus comportamentos nas redes sociais – foi descoberto após as vítimas terem procurado o aparente proprietário da conta no microblog. Os nomes dos envolvidos foram preservados pela reportagem até que as investigações policiais cheguem a um desfecho. O link do perfil também não será divulgado, e o vídeo foi manipulado para distorcer a voz do envolvido.
“Cara, eu não tenho nada a ver com isso. É coisa de ex-namorado, só está me dando dor de cabeça. Ele está com o meu número, com meu celular, porque o dele foi roubado. Eu tinha emprestado para ele desde o ano passado e ele fez backup das minhas conversas”, disse o homem em áudio enviado às pessoas que tiveram os nomes expostos na conta do Twitter.
O rapaz reforça que o ex-namorado não aceitou o fim do relacionamento. “Ele viu nas conversas que eu estava em outra e começou a fazer esse fake no Twitter, entendeu? Eu estou pedindo para as pessoas denunciarem a conta. Eu estou na delegacia, prestando um boletim de ocorrência contra ele e contra a conta, porque isso não é coisa que se faça”, completou.
Veja o vídeo do rapaz na delegacia:
Vítimas
A reportagem procurou algumas pessoas que tiveram o telefone divulgado e, de acordo com as conversas, os envolvidos disseram nunca ter se relacionado sexualmente com o homem que aparece na conta.
“Levei um susto, porque um monte de conhecido passou a dar print da conta e me mandar. Foi muita gente mesmo e eu, embora tenha conversado algumas vezes com o cara, nunca levei o caso pra frente. Nunca nos relacionamos”, disse uma das vítimas ao Metrópoles.
Em mais uma conversa, também sob a garantia de sigilo, o rapaz também garantiu não ter efetivado a investida sexual. “Pelo tempo que conversamos, ele nunca deu a entender que tinha esse perfil de divulgar mentiras, por isso logo imaginei que era alguém se passando por ele. O que eu posso dizer é que isso [sexo] nunca aconteceu entre nós. Por isso, logo pensei: ou ele é muito doido, ou alguém está mentindo e se passando por ele”, desabafou.
Também relacionado na suposta lista, um terceiro entrevistado disse que nem sequer conhece o rapaz da foto do perfil e disse que, na verdade, participava de alguns grupos de aplicativo em comum com o homem que diz ter sido vítima do ex.
“Quando recebi o print com a minha foto, não acreditei. Nunca tinha visto o cara nem conversado com ele. Fui pesquisar e vi que, realmente, fazíamos parte de grupos específicos de WhatsApp, mas nunca nem trocamos um oi. Fui imediatamente na delegacia denunciar o caso e quero que isso seja o mais rapidamente explicado”, disse.
Numa das ocorrências às quais a coluna Janela Indiscreta teve acesso, a vítima relata que “o perfil no Twitter está usando uma foto minha com o meu número de celular, informando que faço parte de um grupo de carimbadores (soropositivo HIV- Positivo). Isso vem causando diversos transtornos, familiares, pessoais, profissionais”, relatou à 33ª Delegacia de Polícia (Santa Maria).
Crimes virtuais
Conhecido pela grande experiência em processos sobre crimes praticados na internet, o advogado Newton Dias afirma que a situação ocorre, muitas vezes, porque o Marco Civil da Internet é “ineficaz”.
“A partir do momento em que dezenas de pessoas denunciam um perfil claramente ofensivo, isso gera uma mora incompatível com a celeridade da internet. Quando publicam mentiras, por meio de um perfil não confiável, o estrago está feito. Veja só a quantidade de pessoas que estão envolvidas nesse caso e quantas tentam tirar a publicação criminosa do ar e não conseguem. Por quê? Porque as plataformas, na maior parte, não respeitam o que deveria ser lógico”, disse.
De acordo com Dias, um projeto tramita no Congresso Nacional para que as redes sociais sejam responsabilizadas, de forma solidária, por situações como essa, quando intimidades de pessoas são expostas sem que haja uma resposta rápida dos gerenciadores da plataforma.
“Na minha avaliação, é inconcebível que o Twitter não tenha tirado o perfil e as postagens do ar depois de tantas denúncias. Em casos óbvios como esse que violam a privacidade, não há o que se discutir: teria que tirar do ar imediatamente. A plataforma, assim, favorece o ilícito. A intimidade é devastada de forma clara e a empresa provedora faz vistas grossas. Isso precisa ser revisto imediatamente”, defende o advogado.
HIV
Presidente da organização não governamental Amigos da Vida, referência em atendimento a pessoas que convivem com o HIV-Aids, Christiano Ramos afirmou que todos os pacientes que recebem o resultado positivo para o HIV têm a privacidade preservada, justamente para evitar que sejam vítimas da chamada sorofobia. “Recentemente, o Congresso Nacional aprovou a lei que transforma em crime o ato de quebrar esse tipo de sigilo, falta apenas a regulamentação da norma”, disse.
Segundo Ramos, o verdadeiro autor do ato precisa ser responsabilizado. “Quem criou esse perfil falso deve responder judicialmente por isso, não apenas por expor indevidamente pessoas que talvez nem tenham relação com o caso, mas por promover, principalmente, uma campanha que fortalece a sorofobia e o estigma à doença, duas das coisas que trabalhamos tanto pelo fim”, afirma.
O que diz o ex-namorado
A reportagem procurou o ex-namorado, acusado de criar o perfil falso e, por meio do Facebook, ele negou a autoria das publicações.
“Estou meio perdido com isso ainda. Algumas pessoas me mandaram mensagens e ele [o ex], inclusive, está divulgando meu endereço, o que está me deixando com medo”, comentou.
Na conversa, o rapaz confirmou que o celular foi furtado e que usou o aparelho do então companheiro por algum tempo. “Ele me emprestou um celular, sim, depois que roubaram o meu e demorei alguns dias para usar, pois eu estava sem chip e não havia nada no celular”, rebateu.
Ainda segundo o jovem, ele não fez nada que prejudicasse o ex-companheiro. “Eu mal tenho tempo para os meus perfis, imagina para um fake criado para prejudicar alguém. Isso é péssimo, pois parece que envolve um monte de gente”, disse.
“Acho que isso tudo é só porque ele quer que eu devolva o celular, e vou fazer isso e, provavelmente, para a PCDF. Não estou usando o aparelho. Só porque acabou um relacionamento, ter que passar por uma dessa… Ele me deve dinheiro, danificou a portaria do meu condomínio no último sábado (9/1) e eu que sou o acusado segundo ele? Poxa, eu quero é paz”, completou.
Sobre as investigações que correm na PCDF, o acusado pede celeridade. “Com certeza, isso é bom até porque me prejudica também. Agora tem um monte de gente me ameaçando – inclusive meu ex –, e eu não sei o que fazer. Apenas espero que tudo seja esclarecido, pois já tenho muitos problemas e não quero mais um, não”, finalizou.
Também acionado pelo Metrópoles, o Twitter afirmou “que tem regras que determinam os conteúdos e comportamentos permitidos na plataforma, e violações a essas regras estão sujeitas às medidas cabíveis”. Contudo, não comentou sobre o caso em questão.