Profissionais negros se unem para revolucionar o protagonismo da moda
Após protestos nos EUA, mobilização que ganhava força nos bastidores gera alianças que prometem abalar o conservadorismo do universo fashion
atualizado
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Grandes grifes do mercado de luxo tem apoiado o movimento #BlackLivesMatter e, com isso, os stylists Jason Bolden, Law Roach e Kollin Carter foram a público denunciar o cinismo de algumas etiquetas. Segundo eles, muitas marcas que se manifestaram contra o racismo se negavam a vestir personalidades negras, algo que não seria mais tolerado pelos profissionais. Agora, duas semanas após as críticas, os consultores anunciaram uma aliança poderosa para reaver o protagonismo da moda, em uma movimentação já sentida no mercado brasileiro.
Vem comigo saber mais!
Black Fashion and Beauty
O coletivo Black Fashion and Beauty surge como uma organização sem fins lucrativos que reúne estilistas, stylists, maquiadores e cabeleireiros, no intuito de apoiar os profissionais negros da indústria criativa que atuam nos bastidores da moda e do entretenimento. Mudar a atual estrutura significa contratar mais pessoas negras tanto nas passarelas quanto nos bastidores da moda.
“É um espaço seguro para compartilhar experiências negativas e defender a igualdade de remuneração. É uma espécie de sindicato black glam“, brincou Jason Bolden, um dos fundadores do projeto, em entrevista ao Business of Fashion.
O profissional, à frente do reality show Styling Hollywood, da Netflix, é um dos mais concorridos da indústria, assinando os visuais de Alicia Keys, Serena Williams, Taraji P. Henson, Vanessa Hudgens, Queen Latifah, Cythia Erivo e Yara Shadidi.
Law Roach, responsável por colocar Zendaya, Celine Dion, Ariana Grande, Demi Lovato, Kerry Washington e Anya Tarlor Joy nas listas de celebridades mais bem vestidas da moda, também usará sua influência para ajudar os criativos do coletivo. Desenvolvendo coleções para a Tommy Hilfiger e em destaque na mídia por participar dos programas Legendary, da HBO, e America’s Next Top Model, da VH1, Roach está em um patamar que poucas figuras do segmento conseguiram alcançar.
Além da poderosa dupla, integram o projeto o designer Jason Rembert, da Aliétte, a cabeleireira das estrelas Lacy Redway, a stylist da NBA Rachel Johnson, o responsável pelas produções das atrizes Tessa Thompson e Regina King, Micah McDonald, a maquiadora da cantora Janelle Monae, Jessica Smalls, e nomes em ascensão, como Kesha McLeod, Apuje Kalu, Ashunta Sheriff-Kendricks e Nai’vasha. No entanto, o processo de associação ainda está em andamento e mais figuras da cena fashion devem embarcar no projeto.
O Black Fashion and Beauty ainda não deixou claro como irá criar espaço para estes profissionais, mas já adiantou uma parceria com o fundo de assistência a pequenas empresas My Block, My Hood, My City, que tem ajudado empresários negros a se reerguerem em meio à crise relacionada à Covid-19.
“Nossos colegas brancos sempre tiveram experiências muito diferentes de nós, seja na maneira como são pagos e tratados ou nas facilidades nos departamentos de relações públicas e agências de gerenciamentos de carreira. Já tivemos o suficiente. Tudo será diferente a partir de agora”, defendeu Bolden, ao enfatizar que o coletivo não irá apenas identificar comportamentos discriminatórios, mas conseguir relações mais positivas com as grandes marcas.
De acordo com o idealizador do coletivo, os profissionais negros da indústria têxtil, em grande parte, só conseguem trabalhos como freelancers, mesmo após as revistas e grifes começarem a investir em ações voltadas à comunidade.
“Os produtores e fotógrafos negros geralmente são contratados apenas para campanhas de diversidade ou trabalhos relacionados às celebridades negras. Ainda assim, eles são frequentemente desrespeitados e mal pagos”, relatou Jason ao BoF.
Reação em cadeia
Outros profissionais que integram o mercado do vestuário têm respondido ao assassinato de George Floyd de maneira semelhante, formando associações ou pressionando os gigantes do mercado a fazerem mais do que doações simbólicas e declarações de apoio.
Kerby Jean-Raymond, da Pyer Moss, contou ao site Highsnobiety que ele, Virgil Abloh, Prabal Gurung e Dao-Yi Chow entregaram uma lista de exigências aos Conselho de Estilistas da América (CFDA), com o objetivo reduzir o preconceito e impulsionar o avanço dos negros na moda estadunidense.
Jason Campbell, Henrietta Gallina e Kibwe Chase-Marshall também enviaram uma petição à instituição, pedindo mais empenho na promoção da contratação de profissionais negros nas etiquetas filiadas.
A estilista Aurora James, da Brother Vellies, tenta negociar um tratado entre grupos varejistas e fornecedores negros. Caso ela consiga levar o acordo adiante, as companhias envolvidas se comprometerão a dedicar pelo menos 15% de suas compras às empresas lideradas por pessoas de cor.
Uma década à frente
Em Brasília, a união de pessoas negras em nome do avanço da comunidade no mercado de moda é sentida há pelo menos uma década. Cansada de ver o desprestígio da indústria local com os modelos negros, a empresária Dai Schmidt resolveu investir em um desfile e em uma agência completamente voltados aos profissionais afrodescendentes.
“Senti o preconceito desde cedo. Tanto nas agências quanto nas grandes marcas, que muitas vezes associavam nossa imagem à pobreza, situação de inferioridade ou deboche. A Bombril, por exemplo, foi super racista ao relançar um produto chamado Crespinha”, relata à coluna.
Atualmente, segundo ela, muitas empresas recorrem aos profissionais negros não por vontade própria, mas por uma lei de publicidade que exige a inclusão étnica nas campanhas. “Minha luta, e de toda a comunidade, é pelo fim desse sentimento de obrigação”, ressalta Dai.
Desde a primeira edição do Desfile da Beleza Negra, em 2012, até os dias de hoje, a empresária relata que poucas mudanças podem ser sentidas na moda brasiliense. “Muitos empresários apoiam, mas não são engajados com a causa. Fazem apenas para figurar como uma marca amigável. Muito precisa ser feito para melhorar o cenário, desde políticas públicas que dão visibilidade à comunidade ao incentivo em campanhas federais. Até mesmo a posição do presidente em relação às minorias precisa mudar”, reflete ela.
Para a produtora, a onda de protestos que invadiu as cidades norte-americanas deve iniciar uma revolução mais significativa no universo fashion. “Sete anos depois, vimos o Black Lives Matter ganhar mais repercussão e adesão da mídia, em um momento onde a exposição do racismo foi mais intensa na industria têxtil. Faz pouquíssimo tempo que um perfil do Instagram expôs as atitudes preconceituosas de nomes muito conhecidos no mercado. Meu desejo, e de todo o movimento, sem dúvida, é que a moda reconheça e valorize a presença e beleza negra”, deseja Schmidt.
No intuito de ajudar jovens pretas a conquistarem um lugar no mercado, Dai compõe o time de professores da terceira edição da Caravana da Juventude, iniciativa do Instituto Blaise Pascal que oferece oportunidades gratuitas de capacitação aos profissionais negros do mercado cultural e artístico.
Além das expertises da empresária, o projeto traz cursos de maquiagem, fotografia e produção de vídeos para internet. As inscrições podem ser feitas por meio de um formulário disponibilizado no site da ação. No endereço, ainda é possível conhecer a programação de cada oficina.
“Sempre digo que uma pessoa não precisa ser negra, indígena ou homossexual para apoiar as minorias. Percebi que empatia é algo que falta em muitas pessoas. O maior auxílio que alguém pode dar ao movimento negro é reconhecer, respeitar e divulgar a nossa luta. Pequenas ações fazem uma enorme diferença no combate ao racismo”, comenta Schmidt, que prepara a primeira edição digital do Desfile da Beleza Negra.
Programado para 20 de novembro, o evento reunirá apenas estilistas independentes, como Luan Oliveira, Nicolly Primo, Sophia Dinis e Mike Bryant. “Acho importante essa união, porque nossas marcas são bem representativas. Ainda mais nesse cenário onde as pessoas sempre associam a imagem do negro ao lugar subalterno, como se nós não pudéssemos ter nosso próprio negócio ou chegar a um lugar no qual o branco sempre ocupa. Então, acho importante ter projetos que tenham pessoas pretas falando sobre pessoas pretas”, afirma Nicolly Primo.
Dupla dinâmica
Envolvidos nos principais eventos de moda na capital federal, o produtor Fernando Lackman e a presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário do DF, Walquiria Aires, não poupam esforços para levantar a bandeira da inclusão no mercado brasiliense.
Depois de viabilizar o evento Moda Connect, voltado aos profissionais com deficiência, em novembro passado, a dupla agora planeja uma iniciativa focada nas minorias: o Fashion For All.
“A moda não veste mais apenas o consumo. É muito claro que, hoje, as pessoas criam roupas, também, pensando nas questões sociais. Temos roupas feitas para transexuais, para plus sizes e para quem tem algum tipo de deficiência física. Há, ainda, quem não queira seguir um gênero”, destrinchou Fernando no início deste ano.
A luta pela inclusão dos negros no mercado data de muito antes. Como produtor, Lackman sempre fez o possível para inserir modelos e estilistas negros nos eventos onde trabalhava e, graças a ele, hoje as passarelas da capital federal exalam diversidade.
“Até uns 8 anos atrás, era uma regra ter, ao menos, 30% de negritude nos castings, mas na época era difícil encontrar modelos qualificados. Hoje não faço mais cálculos. As agências investiram em treinamentos, o público negro assumiu a beleza que tem e a quantidade de modelos só cresce. Nos eventos que produzo, estão presentes todas as classes e raças. Em 2019, aconteceu de termos maioria negra em alguns desfiles e o público sempre vibrou ao ver um cabelo com volume ou uma mulher negra e careca andando sob os holofotes”, revela à coluna.
Porém, se nas luzes da passarelas o clamor eleva o empoderamento dos negros, nos bastidores eles ainda são preteridos. “Temos produtores que escolhem equipe por individualidades e não por currículo. Eu adoro trabalhar com pessoas. Não escolho por cor ou gênero. Eu quero é formar mais pessoas de movimentos considerados minoritários. Quando se treina, propõe formação, ensina e investe, talentos nunca imaginados são descobertos. Quero ver cada vez mais transgêneros, negros e refugiados no mercado”, destaca ele.
Pelas experiências do especialista, os consumidores são peças fundamentais para eliminar a resistência que resta no setor. “Sempre que vejo alguém usando roupas com características da moda negra, pergunto de onde é. Descobrir de onde vem a moda é o primeiro passo pra valorizá-la. Não temos muito destaque, mas temos muitas marcas e criadores negros investindo no setor atualmente. Ainda é pouco perto do mundo de possibilidades que temos”, conclui Lackman.
Apoie a moda negra!
De olho nas recomendações do produtor Fernando Lackman, preparamos uma galeria com estilistas e marcas negras para você apoiar. Afinal, como bem lembrou Lia Maria dos Santos, da diaspora009, em entrevista à Vogue, “quando ouvimos, conhecemos e consumimos uma marca de empreendedora negra, estamos reconhecendo uma luta ancestral pelo direito à vida”. Confira:
Colaborou Danillo Costa