Algodão colorido pode ser uma alternativa mais sustentável para a moda?
Plumas coloridas não são novidade na natureza e na indústria, mas cientistas australianos tentam produzir opções em novas tonalidades
atualizado
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Muito se discute sobre as formas de diminuir o impacto ambiental da indústria da moda, considerada uma das mais poluentes. Para cientistas da Austrália, uma das alternativas pode ser o algodão naturalmente colorido, que está nas fases iniciais de teste. Teoricamente, essa fibra dispensaria processos de tingimento com corantes sintéticos, prejudiciais à natureza e, dessa forma, seria uma opção mais sustentável. Pode parecer novidade, mas o algodão colorido é trabalhado há anos no Brasil e em outros países. A diferença dos testes autralianos, neste caso, são as possibilidades de cores. Nesta reportagem, a coluna apresenta iniciativas que já existem e a opinião de especialistas a respeito delas.
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Testes de algodão colorido na Austrália
O laboratório da agência nacional de ciência australiana, CSIRO, anunciou, em junho deste ano, que seus cientistas estão trabalhando com algodão geneticamente modificado para tentar produzir cores naturalmente, além do branco tradicional. Porém, ainda levará alguns meses para que os tecidos vegetais trabalhados por eles se transformem em algodoeiros desenvolvidos, capazes de se reproduzir. Por ora, os cientistas estão tentando criar plantas com flocos em cores como amarelo, laranja-dourado e uma tonalidade profunda de roxo.
Para chegar ao resultado dos tecidos vegetais alterados, o grupo de cientistas investigou o código de cor molecular do algodão e descobriu uma brecha na qual, ao acrescentar novos genes, é possível fazer com que a planta produza determinadas cores. Na opinião da pesquisadora Colleen MacMillan, que lidera o estudo, trata-se de uma “virada de jogo”.
Os esforços já deram uma resposta: quando testados em tabaco, os genes do algodão colorido resultaram em manchas coloridas nas folhas. Caso o resultado dos experimentos seja positivo, poderá haver ganho para a indústria, possibilitando um material renovável, reciclável e biodegradável.
A especialista em têxtil Rafaella Lacerda, professora do Centro Universitário Iesb, acredita que estudos sobre cultivos de algodão colorido são muito válidos, pois podem trazer diversas vantagens. Ao não demandar o uso de corantes químicos, o material evita a emissão de gases poluentes durante o processo evolutivo resultando em menos gasto de água e energia elétrica para lavar os tecidos.
“A agência australiana CSIRO já pratica estudos há alguns anos e tem tido muito sucesso. A fibra colorida ainda está em fase de testes, mas eles já estão começando a lançar outras tecnologias no mercado. A última inovação é uma fibra de algodão orgânico com muita qualidade, que evita que o tecido amarrote”, aponta.
Algodão colorido da Paraíba
Vale destacar que o algodão colorido existe na natureza há milhares de anos, com tonalidades amarronzadas. No entanto, seus fios são fracos e curtos, o que impossibilitava a transformação do material em tramas para confecção de tecidos. Buscando alternativas para a indústria, a Embrapa Algodão fez melhoramentos genéticos (cruzamentos) da planta, a partir de espécies encontradas no Nordeste brasileiro.
Vale destacar que esse algodão trabalhado até então pela Embrapa não é transgênico, como a proposta da CSIRO. A tecnologia usada, explica o agrônomo especialista em agro business Gilvan Ramos, foi criada em 1989 nos Estados Unidos, uma década antes do Brasil. Naquele mesmo ano, a produtora Sally Fox obteve uma patente para o cultivo comercial, um trabalho que continua até a atualidade. “Hoje essa tecnologia está sendo aproveitada economicamente em 27 nações diferentes, pelos cientistas e tecnologistas de cada país”, explica Ramos.
Desde 1999, algumas variedades já foram obtidas: BRS 200 Marrom, BRS Verde, BRS Rubi, BRS Safira, BRS Jade e BRS Topázio. No Brasil, elas são cultivadas de modo orgânico no estado da Paraíba e usadas na produção de fibra ecologicamente correta. A partir deles, calças e roupas para crianças e adultos são confeccionadas. O valor de mercado do material, quando certificado como orgânico, pode ser até 80% maior do que o algodão branco comum, segundo a Natural Cotton Color Ecobrands.
“O BRS Rubi é um marrom bem escuro. Pode misturar com o branco e dar várias cores intermediárias. O verde também é muito solicitado, mas pode clarear um pouco”, explica o pesquisador Luiz Paulo de Carvalho, da Embrapa Algodão. Ele acrescenta, ainda, que há expectativa de obter uma variedade em rosa. “Eles têm a fibra mais curta, mas nada que os impeça de serem trabalhados na indústria”, acrescenta Carvalho. Para o especialista, esses algodões são opções mais sustentáveis, pois, além de orgânicos, são plantados por pequenos produtores.
O produto da Embrapa Algodão gasta cerca de 87,5% menos água do que a opção comum, já que não precisa passar pelo processo de tingimento, quando industrializado. Em Brasília, a Embrapa está tentando criar uma opção em azul, mas que seria transgênica.
Em setembro de 2019, a empresa Natural Cotton Color apresentou um tipo de brim, tecido que dá origem ao jeans, utilizando a fibra do algodão colorido. A tarefa de transformá-lo em um fio resistente não foi fácil, mas a empresária Francisca Vieira conseguiu chegar a um resultado.
“Fizemos várias pesquisas sobre desenvolvimento de fios durante dois anos para, finalmente, chegar no fio 30 dois cabos, que é um dos fios característicos do denim”, contou ela à Agência CNI de Notícias.
Perigos do tingimento sintético
Lucilia Ramos, professora de tecnologia têxtil e design de superfície na Universidade Veiga de Almeida, explica como funciona o processo de tingimento. Primeiro, o algodão passa por limpeza, fiação e tecelagem, no caso de virar um tecido. A partir daí, ocorrem as etapas chamadas de beneficiamento, que são duas. A primeira é uma espécie de tratamento. Na segunda, ele recebe a estamparia ou o tingimento, que pode usar corantes naturais ou sintéticos; esses últimos, os mais recorrentes.
“No tingimento, vai acontecer a contaminação da água, caso esses resíduos não sejam tratados. Se eu tenho uma empresa e não estou preocupado em fazer o tratamento desse resíduo, vou gerar um impacto muito grande. É uma grande quantidade de água e de corante que vão ser usados naquele processo. No Brasil, é obrigatório tratar a água. A empresa pode ser multada”, explica.
Um artigo do site Fast Company, assinado por Elizabeth Segran, lembra que a contaminação por produtos químicos do processo de tingimento pode trazer efeitos prejudiciais à saúde dos trabalhadores da indústria têxtil, como câncer e descoloração da pele. Principalmente, em países como Índia e China, onde não há supervisão rigorosa dos direitos trabalhistas e da preservação ambiental.
“São gastos e impactos muito grandes. O ideal, no caso do algodão colorido, seria saltar esse beneficiamento. Teoricamente, o produto final seria até mais barato, mas não é o que acontece. Os olhos da indústria sempre se voltaram para o algodão branco. Como a quantidade desse produto [algodão colorido] ainda é muito pequena, o produto final ainda é mais caro”, argumenta a educadora.
O próprio corante aplicado às peças também pode causar alergia em algumas pessoas. “Se ele [o tecido] vem de uma fibra que não teve uso de agrotóxico e não vai sofrer o tingimento, é um produto mais limpo. Lembrando que o tecido construído para fazer a roupa é a segunda pele do ser humano, quanto menos toxicidade, menos risco para a nossa saúde”, avalia Lucilia Ramos.
“A maneira mais ecológica de trabalharmos com pigmentos mais eco amigáveis é fazer uso de plantas tintórias da região em que vivemos”, acrescenta Rafaella Lacerda. Ela cita o trabalho de Maibe Mariccolo, do projeto Mattricaria, que trabalha com plantas tintórias. “Ela faz essa pesquisa há alguns anos e coleta diversas amostras e nuances de tons que cada tipo de vegetal pode oferecer. Tem também um projeto macro de mapeamento de pigmentos em todo o Brasil com a ajuda de colaboradores e pesquisadores que se cadastrarem no seu site.”
Afinal, o algodão colorido pode ser uma alternativa mais sustentável para a moda?
Na opinião de Marco Antônio Andreoni, professor de design têxtil e estamparia da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), o alvejamento com corante não vai sumir de uma hora para a outra por causa do algodão colorido, embora possa haver uma diminuição. O verdadeiro impacto de propostas como a da CSIRO, na avaliação dele, só pode ser observado com o tempo, analisando os prós e os contras desse material.
“Existe toda uma inércia da industrialização, que começou no início do século passado e não vai parar amanhã. Este algodão permite diminuir alguns impactos e ver a consequência dele para outros. São macrovisões econômicas do mundo, mas elas atingem o micro. Que tipo de planeta você quer ter? Essa é a pergunta. Tem que diminuir impactos e não causar outros que desconhecemos”, aponta.
Na opinião dele, não adianta apenas olhar para o lado econômico ao buscar gerar um menor impacto com as mudanças, como o algodão transgênico. “Sempre uso a ideia do tripé de sustentabilidade, porque vale a pena o olhar ambiental, social e econômico, mostrar um critério de ver se esses processos atendem essas questões.”
Gilvan Ramos, da Embrapa Algodão, aponta que mais sustentável do que plumas que não são transgênicas as plumas da CSIRO não podem ser. Ele observa que a Federação Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica (IFOAM) não aceita que algodoeiros transgênicos sejam classificados como orgânicos.
“Acontece que essa descoberta pode fazer chegar ao mercado têxtil mundial, em futuro breve, um tipo de pluma – que produz fios, que levam a tecidos e malhas – que dispensa o tingimento químico-sintético; e isso não é pouca coisa!”, afirma. Ele cita diversos benefícios, como a economia de água, energia elétrica para movimentação dos equipamentos e a própria dispensa das substâncias de tingimento, que têm potencial para poluir águas e solos.
“Assim, nesse particular, a descoberta da CSIRO é, sim, mais sustentável do que o algodoeiro branco, tradicional, que vai demandar todas aquelas etapas nas indústrias têxteis, culminando com o tingimento químico-sintético”, avalia Gilvan Ramos.
Além de toda a água usada no processo, complementa Lucilia Ramos, deve-se levar em conta a água que foi usada no cultivo, sem falar no combustível para fazer o transporte do material. No próprio descarte da peça, o fato de ter sofrido menos interferência de produtos químicos pode fazer com que ela se degrade mais rápido. Dessa forma, as peças de algodão naturalmente colorido podem ser vantajosas em vários sentidos.
Para o pesquisador Luiz Paulo de Carvalho, não adianta especular a respeito do algodão testado na Austrália, embora ele expresse as tonalidades. “Tem que ver como é a fibra, quais são as variedades. Em época oportuna, eles darão conhecimento, senão vamos falar de coisas que podem não ser a realidade. Temos que esperar”, indica.
Vale destacar que, nos anos 1990, várias iniciativas de algodão naturalmente colorido deram errado, como menciona reportagem da Forbes. Houve desde a tentativa de criar algodão azul nos EUA, para produção de jeans, até a tentativa de criar um tipo verde, na China.
Colaborou Hebert Madeira