GDF reabre espaço dedicado a Niemeyer, mas sem obras do arquiteto
Fechado há seis anos por falta de manutenção, local foi revitalizado, mas voltará a funcionar com exposição temporária de Siron Franco
atualizado
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Fechado há seis anos pela falta de manutenção para abrigar o acervo em homenagem ao principal arquiteto de Brasília, o Espaço Oscar Niemeyer será reaberto, neste sábado (24/08/2019), com uma exposição do artista goiano Siron Franco. O anúncio repercutiu negativamente, já que o local foi concebido para abrigar exclusivamente o acervo da figura considerada chave para o desenvolvimento da arquitetura moderna mundial.
Ex-genro de Niemeyer e atuante na construção de Brasília, o arquiteto Carlos Magalhães da Silveira indignou-se ao receber a notícia, publicada pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec). O pioneiro criticou a decisão do Governo do Distrito Federal (GDF) em mudar o conceito do espaço, criado em 1988 pelo então governador, José Aparecido.
“Eu era secretário de Obras quando o então governador me chamou para determinar a construção do local, erguido para abrigar a Fundação Oscar Niemeyer e todo o acervo dele. O que estão fazendo é uma verdadeira traição à história da nossa capital”, acusa.
Na visão do defensor da cidade, a escolha do artista plástico para ocupar um espaço dedicado exclusivamente à obra do principal arquiteto de Brasília é um “atestado de descomprometimento” do governo com o legado de Niemeyer. “Para mim, isso é um acinte”, disparou.
“Monotonia do Planalto”
Magalhães da Silveira acredita que a esperada reabertura do espaço “deveria, minimamente, reverenciar o legado” de Niemeyer. Ele se baseia em texto publicado no Diário Oficial (DODF) da época da inauguração do local.
“O Espaço Cultural Niemeyer, onde se guardará a memória dos ousados projetos que, na definição de Lucio Costa, formam a ‘paisagem arquitetônica de Brasília’, substituindo a paisagem natural, que não existia na monotonia do Planalto, completa o conjunto da Praça dos Três Poderes, onde, no governo José Aparecido, já foi introduzido um belo elemento: o Panteão Tancredo Neves da Liberdade e Democracia”, diz o texto.
A publicação obtida pelo Metrópoles (veja abaixo) descreve a concepção dos espaços, inaugurados quase que simultaneamente. “Os dois [foram] totalmente financiados pela iniciativa privada e doados ao Governo do Distrito Federal. Neles funcionarão também a Fundação Oscar Niemeyer e a Comissão do Conjunto Cultural Federal da Capital da República, ambas presididas pelo governador José Aparecido. O prédio foi construído na praça, atrás do mastro da bandeira e à direita do Panteão. É circular, com o traço inconfundível de Niemeyer, todo branco, com área de 500 metros quadrados, orçado em 30 milhões de cruzados e doado ao GDF como ‘contribuição à vida cultural da cidade’”.
Reforma milionária
De acordo com o GDF, a reforma do espaço Oscar Niemeyer durou cinco anos e custou cerca de R$ 1 milhão aos cofres públicos. Com a reabertura, o local passará a servir “como espaço expositivo e será dirigido por Charles Cosac, que também está à frente do Museu Nacional da República”. O equipamento será reaberto com a exposição Césio 137, do artista plástico Siron Franco.
De acordo com a Secretaria de Cultura, a mostra terá 50 óleos sobre papel inéditos, 12 telas e quatro esculturas que contam, por meio da arte, o maior acidente radioativo em área urbana no Brasil, ocorrido em 1987 na cidade de Goiânia (GO), capital da terra natal do pintor.
A exposição ficará aberta de 24 de agosto a 30 de outubro. Segundo o novo curador do local, o novo formato do ambiente “abrigará exposições de arte contemporânea produzida principalmente em Brasília”, explica.
Para a reportagem, o secretário-executivo de Cultura e Economia, Cristiano Vasconcelos, confirmou que a concepção do espaço foi para homenagear o arquiteto, mas informou que o convênio com a Fundação Oscar Niemeyer expirou em 2013. De acordo com o representante da pasta, desde então, não houve a possibilidade de renovar o acordo, já que “as contas da entidade foram reprovadas” para administrar o espaço.
Vasconcelos aponta que houve “irresponsabilidade” de antigos gestores com a manutenção do patrimônio tombado. “A situação do local estava deprimente. O governo reassumiu o espaço e, desde então, melhorias têm sido feitas para a reabertura”, afirmou.
O secretário-executivo não vê problema no fato de a reinauguração do cartão-postal não contar com homenagem ao arquiteto com mais obras públicas da cidade. “O que não podemos permitir é o Espaço Niemeyer ficar largado como estava. O que o governo fez foi revitalizar um local que é público e estava ocioso.”
Além disso, adianta o representante da Cultura, o local terá uma exposição permanente sobre o arquiteto, que será lançada no aniversário de 60 anos de Brasília, em abril de 2020. “Serão peças, croquis, desenhos e fotografias que mostram o trabalho de Niemeyer e, também, da construção da capital”, confirma o curador, Charles Cosac. Até lá, contudo, a agenda de exposições contemplará outros artistas.
O Metrópoles procurou representantes da Fundação Oscar Niemeyer, mas não obteve retorno até a última atualização da reportagem. Atualmente, a entidade é comandada por Ana Lúcia Niemeyer, neta do arquiteto.
Histórico
No fim de 2012, o equipamento anunciou que precisaria ser fechado definitivamente. À época, abrigava peças, desenhos, croquis, maquetes e documentos originais utilizados por colaboradores e pelo principal arquiteto de Brasília. Contudo, infiltrações e uma infestação de fungos tornaram o local inacessível. Um arrombamento também marcou o período decadente do espaço público.
Com todo esse histórico, o então governador do DF, Agnelo Queiroz (PT), anunciou a revitalização do espaço, mas a reforma se arrastou até os dias atuais. Com as obras, o acervo foi guardado em arquivos de plástico empilhados em uma sala pequena, e a visitação foi suspensa. Todo o material foi, então, destinado ao Rio de Janeiro, onde está sob tutela de familiares do arquiteto.
Recentemente, a Presidência da República sinalizou o interesse em transformar o espaço em espécie de museu em homenagem ao soldados que morreram no Regime Militar. A ideia, contudo, sofreu resistências e foi rejeitada.