No Brasil, influenciadores de moda já sofrem com os efeitos da pandemia
Embora o tráfego nas redes sociais tenha crescido, cortes nos investimentos de marketing fazem profissionais perderem 33% de sua renda
atualizado
Compartilhar notícia
A pandemia do novo coronavírus tem abalado a indústria têxtil drasticamente e o futuro da moda é incerto. Ainda que marcas de loungewear e algumas etiquetas independentes tenham tido lucro diante do atual cenário, a crise gerada pela Covid-19 impactou irremediavelmente as confecções, semanas de moda e até as grifes mais populares do mercado de luxo. O mais recente setor a registrar prejuízos ligados ao surto é o dos influenciadores digitais. Segundo uma pesquisa revelada na semana passada, a receita dos profissionais ficaram, em média, 33% menores entre março e maio, inclusive, no Brasil.
Vem comigo saber mais!
Por conta do distanciamento, a audiência das redes sociais disparou. Um estudo da consultoria Kantar, desenvolvido com dados de mais de 25 mil pessoas, indica que plataformas como Facebook, WhatsApp e Instagram cresceram cerca de 40% em março, enquanto o novato TikTok viu seu número de instalações mensais triplicar em abril. O aplicativo, atualmente, é o segundo mais baixado no mundo, segundo relatório da consultoria Sensor Tower.
Todavia, isso não significa que os profissionais da área estejam mantendo o lucro com o aumento do tráfego. De acordo com um relatório da Attain, agência de desempenho digital sediada no Reino Unido, os ganhos dos influenciadores estão 33% menores, se comparados ao mesmo período do ano passado. A média da quantia perdida semanalmente é de US$ 3.100, acumulando um prejuízo que já ultrapassa US$ 20 mil.
Desde o início da pandemia, 65% dos perfis analisados publicaram menos conteúdos patrocinados, contra uma parcela de 25% que identificou mais divulgações no período e 10% que disseram ter perdido todos os ganhos.
A pesquisa, feita com 500 profissionais, levou em consideração páginas de pequeno, médio e grande porte. Os mais afetados foram os influenciadores com menos de 100 mil seguidores, considerando que 72% disseram estar ganhando menos. Entre os que têm mais de 3 milhões, esse número chega a 55%.
Dos segmentos, o mais impactado foi o de turismo. As pessoas que trabalham com viagens e hotelaria tiveram seus lucros reduzidos em média 47%. Quase 80% dos entrevistados que pertencem ao ramo relataram queda brusca no número de conteúdos patrocinados. O relatório ainda destaca que o valor médio de um seguidor caiu para US$ 0,00387 USD.
Os dados vão ao encontro da previsão de James Nord, fundador e diretor executivo da agência Fohr. Ao WWD, o especialista já havia adiantado que essa perda ultrapassaria 30%, ainda no mês de abril.
Antes da Covid-19, esperava-se que a indústria da influência valesse US$ 15 bilhões até 2022. Porém, com as mudanças radicais no mercado, os departamentos de marketing estão reduzindo consideravelmente os investimentos no setor. “Nas últimas semanas, todos os nossos clientes passaram a monitorar de perto os perfis que investem para realizarem cortes, porque estão sendo desafiados pelo orçamento”, disse Pierre-Loïc Assayag, CEO e cofundador da agência Traackr, ao veículo.
Efeito global
A movimentação já é sentida em vários países, inclusive no Brasil. Com 70,6 mil seguidores, a influenciadora Rafaela Rabelo, da página Olho Mágico, não sentiu os solavancos da pandemia até o segundo mês de isolamento, mas nas últimas semanas a profissional teve que readequar toda a produção de conteúdo para não ficar no vermelho.
“No início da quarentena, eu não achei que impactou tanto. No meu trabalho de social media, em que crio estratégias de comunicação para marcas, eu senti mais, porque eu já sugeri aos meus clientes que reduzíssemos o valor do serviço para não pesar para eles. Preferi fazer isso do que perder os contratos. No segundo mês, abalou muito mais. Eu não perdi nenhum cliente, mas, em compensação, não consegui novos parceiros”, relata a brasiliense.
Atualmente, a blogueira de moda mira no segmento da beleza, já que ainda existem mais investimentos em mídias digitais. “Eu mudei um pouco a abordagem. Comecei a falar mais de cosméticos e cuidados com a pele durante o isolamento, e acabei sendo procurada por algumas pessoas para fazer divulgação de produtos de beleza, mas também reduzindo os valores. Esse mês vai ser mais difícil pagar as contas, mas imagino que esteja complicado para todo mundo”, acredita Rafaela.
Com 140 mil seguidores, Valéria Lessa não se enquadra na categoria que mais sofre com o distanciamento, mas isso não significa que os resultados sejam positivos para a influenciadora. Para ela, os efeitos da suspensão das atividades comerciais físicas foi imediato.
“Vários contratos caíram, de um dia para o outro, devido à incerteza do comércio, principalmente na área que eu atuo. Por mais que eu faça lifestyle, a maioria dos meus clientes são da moda. Então, quando foi falado que não teriam mais eventos, bares, casamentos e festas, houve uma queda brusca nas vendas de roupa”, justifica Lessa.
Diante do cenário, a idealizadora do projeto social Moda Cura mudou o foco de suas atividades. “De início, eu até propus trabalharmos a questão do home office, falando de pijamas e roupas para ficar em casa, mas logo os restaurantes, marcas fitness e empresas de alimentos naturais compensaram as demandas”, revela.
Ainda que o isolamento não tenha cessado, a profissional já sente uma melhora no mercado. “Em maio, começou a aquecer novamente. Já deu tempo das pessoas se reinventarem e buscarem novas alternativas para atingir o público. Além disso, os lojistas e comerciantes enxergaram que o pessoal está na internet, acompanhando cada vez mais os influenciadores. Eles precisam muito dessa visibilidade neste momento”, afirma.
Agravante
Além da crise financeira, outro fator ligado ao coronavírus que tem impactado os influenciadores são os temidos “cancelamentos”. Depois de ser uma das primeiras personalidades a contrair a Covid-19 no Brasil, a blogueira fitness Gabriela Pugliesi, à época com 4,5 milhões de seguidores, fez uma festa em casa. Como de costume, ela compartilhou alguns registros nos Stories do Instagram, porém, os admiradores da profissional não aprovaram a quebra do distanciamento promovida por ela.
A também empresária, que já havia causado polêmica por afirmar que o surto é “uma oportunidade única de união e igualdade social”, tentou remediar a situação, apagando as postagens, mas a atitude revoltou ainda mais as pessoas que acompanham o trabalho da instagrammer.
Dentro de horas, Pugliesi perdeu mais de 150 mil seguidores, mas o problema não prejudicou apenas seus números. Os contratos que a influenciadora tinha com as marcas Hope, Baw, LBA, Body For Sure, Desinchá, Evolution Coffee, Rappi, Mais Pura e Liv Up foram suspensos, enquanto Kopenhagen, Ambev e Fazenda Futuro, que já tiveram relações comerciais com a baiana, reprovaram publicamente o gesto e rechaçaram qualquer parceria futura com a musa do segmento wellness.
Tanta repercussão fez Pugliesi desativar seu perfil na rede. Especialistas da Brunch, agência que gerencia a carreira de nomes como Mari Moon, Nath Finanças e Dora Figueiredo, revelou à Forbes que as perdas podem chegar a R$ 3 milhões, sem contar as multas relacionadas às quebras de contrato e jobs perdidos com a suspensão da página no Instagram.
A polêmica festa ainda atingiu o marido de Pugliesi, que teve que se afastar de seus 1,4 milhões de seguidores, e também em uma de suas convidadas, a youtuber Mari Saad. Ao aparecer nos Stories da festa, a produtora de conteúdo digital recebeu milhares de críticas e perdeu um importante contrato com a marca de alimentos Seara.
“Nós fomos surpreendidos com a presença da influenciadora Mariana Saad, com quem desenvolvemos alguns trabalhos pontuais de divulgação das nossas ações, em uma festa. Ficamos extremamente desapontados com o comportamento inadequado. Por conta deste lamentável ocorrido, a marca está rompendo toda e qualquer relação profissional atual e futura”, declarou a empresa.
Ainda que a omissão dos likes e as fraudes estivessem ameaçando a credibilidade dos influenciadores digitais, novas plataformas, como o TikTok, ofereceram aos profissionais a possibilidade de reafirmar seu potencial comercial perante o mercado de moda. Após a pandemia, no entanto, o que era oportunidade virou obrigação.
Mais do que oferecer looks do dia e posts publicitários, os produtores de conteúdo precisam entender as mudanças causadas pelo surto do novo coronavírus para oferecer aos seguidores algo que faça sentido no contexto atual. Ainda assim, a retorno dos lucros só será possível conforme a recuperação das marcas e investidores, algo que não deve acontecer antes de 2021.
Colaborou Danillo Costa