Grandes nomes da moda são acusados de racismo por modelos e ex-funcionários
Perfil no Instagram expôs denúncias envolvendo humilhações nos bastidores de marcas brasileiras, como Reinaldo Lourenço e Gloria Coelho
atualizado
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Acusações de racismo na indústria da moda brasileira tomaram a web no último fim de semana. Grande parte delas cita os estilistas Reinaldo Lourenço e Gloria Coelho, dois ícones da cena fashion nacional. Segundo relatos, os designers, que já foram casados, costumavam recusar modelos negras no casting de seus desfiles. Ambos reconheceram atitudes do passado e se desculparam. Mas as reclamações não param por aí, há depoimentos sobre várias outras marcas e diversos empresários.
Vem comigo saber mais!
O racismo na moda brasileira
Segundo reportagem da revista Veja, o debate sobre o racismo na indústria da moda brasileira reacendeu depois de uma live de Paulo Borges, fundador e diretor criativo do São Paulo Fashion Week, a respeito do assunto, no último sábado (06/06). Depoimentos tomaram conta de grupos de WhatsApp e ganharam repercussão nacional com o perfil Moda Racista, no Instagram, que publicou comentários anônimos sobre atitudes preconceituosas de estilistas, bookers e outros profissionais da área.
Nesses espaços de conversa, modelos e ex-funcionários de marcas brasileiras trocaram relatos e fizeram “exposeds” (como internautas se referem a denúncias publicadas nas redes sociais) de situações que viveram nos bastidores de ensaios, desfiles e outros trabalhos.
As modelos Thayná Santos e Diara Rosa abriram espaço para manifestações em suas próprias páginas da rede social. Em vídeo do IGTV, Diara fala sobre racismo nos bastidores de Gloria Coelho e Reinaldo Lourenço, além de cobrar posicionamento de agências que permitem essas situações. Thayná compartilhou nos Stories várias experiências racistas vividas por seguidores. Inclusive, a própria Gloria entrou em contato com ela para parabenizá-la pela atitude e pedir desculpa.
Reinaldo Lourenço foi tema de várias mensagens enviadas para Thayná, bem como de posts do Moda Racista, com relatos enviados por ex-funcionários. Grande parte dos antigos colaboradores fala de supostas humilhações da parte do estilista. Alguns citam também atitudes de teor racista, como comentários sobre os cabelos das modelos.
“Ele nunca deixou uma modelo negra entrar na sala. Era proibido em castings, inclusive de cabelo crespo”, denunciou uma ex-funcionária. O post do estilista em apoio ao #BlackoutTuesday, que reuniu diversas críticas, saiu do ar.
Uma modelo que trabalhou para Lourenço e Gloria também reclama de condições de trabalho e da seleção da qual participou. “Além de não gostar de modelos negras, ela só gosta de baby face. Modelos mais velhas são descartadas”, aponta.
À Veja, um ex-assistente de Lourenço disse que “Reinaldo e Gloria humilhavam as modelos que não tivessem cara de rica, sendo imprescindível terem a pele branca. Se as meninas tivessem cabelo enrolado, ele não olhava na cara”.
Um dos primeiros posts do perfil Moda Racista resgata uma fala de Gloria em reportagem da Folha de S. Paulo publicada em abril de 2009. A matéria tinha como foco proposta do Ministério Público para que cada desfile do SPFW tivesse pelo menos 10% de modelos negras na passarela, acordo que chegou a ser concretizado. Nas aspas atribuídas à estilista, ela defende a ideia de que a obra de arte do designer não pode ser interferida pela cota.
“Na Fashion Week já tem muito negro costurando, fazendo modelagem, muitos com mãos de ouro, fazendo coisas lindas, tem negros assistentes, vendedoras, por que têm de estar na passarela?”, disse, à época. Em relato recente publicado no perfil de denúncias, uma pessoa – possivelmente um modelo – alega que sua agência avalia o “tom de pele e os traços” dos profissionais para então enviá-los para o casting da estilista.
“Chegando lá, tem um assistente da Gloria que confere os modelos. Negros quase nunca vão até a sala dela”, acusa o autor do texto. Sobrou também para o maquiador Daniel Hernandez, famoso por trabalhar com a revista Vogue, e a apresentadora e influenciadora digital Giovanna Ewbank. Uma das publicações mostra uma mensagem enviada ao perfil dizendo que ele é “racista e gordofóbico”.
A repercussão do post chegou até o profissional, que, em áudios, relembra um comentário que fez no passado, quando chamou o cabelo de mulheres negras de “cabelo ruim”. “Na hora que saiu da minha boca, já me toquei que estava errando e que aquilo tinha saído muito feio”, afirma Hernandez. “Há muito tempo que não faço mais esse tipo de brincadeira. Tomei consciência faz um bom tempo”, retratou-se. O fato de Daniel se referir à situação como “brincadeira” também foi criticado pelo Moda Racista.
Outros depoimentos anônimos mencionam marcas como Animale, Cris Barros, Fabiana Milazzo, Helena Bordon, Sissa, Ratier, George Krakowiak e alguns profissionais específicos do ramo. Os posts também abordam tópicos como transfobia, homofobia (mencionando a Ellus), abuso de poder, entre outras situações.
Respostas dos estilistas
Em comunicado enviado à Veja, Reinaldo Lourenço reconheceu que errou e pediu desculpa. “Eu errei. Tenho consciência de que me faltou empatia e compreensão em relação às modelos negras e aos outros profissionais de moda. Desculpem-me. As recentes críticas e observações de quem se sentiu constrangido em algum casting, backstage ou desfile suscitaram autorreflexão”, assinalou.
O designer disse que vai mudar. Reinaldo pontuou que passará a promover a inclusão de modelos negras em desfiles e campanhas, além de contribuir para que “as mulheres negras também sejam respeitadas como consumidoras da moda nacional”. “Não medirei esforços a fim de ampliar a representatividade e valorizar a diversidade racial brasileira por meio da minha marca em relação às modelos negras e aos outros profissionais de moda”, concluiu.
Gloria também se manifestou por meio de nota, afirmando que sente muito se alguma menina se sentiu “desprivilegiada ou sem acesso às mesmas oportunidades” ao trabalhar para sua marca ou no mercado de moda. “Reconheço que, por séculos, a moda privilegiou padrões de beleza eurocentristas, e que eu ou pessoas da minha equipe no passado possamos ter compactuado com isso, ou sido interpretados dessa forma. Estou aqui me comprometendo a ser melhor, a garantir que minha equipe seja melhor”, comunicou.
A estilista também afirma que pretende ouvir, educar-se e incluir mais diversidade na própria grife. Dessa forma, espera estabelecer um canal para fortalecer a luta contra o racismo e traçar novo caminho para a moda brasileira. “Eu e minha equipe estamos unindo forças para ampliar nosso casting e garantir que todas as meninas tenham experiências positivas em castings e fittings. Me comprometo a incluir meninas pretas em todas as campanhas futuras, e que o Instagram da marca represente igualmente pretas, índias, brancas, morenas e orientais”, prometeu.
A estilista conclui a nota pedindo perdão a quem magoou e afirmando que a busca por talentos negros para diversas áreas de sua empresa já vinha acontecendo e, agora, será reforçada.
Atualização: Anteriormente, a coluna havia informado números referentes a duas listas não-oficiais de modelos e profissionais negros que teriam trabalhado em duas edições do São Paulo Fashion Week. Ambas as listas foram publicadas pelo perfil Moda Racista e removidas posteriormente, devido a erros apontados pelas próprias autoras do mapeamento, que entraram em contato com a coluna. Por essa razão, os trechos referentes às listas foram removidos da reportagem no dia 13/06, às 17h20.
Colaborou Hebert Madeira