Nomes da moda chinesa dão dicas para superar o isolamento
Em regime de contenção há três meses, editores, designers e empresários relatam como mantêm os negócios em meio à pandemia da Covid-19
atualizado
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Por conta do isolamento social e da suspensão do comércio em várias cidades do país, muitos empresários da moda se perguntam como irão superar o impacto econômico causado pela pandemia do coronavírus. Alguns lojistas recorrem a vendas em domicílio, mas, ainda assim, a tática pode não ser bem aceita entre os clientes.
O que fazer, então? Há três meses em período de contenção, diversos profissionais do mercado chinês resolveram compartilhar suas experiências durante a crise para ajudar os colegas de outros países a enfrentarem o momento da melhor forma possível.
A loja Canal Street é uma das mais disputadas de Xangai. Enquanto a multimarcas estava aberta nos primeiros dias do surto do coronavírus na China, apenas 20 pessoas visitavam o endereço diariamente. Hoje, esse número ultrapassa 150. À medida que a situação melhora no país, Yiling Hong, proprietária do ponto, diz que, aos poucos, o movimento volta ao normal.
Durante o período de isolamento, a empresária aconselha os colegas a investirem nas plataformas on-line. “Crie conteúdos interessantes e divulgue mensagens positivas. Faça promoções, aproveitando que todos estão mais presentes na internet, e coloque as novidades da marca nos feeds, além de apoiar ações de combate ao vírus”, indica ao WWD.
Ainda que a situação na China esteja visivelmente melhor do que há algumas semanas, Yiling Hong verifica a temperatura de cada cliente que entra na loja e entrega máscaras e álcool em gel aos funcionários diariamente. Ao reabrir o comércio, a dica é deixar o ambiente acolhedor e sociável, pois todos estarão sedentos por interação depois de semanas trancados em casa.
Bohan Qiu, da agência de relações públicas Boh, diz que este momento não é de descanso, es im para pensar e evoluir. “Acredito que, depois dessa crise, a maneira como trabalhamos e nos comunicamos mudará para sempre. Conteúdos digitais criativos, genuínos e honestos serão cada vez mais cruciais para as empresas”, ressaltou Qiu.
No momento, Bohan integra um time de profissionais que atua para criar a primeira semana de moda on-line do mundo. “Estou muito animado com isso, pois sei que muitos colegas do ocidente observarão como faremos o projeto acontecer. Eles podem ter que recorrer a isso para enfrentar este desafio”, salienta.
Sem esconder o frio na barriga, o comunicador afirma que erros devem acontecer. Mas pontua que, ainda assim, esta é o momento de experimentar. “É um território desconhecido para nós, e marcas tradicionais tendem a resistir à ideia. É hora de aprender, absorver, ser criativo, pensar fora da caixa e criar um caminho para liderar esta nova onda de digitalização na moda”, acrescenta.
Chloé Reuter, fundadora da Reuter Communications, está há 25 anos na Ásia, deslocando-se entre a sede da agência, em Xangai, e os escritórios espalhados pelo mundo. Cuidando da imagem de grifes como Maison Margiela, Farfetch, Diesel, Alaia, Vivienne Westood e Lanvin, ela lista alguns pontos-chave para os empresários durante o surto.
Segundo Chloé, continuar com a comunicação e a normalidade é fundamental. “Com a equipe trabalhando remotamente, é importante manter a cabeça fria e evitar sobrecarga de notícias e rumores. O cotidiano de reuniões e briefings deve ser mantido via internet”, aconselha ao WWD. Planejar o futuro também é primordial. No caso da fundadora da Reuter Communications, o foco está em campanhas que virão após o isolamento.
A editora adjunta da Elle China, Sujia Zhuge, foi prejudicada pela proibição das viagens com destino aos Estados Unidos, medida adotada um dia antes de a equipe da revista embarcar para Nova York, onde a capa da edição de abril seria fotografada. Ela optou por direcionar o editorial via transmissões ao vivo no WeChat, além de reformular o foco da publicação.
“Fico feliz por trabalhar com uma equipe que conheço bem, e Léa Seydoux (modelo que estrelou o shooting) concordou em mudar o tópico de sua entrevista à medida que redirecionamos o conteúdo para a proteção da natureza”, disse, ao enfatizar a importância de trabalhar com pessoas confiáveis em uma situação crítica como a atual.
Outra estratégia da editora foi se unir ao embaixador da World Wide Fund for Nature (WWF) na China, Zhu Yilong, a fim de criar mais quatro capas complementares para o tema Renovação Verde da edição. Em resposta ao isolamento, a Elle chinesa ainda lançou uma campanha para as mídias sociais.
O projeto 2020, Eu Acredito envolveu 162 celebridades e 117 marcas de moda e beleza, que se revezaram para enviar mensagens positivas no Weibo, o Twitter do país. A iniciativa teve 130 milhões de impressões e 314 mil republicações.
Para maio, após semana de moda de Xangai ser adiada, a publicação prepara volume especial da Super Elle, voltada ao público jovem. “Muitas marcas tiveram que cancelar seus desfiles de moda na Europa, então iremos oferecer uma plataforma para os designers mostrarem suas coleções de outono/inverno 2020”, adianta Sujia.
Profissionais de diferentes áreas têm recomendações e experiências a compartilhar. O fotógrafo Jumbo Tsui é um dos mais requisitados na cidade de Pequim. Desde o surto, o número de trabalhos feitos por ele diminuiu consideravelmente. A demanda está aumentando conforme as sessões internacionais são impossibilitadas pela rigidez das regras de viagem e pelo fechamento dos aeroportos.
Recorrendo a talentos locais, o artista realizou duas campanhas e sete editoriais para clientes japoneses e chineses, sempre orientando a equipe no sentido de evitar transportes públicos e paradas. Além de higienizar as mãos antes de trabalhar, ele indica que os profissionais de cabelo e maquiagem usem máscaras, troquem de luvas a cada duas horas e desinfete o equipamento após o fim do ensaio. Outra observação importante é deixar as oportunidades vigentes para os mais jovens.
O estilista de roupas masculinas Xander Zhou está em Amsterdã desde seu show na última semana de moda masculina de Londres, em janeiro. Com o resto de sua equipe na China, ele afirma ter descoberto no trabalho remoto um benefício inesperado.
“Eu costumava pensar que se reunir com todos em uma sala é a maneira mais eficiente, mas agora percebo que, como preciso garantir que todos estejam na mesma página, começo a desenvolver minha ideia detalhadamente antes de compartilhar. Isso realmente aumentou a produtividade ”, conta.
Com a agilidade dos novos processos de execução, ele está confiante de que poderá entregar a próxima coleção a tempo. “Terminamos quase tudo antes do Ano Novo Chinês (12 de fevereiro) e criamos o intervalo de férias em nosso planejamento. Agora, com a fábrica de volta à ativa, o impacto será mínimo”, afirma.
Embora a Holanda não registre tantos casos de Coronavírus como os vizinhos, Zhou preferiu se isolar desde o final de janeiro. “Eu voltaria para Pequim nesta semana, mas mudei meu voo para o fim de abril por conta da repressão às pessoas que aterrissam no país. Raramente tenho tempo livre. Isso tem me ajudado a relaxar e refletir. Estou cozinhando tanto que posso abrir um restaurante quando a pandemia passar”, relata ao site WWD.
Tasha Liu, fundadora da plataforma Labelhood, não conseguiu fazer o mesmo que Zhou. Desde o início do surto, ela corre contra o tempo para impedir a interrupção do fluxo de caixa dos jovens designers que são seus parceiros. Com o adiamento da semana de moda de Xangai, onde a empresária realiza uma mostra de seus filiados, a executiva procurou o e-commerce Tmall a fim de divulgar e vender as novas coleções dos estilistas que participariam da iniciativa.
“Somos os mais prejudicados desde que a pandemia começou. Felizmente, a China possui uma infraestrutura de internet que possibilita resposta rápida à crise. Como trabalhamos com marcas independentes, a venda direta é a maneira mais eficaz. As transmissões ao vivo no WeChat estão sustentando a imagem das etiquetas nesse período”, assinala Tasha Liu.
A influenciadora Rita Wang, com 3,56 milhões de seguidores na rede social Xiaohongshu, o Instagram chinês, notou que seu engajamento duplicou após o isolamento. Ela analisa que seu conteúdo serviu como uma forma de entretenimento para os milhões de moradores do país durante o período de contenção.
Em fevereiro, enquanto acompanhava os desfiles da semana de moda de Londres, Rita Wang iniciou a campanha “Não isole a China, isole o vírus”, para aumentar a conscientização a respeito do crescente racismo provocado pelo surgimento do coronavírus no país. A ação viralizou entre seus conterrâneos, mostrando como esses profissionais podem se sobressair durante a crise.
“É necessário nos atualizarmos sobre a situação de cada país e, por meio das diretrizes da Organização Mundial da Saúde, contermos o vírus o mais rápido possível. Todos devem ser socialmente responsáveis, por si e pelo bem-estar dos outros. Definitivamente, podemos assumir o controle dessa situação e vencer a luta contra esta doença”, acredita a influenciadora.
Para quem trabalha com as plataformas on-line, o chefe de operações do app Xiaohongshu, Shangzi Li, garante que este é o melhor momento para tornar seu perfil uma fonte de entretenimento. O número de usuários ativos no Instagram chinês teve aumento de 35%, enquanto o tráfego diário subiu 44,9%. De acordo com ele, gastronomia, cultura, entretenimento, fitness, saúde e educação foram os segmentos que mais cresceram durante o surto.
Conteúdos sobre receitas de comida tiveram salto de 103,5% em relação ao período que antecedeu o isolamento, superando o setor de beleza, grande trunfo da rede social.
Dicas de atividades físicas, como aulas de ioga e pranchas, também foram bem difundidas. A tag #RotinadeBelezaemCasa teve 26,87 milhões de visualizações nas duas primeiras semanas do surto.
Colaborou Danillo Costa