Dez acontecimentos que transformaram a moda na década de 2010
Do Instagram à cultura do cancelamento, vários fatores revolucionaram o segmento têxtil nos anos 2010. Confira os principais!
atualizado
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A revolução sustentável foi o grande marco da moda nesta década. No entanto, outros comportamentos do setor revolucionaram o mercado na mesma velocidade que um post de Kim Kardashian alcança 1 milhão de curtidas. Desde a difusão das redes sociais, os nomes responsáveis por lançar tendências mudaram, os ícones da indústria já não são os mesmos e os consumidores, finalmente, acharam a voz que precisavam para se tornarem protagonistas do segmento têxtil.
Vem comigo saber quais os destaques da moda nos anos 2010!
Há 10 anos, entendíamos e consumíamos a moda de uma maneira completamente inconsciente. O consumo excessivo enchia guarda-roupas com bolsas, sapatos e vestidos novos a cada estação. Em um mundo sem influenciadores, as tendências eram ditadas pelas publicações especializadas, que pulverizavam as novidades vistas nas passarelas, e o público corria para as lojas.
Inclusão, diversidade e sustentabilidade eram temas latentes, mas a opinião do público ficava restrita aos vendedores dos pontos físicos e canais de relacionamento repletos de burocracia. Apenas com a difusão das redes sociais que as pessoas passaram a defender seus ideais perante às marcas.
1- O surgimento do Instagram
Não há como começarmos essa lista sem mencionar a plataforma responsável pela maioria das mudanças que aconteceram na moda nesta década. Lançado logo no início do período, em 2010, o Instagram surgiu como um diário imagético, onde usuários publicavam pequenos petiscos de seu cotidiano com filtros um tanto duvidosos para os padrões atuais.
Nesse contexto, mostrar roupas e combinações se tornou um hábito. A hashtag #LookDoDia rapidamente substituiu o fascínio que os fashionistas tinham por editoriais de moda. Afinal, todos passaram a ser estrelas de seus próprios ensaios. Uma conexão com a internet bastava para fazer sucesso.
Assim nasceram os influenciadores, contagiando as grifes de luxo com a possibilidade de atingir milhões de consumidores com um investimento bem menor do que aqueles feitos em anúncios de revista.
A partir daí, tudo o que era divulgado pelas etiquetas de luxo deveria ser compartilhável, o que estimulou as labels a irem muito além em termos estéticos. Há 10 anos, itens como os dad sneakers da Balenciaga e as bolsas minúsculas da Jacquemus seriam itens risíveis, mas tudo se tornou possível na era do Instagram.
2- Protagonismo dos diretores criativos
Nos anos 1990, a figura do diretor criativo ganhou status de celebridade, mas a visibilidade alcançada com a difusão da internet revelou as personalidades, muitas vezes problemáticas, dos ícones das passarelas.
Após declarações polêmicas prejudicarem a carreira de John Galliano e Karl Lagerfeld, muitos estilistas preferiram se manter nos bastidores.
Phoebe Philo, por exemplo, conseguiu transformar a Celine em uma das marcas mais desejadas da década, mas, mesmo com 10 anos na direção criativa da grife, pouco se sabe sobre a personalidade da designer.
“A coisa mais chique é quando você não existe no Google”, verbalizou a estilista, que deixou a Celine em 2017, após um perfil da label ser criado no Instagram.
Com a chegada da rede social ao mercado da moda, os designers se viram obrigados a assumir o papel de porta-voz na plataforma. Em entrevista ao Evening Standart, Olivier Rousteing (5,7 milhões de seguidores) afirmou passar oito horas por dia nos perfis dele e da Balmain, grife da qual é diretor criativo.
“A Balmain é uma casa de luxo francesa e as pessoas perguntam se compartilhar tanto nas mídias sociais representa esse segmento. Se você quer vender luxo na internet, você deve estar bem com as mídias sociais. Porque é o futuro”, afirmou o francês, que fez da maison a primeira a atingir a marca de 1 milhão de seguidores no Instagram.
Além dele, Virgil Abloh (4,7 milhões de seguidores), Riccardo Tisci (2,5 milhões) e Marc Jacobs (1,4 milhão) passaram a utilizar suas contas para aumentar a popularidade de suas casas e, ao mesmo tempo, assumir o protagonismo dentro das empresas.
Virgil, diretor da linha masculina da Louis Vuitton, inclusive, foi parar na companhia francesa após os executivos do grupo LVMH identificarem seu poder de persuasão perante seus 4,2 milhões de seguidores, entre eles diversos influenciadores celebrados na web. Hoje, mais do que estilistas, os diretores criativos precisam ser estrelas.
Tom Ford foi indicado ao Globo de Ouro em 2017. Não na categoria melhor figurino, mas por seu trabalho de roteiro e direção no filme Animais Noturnos. Enquanto isso, Jeremy Scott ganhou um documentário na Netflix após assumir a Moschino.
Em ambas as situações, a visibilidade na mídia rendeu bons frutos aos estilistas. Ford, por exemplo, foi eleito presidente do Conselho de Designers de Moda da América.
3- O fenômeno Kardashian
Os anos 2010 revelaram que as famílias podem se unir para alavancar seu poder na moda. Sozinha, Kim Kardashian dificilmente alcançaria o império que tem hoje, mas, ao lado de suas irmãs e mãe, tornou-se uma das personalidades mais influentes do mundo.
A notável ascensão do clã, acompanhada em tempo real pelo reality-show Keeping Up with the Kardashians, fez seus membros ultrapassarem as estrelas de Hollywood em potencial comercial e, logo, todas as mulheres da família lançavam seus próprios negócios.
Enquanto Kim apostou em um jogo, uma linha de maquiagens e uma etiqueta de roupas modeladoras, a caçula Kylie investiu pesado no mercado da beleza, ultrapassando os negócios de sua irmã.
A criadora da KKW Beauty faturou US$ 14,4 milhões com sua primeira coleção de maquiagens. E a Kylie Cosmetic, apresentada em 2015, rendeu US$ 420 milhões em 18 meses. Apenas a coleção de férias, lançada em 2016, conseguiu quase US$ 19 milhões em um único dia.
No início deste ano, a label de Kylie foi avaliada em US$ 900 milhões pela Forbes, que estima faturamento de US$ 1 bilhão até 2022. “Eu não esperava nada, mas o reconhecimento é muito bom. É um ‘tapinha nas costas’. Quero trabalhar com isso para sempre e depois passar tudo à minha filha”, contou à publicação.
Os milhões de seguidores de Kendall Jenner a fizeram figurar em desfiles que nem veteranas das passarelas conseguiram. Hoje, a irmã de Kim Kardashian é assídua nas principais runways do circuito internacional, sendo a modelo mais popular do mundo, de acordo com ranking do site Models.com.
4- Efeito família Real
Desde a morte da princesa Diana, em 1997, a família real britânica não contava com um membro fashionista, mas a chegada de Kate Middleton recuperou os holofotes, que há tempos não pairavam sobre a casa de Windsor. Sua beleza singular e estilo elegante colocou a monarquia de volta às manchetes de moda.
Com a chegada da atriz Meghan Markle, que se casou com o príncipe Harry em 2018, isso ficou ainda mais evidente. Conhecida por quebrar os protocolos de vestuário da realeza, ela virou a nova obsessão dos veículos especializados. Neste ano, apresentou sua primeira linha de roupas e se tornou a figura mais influente do mercado têxtil, de acordo com o site de pesquisas Lyst.
5- A passarela é para todos
Os anos 2010 revelaram uma demanda do público, cansado de esperar sentado pela empatia de executivos de alto escalão, por diversidade.
A demanda por modelos plus size em campanhas e capas de revista ficou acirrada, fazendo publicações e marcas abrirem mão das formas esbeltas das top models para investir em profissionais mais corpulentas.
Em 2016, Ashley Graham posou de maiô para edição de trajes de banho da revista esportiva Sports Illustrated, um acontecimento histórico no mundo da moda. O resultado agradou ao público e levou a norte-americana a fechar contratos com Christian Siriano, Michael Kors e Prabal Gurung.
Contudo, a esta altura, as pessoas queriam também inclusão nos desfiles, o que atingiu a Victoria’s Secret, conhecida por cultuar corpos perfeitos em seus tradicional fashion show. Na internet, os apelos por um elenco mais diversificado no evento da etiqueta de lingeries são recorrentes há pelo menos seis anos.
Em 2013, mais de 50 mil pessoas assinaram uma petição pedindo aos diretores de elenco da VS que considerassem a modelo transsexual Carmen Carrera. Dois anos depois, a modelo plus size Tess Holliday compartilhou uma foto com a legenda “Se a Victoria’s Secret precisar de uma angel plus size, me ligue”, mas ambas foram ignoradas pela empresa.
A falta de inclusão no desfile de 2018 e as declarações polêmicas dos executivos da empresa acabaram prejudicando a label, que amargou uma baixa considerável nos lucros, o fechamento de 53 lojas e o cancelamento de seu tradicional desfile anual.
Enquanto alguns comemoraram o fim da atração, outros ficaram desolados por não poderem ver as modelos mais famosas do mundo reunidas no evento.
No entanto, o movimento foi visto pela cantora Rihanna, dona da label de ligeries Savage x Fenty, como uma oportunidade de criar um show que abraçasse a inclusão.
O desfile chegou ao Amazon Prime no dia 20 de setembro e reuniu profissionais de todas as etnias e formas, em uma das passarelas mais aclamadas da história.
Modelos transsexuais também ganharam espaço na indústria, a exemplo das brasileiras Valentina Sampaio, primeira trans a ser capa da Vogue Paris e a posar para a Victoria’s Secret; e Lea T, veterana que representa o país em campanhas de grifes como Givenchy e Burberry. No último São Paulo Fashion Week, o assunto mais comentado da semana de moda foi o brasiliense Sam Porto, primeiro homem trans a desfilar no evento.
6- É preciso ter calma
A agilidade com a qual as imagens passaram a chegar às redes sociais fez as pessoas enjoarem muito rápido das novidades do mercado. O fenômeno impactou as vendas. Para reverter as perdas, grande parte da indústria fez uma tentativa frustrada de constantemente oferecer produtos recém-lançados ao público.
Há 10 anos, o movimento Veja Agora, Compre Agora foi criado com o intuito de salvar o varejo físico dos e-commerces. O plano era fazer os clientes pagarem o preço cheio dos itens em troca da experiência de comprar uma tendência quente.
O novo comportamento, todavia, acabou exigindo bastante dos estilistas, levando muitos a adoecerem ou desistirem da profissão. O problema vem sendo levado tão a sério que a próxima exposição de moda do Met Museum fará uma reflexão sobre a situação.
“O calendário do capitalismo digital é um dos principais fatores que contribuem para o esgotamento criativo que muitos designers estão enfrentando”, afirmou Andrew Bolton, curador do departamento de vestuário do museu, ao New York Times.
Se na década passada as tendências aqueciam o setor, hoje vender é algo mais complexo. “É preciso estar de olho aos movimentos do mundo. A moda teve que voltar para a escola e sentar com outras ciências. Antes, ela ficava ali sozinha, quando muito dialogava com as artes visuais. Atualmente, precisa fazer trabalho em grupo com a ciência, ecologia, sociologia, política… É um momento difícil porque tudo é novo”, destaca Ronaldo Fraga ao FFW.
7- Cultura do cancelamento e aversão ao racismo
Apesar da obsessão da moda por mulheres brancas de 1,75 m, a década de 2010 trouxe cor ao segmento. Kerby Jean-Raymond, da Pyer Moss, despontou no mercado norte-americano, ao passo que Dapper Dan reivindicou sua participação na história da Gucci.
Christopher John Rogers estreou no Nova York Fashion Week, arrancando aplausos, enquanto Beyoncé levou o jovem Tyler Mitchell, de 23 anos, a ser o primeiro fotógrafo negro a clicar a capa da Vogue América.
É inimaginável pensar que, no início da década, praticamente não havia modelos negras nas passarelas internacionais. O catwalk era estendido apenas a ícones como Naomi Campbell, Tyra Banks e Joan Smalls.
No entanto, as jovens Adut Akech, Binx Walton, Halima Aden, Lupita Nyong’o, Gabrielle Union e Yara Shahidi vêm angariando importantes campanhas e desfiles para grifes como Valentino, Miu Miu, Rodarte e Coach.
Ainda assim, infelizmente, a década viveu casos de racismo no segmento fashion. Apenas nos últimos anos, tivemos uma balaclava blackface produzida pela Gucci, os macacos da Prada e a desastrosa homenagem à China feita pela Dolce & Gabbana.
Em todos os casos de racismo mencionados anteriormente, o público reagiu com boicotes, comentários negativos e muito unfollows, é claro.
O fenômeno do cancelamento, que cresce a galopes nas plataformas on-line – principalmente entre os jovens da geração Z –, é a voz que os consumidores acharam para expressar seus descontentamentos com a indústria.
O novo hábito tem feito os gigantes da moda redobrarem a atenção com qualquer possível polêmica, contratando diretores de diversidade e sustentabilidade.
Para as grifes que se envolveram em problemas éticos, resta o difícil caminho da provação, com ações e reformulações para voltar aos braços dos fashionistas.
8- O fim da moda binária
Uma série de escândalos sexuais envolvendo figurões de Hollywood chegou à mídia em 2017, dando origem ao movimento #MeToo. A causa ganhou as manchetes, red carpets e as passarelas internacionais.
O sex appeal feminino foi reinventado por meio de silhuetas mais largas, comprimentos maiores e um toque de alfaiataria. Nessas circunstâncias, o mood andrógino começou a ganhar força na moda.
Contudo, ao passo que as mulheres se afastam da sexualização e da extravagância, os homens abraçam essas características como nunca. Enquanto ícones de estilo, como Kristen Stewart, Cate Blanchett e Meghan Marklen, exibiam ternos em suas aparições públicas, nomes como Sam Smith, Billy Porter, Ezra Miller, Jared Leto, Harry Styles e Jonathan Van Ness começaram a mostrar elementos femininos e a se identificar como não binários.
O termo, amplamente difundido na Geração Z, começou a ser debatido por volta de 2014, quando a identidade de gênero tornou-se uma conversa internacional.
Em 2017, um estudo da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, descobriu que 27% dos jovens entre 12 e 17 anos acreditavam não serem vistos como parte de um gênero específico.
De acordo com o site de buscas Lyst, a tendência é que a moda agênero continue em ascensão, pois a procura pelos termos “sem gênero” e “gênero neutro” tiveram crescimento de 52% em 2019.
“Quando analisamos a comunidade de jovens que se identificam como não binários, o que realmente vemos é um grupo de pessoas que está apenas aceitando a diversidade e forçando os limites dos estereótipos binários”, disse Jeremy Wernick, professor assistente do Departamento de Psiquiatria Infantil e Adolescente da NYU Langone.
9- Hypebeast: tênis viram itens de luxo
Há 10 anos, o street style era dominado pelos frequentadores das semanas de moda, mas, após a difusão dos influenciadores, todo mundo passou a compartilhar produções cheias de personalidade no feed do Instagram.
De olho nessa movimentação, as marcas do segmento urbano começaram a investir cada vez mais em qualidade, design e exclusividade.
Trabalhando com a escassez para manter alto o interesse pela marca, labels como Supreme, Vetements, Off-White e Yezzy se ergueram no mercado ao lançar coleções limitadas e parcerias com grifes de luxo.
O aquecimento do setor abriu precedentes para os calçados assumirem o protagonismo do universo fashion, tornando-se símbolo de status. “Vimos as bolsas enfraquecerem ao passo que o consumo de sneakers aumentou significativamente. Acreditamos que os sapatos se tornaram o grande símbolo do poder”, disse Murphy, da Piper Jaffray.
No livro A Soma das Pequenas Coisas: Uma Teoria da Classe Aspiracional, a socióloga Elizabeth Currid-Halkett comenta que a elite agora se define por meio do capital cultural.
“Eles ficaram mais discretos. Hoje, comer frango e tomates frescos ao ar livre, vestindo camisas de algodão orgânico e ouvindo podcasts, virou algo mais cool do que ostentar uma bolsa cara”, escreveu Elizabeth
Elizabeth Currid-Halkett
10- Logomania, a estamparia da década
Muito utilizadas no segmento de acessórios, as logos eram consideradas cafona nos anos 2000. Uma década depois, no entanto, os monogramas saíram do mercado de acessórios para invadir toda a indústria têxtil.
Popularizada por etiquetas esportivas e casuais, como Adidas, Nike, Gap e Calvin Klein, ainda nos anos 1990, a logomania adquiriu força ao surgir em padronagens de grifes tradicionais, como Gucci, Louis Vuitton, Moschino e Fendi, responsável pela estampa de 2019, segundo o Lyst.
No street style, etiquetas como Supreme e Off-White ganharam visibilidade mundial ao espalharem suas logos no Instagram. “Essa é uma forma de legitimar um produto e exteriorizar um status. Muitas vezes, nos vestimos para nós mesmos, mas também nos vestimos para os outros. E aí não adianta ter a etiqueta do lado de dentro da roupa”, explica o professor de história da moda João Braga ao Uol.
Segundo ele, a tendência, relacionada ao crescimento do poder aquisitivo da classe média, é direcionada a um público específico. “No caso das marcas, significa assumir postura comercial em busca de dinheiro. Quando uma camiseta tem um o logotipo muito exposto, cobro mais caro. É o caso de quem quer ostentar mais a marca do que sua personalidade ou estilo. Todas as grifes pensam dessa maneira”, defende Alberto Hiar, dono da Cavalera.
Colaborou Danillo Costa e Sabrina Pessoa