Patriotismo pode prejudicar recuperação das marcas estrangeiras na China
Grifes internacionais tentam se manter no país, mas orgulho nacional ferido deve fazer consumidores optarem por investir em etiquetas locais
atualizado
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Passado o pico da pandemia na China, o país oferece o primeiro vislumbre do mundo pós-coronavírus aos empresários da moda. Com o comércio físico liberado em parte do território, as grandes etiquetas miram na nação para iniciar sua recuperação, após meses de atividades paralisadas e vendas quase nulas. No entanto, além de enfrentar a contenção de gastos gerada pela crise, as marcas terão que encarar o nacionalismo chinês.
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A China responde por 35% das vendas de luxo no mundo. A participação do país no segmento deve ultrapassar os 50% até 2025, como consequência da pandemia do novo coronavírus. Os dados são da empresa de consultoria Bain & Company.
As grandes marcas do setor, atualmente dependentes do mercado chinês, recorrem cada vez mais aos desfiles, flagships e ações em bom e claro mandarim, como tentativa de manter clientes interessados, mas isso já não deve ser o bastante, sobretudo após o isolamento social.
Cuidado redobrado
Uma crise com o consumidor chinês representa um problema em escala global. Dolce & Gabbana, Givenchy, Versace e Coach, por exemplo, sabem que não vale a pena contrariar o nacionalismo presente na cultura oriental. As marcas desagradaram clientes do país asiático e sentiram o impacto negativo.
Quando a Covid-19 fez os aeroportos e as lojas da China fecharem, impedindo os consumidores de irem até aos estabelecimentos físicos comprarem os produtos das coleções de outono/inverno 2020, os lucros de labels como Louis Vuitton, Gucci e Saint Laurent despencaram, fazendo a indústria do luxo registrar o pior lucro trimestral da história moderna.
Agora, a dependência em torno do mercado chinês promete aumentar ainda mais após o fim do distanciamento.
Ao reabrir uma de suas lojas em Guangzhou, a Hermès faturou US$ 2,7 milhões em um único dia, de acordo com informações do site WWD. Os países ocidentais, por outro lado, devem enfrentar um retorno bem mais lento, segundo relatório Bain & Company.
“A economia chinesa deve ser a menos afetada pela crise”, afirmou Luca Solca, analista de luxo da empresa de investimentos Bernstein, ao Business of Fashion.
Claudia D’Arpizio, uma parceira da Bain & Company, explicou ao Quartz que as restrições contínuas às viagens internacionais e o nacionalismo levarão os consumidores chineses a investirem mais no mercado interno.
“Essa tendência, combinada com uma crescente base de clientes alimentada pela classe média chinesa e, especificamente, as gerações mais jovens, levará a China a deter a maioria absoluta das vendas de luxo até 2025”, apontou a italiana.
Até então, a maior parte do comércio de luxo era feita nos Estados Unidos e na Europa, visto que muitos consumidores chineses preferiam viajar para adquirir os produtos por preços mais baixos. Segundo a Bain & Company, 73% dos gastos de luxo da China ocorreram fora do país em 2018.
Porém, esforços do governo chinês em propagar o patriotismo, diminuindo impostos e reprimindo agentes estrangeiros, devem influenciar o povo a consumir no país. “Toda essa situação está criando barreiras que realmente mudarão o mundo. Há um aumento do nacionalismo em todos os lugares”, revela Chloé Reuter, responsável por difundir as etiquetas Maison Margiela, Farfetch, Diesel, Alaia, Vivienne Westood e Lanvin na China.
O orgulho nacional chinês ganha ainda mais força conforme os sentimentos antichineses e antiasiáticos crescem. À medida que Donald Trump acusa a China de ser a responsável pela pandemia, os chineses começam a rejeitar a ideia de financiar outras economias, principalmente após o fim do surto de coronavírus no país.
“A China parece ter contido com sucesso o surto de coronavírus, o que é extraordinário para um país tão grande e populoso”, explicou Jason Yu, diretor administrativo da Kantar Worldpanel, ao Business of Fashion.
Segundo ele, se o resto do mundo não conseguir se recuperar da Covid-19 com tanto sucesso quanto a China, isso aumentará ainda mais o senso de nacionalismo, principalmente entre os consumidores mais jovens. “Isso fará eles terem mais orgulho das marcas chinesas”, acrescentou Yu.
Os pequenos empresários agradecem
Se antes o patriotismo chinês boicotava marcas por não considerarem Taiwan como parte do território do país, agora, qualquer afronte aos dogmas da nação será intolerável. Um relatório recente da Reuter Intelligence indica que o orgulho chinês será a tendência mais importante do mercado mandarim, auxiliando o desenvolvimento de marcas de pequeno e médio porte.
“As marcas chinesas não são mais percebidas pelos compradores como inferiores em qualidade ou design“, defendeu Derek Deng, sócio da Bain & Company, ao Business of Fashion.
De acordo com a empresa de consultoria, as etiquetas locais vêm crescendo desde 2016, quando 26 categorias de bens de consumo aumentaram suas vendas em 15%, superando a evolução das marcas estrangeiras.
Annie Hou, diretora da Harrison & Sudacom, disse que as marcas chinesas têm uma boa interação com os jovens das cidades menores. “Se você tem mais presença que uma grande label, isso te torna mais relevante para eles, ainda mais porque eles cresceram em meio ao apogeu da China”, elucidou.
Adaptação
Em relação ao mercado de luxo, os especialistas adiantam que as grifes estrangeiras precisam se reencontrar o mais rápido possível. Afinal, as etiquetas chinesas podem competir com as rivais internacionais em breve, devido à crise financeira gerada pela pandemia.
Dados da China Luxury Advisors sugerem que 86% dos indivíduos com grandes patrimônios no país planejam economizar em 2020, levando a classe A a investir nas etiquetas “made in China“, mais acessíveis que as do mercado exterior. Por mais leais que os consumidores possam ser, não há consumo sem capital disponível. O momento pede atenção e cautela.
Colaborou Danillo Costa