Fim dos likes, fraudes e app Tik Tok ameaçam influenciadores
Com credibilidade abalada pelo comércio de seguidores falsos, profissionais do Instagram perdem espaço para plataformas recém-lançadas
atualizado
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Nesta década, nada se tornou mais valioso para a moda do que estar entre os posts mais curtidos das redes sociais. Mais especificamente, no feed do Instagram. A plataforma começou em 2010, cresceu rapidamente e, quando percebemos, revistas como a Elle deixavam de ser publicadas no Brasil. Nos últimos anos, selfies de algumas it girls substituíram as imagens que, até outro dia, apareciam impressas nas páginas dessas publicações. Mas, com a credibilidade do ramo abalada, a hegemonia dos influenciadores pode estar com os dias contados.
Vem comigo saber mais!
A combinação de seguidores e difusão do Instagram se traduziu naquilo que hoje chamamos de influência digital, ou o poder que algumas pessoas têm de mudar a maneira como os outros pensam e consomem. O público da plataforma é tão volumoso e diversificado que grandes grifes aproveitaram a oportunidade para entrarem na onda e investirem nos modismos da era digital.
Atualmente, a presença das grandes marcas nas redes sociais é quase obrigatória, assim como um bom relacionamento com os usuários que detêm um grande número de seguidores. Com isso, o sucesso de uma coleção vai além do quesito inovação, valor ou design. Impressões, engajamento e índices como o Lyst, site de pesquisa que ranqueia as labels que mais atraem os consumidores, atuam com peso.
Para se ter uma ideia, a marca mais popular de 2018, de acordo com portal especializado em buscas, foi a Fashion Nova, que nunca realizou um desfile de moda e nem tem qualquer trajetória no segmento.
Relatórios divulgados recentemente, no entanto, apontam que a atual polêmica envolvendo compra de seguidores pode gerar um prejuízo milionário aos empresários que investem em marketing digital. E, para completar, o fim da exibição dos likes promete dificultar ainda mais o trabalho desses profissionais.
Se no conservador âmbito político observamos presidentes que não saem das redes sociais, no meio da moda isso é ainda mais evidente. Em recente entrevista ao Evening Standart, Olivier Rousteing afirmou passar oito horas por dia nos perfis dele e da Balmain, grife na qual é diretor criativo.
“A Balmain é uma casa de luxo francesa, e as pessoas perguntam se compartilhar tanto nas mídias sociais representa esse segmento. Se você quer vender luxo na internet, você deve estar bem com as mídias sociais. Porque é o futuro”, afirma Rousteing, que fez da maison a primeira a atingir a marca de 1 milhão de seguidores no Instagram.
Há 10 anos, no entanto, a realidade era outra. Naquela época, as pessoas influentes no universo fashion eram bloggers. Em 2010, nomes como Scott Schuman, do Sartorialist, e Tommy Ton, do Jak & Jil, sentaram-se pela primeira vez na fila A do desfile da Dolce & Gabbana, sinalizando que a nova geração de empresários da internet havia alcançado o mesmo status que os editores de moda.
Quando o Instagram foi lançado, isso foi individualizado. Em uma rede social na qual a lei é compartilhar as coisas mais legais do cotidiano por meio de imagens, mostrar looks com personalidade se tornou um hábito.
Nos primórdios da plataforma, a hashtag #LookDoDia rapidamente se tornou viral, substituindo o fascínio que os fashionistas tinham por editoriais de moda. Afinal, todos passaram a ser estrelas de seus próprios ensaios. Para ser uma sensação na web, uma conexão de internet bastava.
Assim nasceram os influenciadores, contagiando todos com seus guarda-roupas e lifestyle invejáveis. As celebridades, que antes tentavam manter suas vidas privadas fora das vistas da opinião pública, foram obrigadas a seguir a corrente e a compartilhar pequenas migalhas de seu cotidiano, bem como os diretores criativos das grandes grifes de luxo.
Se as pessoas passaram a se tornar marcas, empresas começaram a se comportar como indivíduos. Olivier Rousteing, da Balmain (5,4 milhões de seguidores), Riccardo Tisci (2,2 milhões), da Burberry, e Marc Jacobs (1,3 milhão) usaram suas contas para aumentar a popularidade de suas casas e, ao mesmo tempo, dar aos fãs das labels a sensação de acessibilidade.
Enquanto isso, Virgil Abloh foi dos feeds para a direção criativa da Louis Vuitton. Ele, que acumula diversas funções, como engenheiro, arquiteto e DJ, foi parar na companhia francesa após os executivos do grupo LVMH identificarem seu poder de persuasão perante seus 4,2 milhões de seguidores, entre eles diversos influenciadores celebrados na web.
No mundo das modelos, a movimentação foi a mesma. Os milhões de seguidores de Kendall Jenner a fizeram figurar em desfiles que nem veteranas das passarelas conseguiram. De repente, a irmã de Kim Kardashian estava em todas as semanas de moda, criando uma nova classe de profissionais apelidada pela Vogue como insta-girls.
O sucesso das novas blogueiras contagiou também os setores de marketing das marcas de luxo. Se, outrora, as revistas especializadas eram o principal destino das verbas de publicidade, hoje as parcerias comerciais se voltam às instagrammers.
Em julho de 2013, quando a marca Oscar de la Renta apostou no Instagram para lançar sua campanha de outono, o mercado encarou a tática com certo ceticismo.
Na época, as fotografias feitas por Norman Jean Roy não alcançaram mais do que 1 mil curtidas durante a primeira hora de publicação, mas renderam bons resultados meses mais tarde, quando foram divulgadas nas edições de setembro das principais revistas do segmento fashion.
Hoje, cinco anos depois, vemos que a estratégia da marca americana antecipou não só o estreitamento da moda com as redes sociais como também o declínio das publicações do segmento perante o sucesso avassalador do aplicativo de compartilhamento de imagens.
Mesmo casas luxuosas – como a Chanel, que a princípio resistiu à corrida dos likes – adotaram as possibilidades do app. A Dior, por exemplo, usou o Instagram para relançar sua Saddle Bag, mobilizando mais de 100 influenciadores para divulgar a campanha. A hashtag #DiorSaddle movimentou US$ 3,4 milhões em mídia, de acordo com uma análise da Tribe Dynamics, e gerou um aumento de 1.000% nas pesquisas pelo selo no site Lyst.
No início da relação com o Instagram, a Oscar de la Renta dedicava menos de 5% de seu investimento em mídia às redes sociais. Agora, planeja investir um terço de seu orçamento no aplicativo. Em 2016, a italiana Gucci destinou 33% de sua verba midiática às plataformas digitais, mas aumentou o percentual para 44% no ano seguinte e chegou à marca de 55% em 2018.
Na era do Instagram, a roupa não basta ser apenas usável, precisa ser “instagramável” também, o que estimulou as etiquetas a irem muito além em termos visuais. Nos anos 2000, itens como os dad sneakers da Balenciaga e as bolsas minúsculas da Jacquemus seriam alvo de chacota, mas tudo se tornou possível nas mãos dos influenciadores.
De repente, tudo ganhou aspecto máxi. Em 2010, durante seu show de outono, a Chanel trouxe um iceberg para o Grand Palais, mas graças às redes sociais as etiquetas deixaram de recriar ambientações. Elas podiam, simplesmente, fazer seu show em qualquer ponto turístico do mundo – afinal, vários influenciadores estariam lá para mostrar tudo aos seguidores.
A promessa de ganhar dinheiro e poder por meio de uma conta gratuita no Instagram animou os millennials, que passaram a almejar a tão sonhada profissão de influenciador. Não era necessário estudar ou se especializar. Você apenas precisava conquistar fãs com sua personalidade (ou forjá-los).
Em 2017, Chloe Morello, uma das mais populares influenciadoras de beleza da Austrália, foi ao YouTube reclamar sobre fraude de influência. Ela pediu encarecidamente que as pessoas comprando seguidores e curtidas parassem com a prática, pois isso prejudicava os profissionais da área. Evidentemente, o pedido não foi atendido, e o episódio acabou por sinalizar o que seria o começo do declínio do segmento, até então intocado perante os indecifráveis algoritmos do Instagram.
Enquanto, no mercado negro internacional, é possível comprar 1 mil seguidores por US$ 16, no Brasil conseguimos adquirir o mesmo número de usuários por R$ 50, com direito a manutenção por 30 dias. Embora o Instagram tenha criado ferramentas para eliminar as contas falsas da plataforma, o comércio de followers cresce a galopes.
Apenas em 2019, os profissionais de marketing gastarão US$ 8,5 bilhões com influenciadores, segundo um levantamento da Mediakix. Porém, o comércio de likes e followers inautênticos custará aos empresários um prejuízo de US$ 1,3 bilhão.
Pelo menos é o que indica um estudo desenvolvido pela empresa de segurança cibernética Cheq em parceria com a Universidade de Baltimore.
“Desde que anunciamos nosso trabalho para reduzir o engajamento não autêntico, em novembro do ano passado, vimos resultados promissores. Este relatório não reflete o nosso progresso”, disse o Facebook em um comunicado divulgado no mês passado.
Os pesquisadores da instituição identificaram que 25% dos seguidores dos 10 mil influenciadores analisados são falsos. Com essa estatística, os estudiosos chegaram à conclusão de que 50% dos engajamentos em conteúdos patrocinados não passam de ilusão.
Um outro relatório, conduzido pela empresa de medição de marketing Points North Group, descobriu que 78% dos seguidores dos influenciadores contratados pela rede de hotéis Ritz Carlton não existem – e o mesmo ocorreu com a L’Occitane, mas em menor quantidade: 39%.
A tática de comprar seguidores não é apenas comum, mas prática e rápida. No início deste ano, um fotógrafo de viagens chamado Trey Ratcliff escreveu o livro Como Falsificar Seu Caminho para Ficar Rico no Instagram, que narra suas aventuras no mercado negro de likes.
Na publicação, Ratcliff revela como comprou mais de 100 mil seguidores para um conta que ele criou na plataforma. Segundo ele, as agências de marketing ficaram ansiosas para fechar parcerias sem nem ao menos questionar a proveniência de sua suposta fan base.
O professor Roberto Cavazos, que comandou as pesquisas da Universidade de Baltimore, observa ainda que alguns influenciadores postam conteúdo patrocinado falso para passar segurança aos clientes em potencial. “Este tipo de marketing é estimulante e de rápido crescimento, mas a quantidade de fraudes e potenciais danos ao setor já é altamente significativa”, disse em um comunicado oficial.
Recentemente, o Instagram começou a desativar a exibição do número de curtidas nas fotos postadas na rede de compartilhamento. Os dirigentes da plataforma acreditam que a mudança irá minimizar as pressões sociais que as mídias sociais criaram. “Queremos que seus amigos se concentrem nas fotos e nos vídeos que você compartilha, não em quantos likes eles têm”, escreveu a empresa em sua conta no Twitter.
A novidade mexeu com os influenciadores, já que as marcas e agência de marketing avaliam o alcance das postagens patrocinadas, também, por meio da contagem de curtidas e comentários.
“Esconder o número pode encorajar as marcas a se afastarem do marketing de influência e a apostarem em mais anúncios direcionados”, explica Dan Goldstein, presidente da agência de marketing digital Page 1 Solutions, ao Business of Fashion.
Atualmente, o Instagram tem 25 milhões de perfis empresariais, mas apenas 2 milhões anunciam mensalmente, de acordo com o site de marketing australiano Mumbrella. “Isso forçará as marcas a optarem por gastar em anúncios da própria rede social, porque, dessa forma, elas terão acesso aos números que desejam ver”, afirmou ao site.
Joe Gagliese, cofundador da agência de marketing Viral Nation, acredita que o fim das curtidas também pode dificultar a vida das etiquetas. “Os likes se tornaram símbolo de sucesso e endosso. Os consumidores acabavam curtindo as postagens porque outras pessoas fizeram o mesmo”, conta Joe, que também vê a ação como uma nova oportunidade.
Ele enxerga que o engajamento no Instagram se concentrará nos comentários, o que poderia fornecer interações mais significativas entre as marcas e os clientes. Afinal, a foto mais curtida do Instagram é a imagem de um ovo postada por uma empresa que descobriu como quebrar o algoritmo da plataforma, mostrando que nem sempre os likes podem se traduzir em conteúdo de valor.
“Os likes se tornaram símbolo de sucesso e endosso. Os consumidores acabavam curtindo as postagens porque outras pessoas fizeram o mesmo.”
Joe Gagliese
Alessandro Bogliari, diretor-executivo da Influencer Marketing Factory, acredita que todas as métricas são importantes, pois o público de cada conta é diferente. “Com menos um dado para avaliar o engajamento, será mais difícil explorar os influenciadores”, disse ele, que aposta em uma possível migração para o app Tik Tok.
Uma pesquisa publicada pela empresa Mobile Marketer em julho de 2019 mostra que as taxas de engajamento em postagens patrocinadas no Instagram caíram 2% desde o início de 2016. Em contas com até 5 mil seguidores, só 8,8% dos usuários irão interagir com o perfil, e isso desce para 6,3% quando você ultrapassa essa marca. Para influenciadores com mais de 10 mil followers, o número despenca para 3,6%.
Enquanto isso, apps como o Tik Tok, que já foi baixado mais de 800 milhões de vezes em todo o mundo, crescem rapidamente, graças à geração Z. “Para a Gen Z, a influência é muito importante, pois é algo que define a cultura deles. Mas eles entendem o poder da influência de uma maneira que os millennials não conseguem. Os adolescentes de hoje são melhores em comandar a atenção”, diz Taylor Lorenz, especialista em cultura de influenciadores, ao Fashionista.
A imagem construída pelos influenciadores da geração millennial é insossa e gira em torno do acúmulo de seguidores. Para essa nova classe de jovens, a audiência é menor, mas o conteúdo tem mais personalidade. “A geração Z não se importa com o engajamento. O Instagram ficou saturado de imagens perfeitas, e os adolescentes de agora preferem se apegar à realidade”, informa Lorenz.
O Tik Tok chega ao mercado como uma comunidade de influenciadores que rejeita a estética do Instagram. Veja Emma Chamberlain, atriz de 18 anos que é considerada a superstar da nova plataforma de relacionamentos. A garota conseguiu uma receita de US$ 2 milhões, apenas em 2018, fazendo vídeos com pouca (ou nenhuma) produção.
“A geração Z não se importa com o engajamento. O Instagram ficou saturado de imagens perfeitas, e os adolescentes de agora preferem se apegar à realidade.”
Taylor Lorenz
Há três anos, em um dos vídeos que ela fez no colégio, a adolescente dava dicas de como piratear uma camiseta da Gucci. Em fevereiro, Chamberlain participou do desfile de outono da Louis Vuitton, em Paris, produzindo uma série de vídeos engraçados com Karlie Kloss e Nicolas Ghesquière.
Mas, afinal, o que vem a seguir? Para Taylor Lorenz, o público simplesmente ficará estagnado e migrará para criadores de conteúdo mais jovens e outras plataformas. “Acho que veremos a mesma coisa que acontece com os youtubers, quando eles se tornam realmente grandes e depois caem no ostracismo. Vamos simplesmente esquecê-los, enquanto eles somem de nossos feeds”, afirma a especialista.
Colaborou Danillo Costa