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Clínicas que usam anestésicos contra depressão são investigadas

Aplicação da cetamina sem suporte necessário aos pacientes preocupa força-tarefa formada por MP, CRM e Vigilância Sanitária

atualizado

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1 de 1 anestesia, clinica - Foto: Getty

Denúncias sobre uso do anestésico cetamina como antidepressivo sem suporte necessário ao paciente mobilizam o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e o Conselho Regional de Medicina do DF (CRM-DF).

A preocupação é com a aplicação da substância sem supervisão médica, monitoramento dos sinais vitais ou assistência para atendimento de emergência, como em caso de necessidade para reanimação cardiopulmonar. 

Há suspeita de que 14 clínicas localizadas no Plano Piloto e em Taguatinga aplicam o anestésico diluído para injeção na veia em pessoas com depressão. No entanto, elas não seguem o procedimento necessário para garantir a saúde do paciente.

O MPDFT,CRM-DF e a Diretoria de Vigilância Sanitária (Divisa) integram a força-tarefa para discutir fiscalização e orientação nos casos de prescrição da cetamina como antidepressivo.

O medicamento pode aumentar as pressões arterial e intracraniana, além de causar efeitos neurológicos dissociativos nos quais a pessoa pode sentir sensação de estar fora do corpo e ter alucinações.

Usado em parto

A bula do medicamento indica uso da cetamina como anestésico para situações específicas, por exemplo, em partos, enxertos de pele em pacientes queimados, cirurgia nos olhos, amputações e cateterismo cardíaco.

Embora suscita cuidados, tem potencial para ajudar pacientes que tenham pensamentos suicidas e não respondem a outros tipos de tratamento. 

“A cetamina também tem caráter de gerar dependência e adicção”, observou o assessor da Promotoria de Justiça Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-vida), médico Márcio Souza. 

“A gente sabe que essa droga deve ser autorizada no Brasil. O que nos preocupa é a forma que está sendo administrada hoje, sem supervisão médica e sem ambiente preparado para dar suporte em caso de o paciente sofrer efeitos colaterais”, acrescentou.

Outra questão observada pela força-tarefa é o alto preço cobrado para o tratamento experimental. Uma dose custa de R$ 800 a R$ 1 mil em Brasília, enquanto a ampola do anestésico pode ser adquirida por estabelecimentos mediante autorização ou licença por R$ 35. 

“Muitas vezes, o médico prescreve a cetamina, o paciente vai na sala e um profissional de enfermagem dilui o anestésico no soro para ser administrador em 40 minutos. O que a gente percebe é que os pacientes ficam sem supervisão médica, sem monitorização dos sinais vitais (pressão e frequência cardíaca) e essas clínicas não têm suporte para o caso de parada respiratória”, destacou Souza. 

Presidente do Conselho Científico de São Paulo da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata), Luis Felipe Costa disse à coluna que não há recomendação para uso da cetamina no tratamento da depressão. “É uma indicação muito específica: tirar o paciente do pensamento de suicídio”, afirmou.

Segundo Costa, enquanto um antidepressivo comum demora em torno de 14 dias para tirar o paciente das ideias de suicídio, a cetamina apresenta resposta em torno de duas horas após a aplicação.

“Em São Paulo, a gente tem feito a aplicação em clínicas com a presença de um psiquiatra e um anestesiologista. Se o paciente tem arritmia e necessita de suporte de oxigênio, vai precisar de profissional preparado”, exemplificou  Costa.

Possíveis crimes

O médico pode prescrever medicamentos off-label, ou seja, para fins diferentes dos que estão previstos na bula, por sua própria conta e risco. 

Se comprovadas irregularidades, a Pró-vida pode denunciar os profissionais, por exemplo, pelos crimes de expor a vida ou a saúde a perigo e falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. As penas previstas para os delitos são de três meses a um ano de prisão e de 10 a 15 anos de detenção, respectivamente. 

A força-tarefa pretende também elaborar um documento com critérios para administração da substância nos casos de depressão enquanto não haja regulamentação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)

A Anvisa analisa pedido de autorização da Janssen, empresa responsável pela Johnson & Johnson, para comercialização do medicamento em spray Spravato, que tem base em esketamina, substância análoga à cetamina. 

Nos EUA, o Spravato foi liberado, em março de 2019, para pacientes com depressão severa que não tenham respondido bem a pelo menos outros dois tratamentos. O remédio deve ser administrador em centro médico certificado, onde um profissional de saúde possa monitorar o paciente.

A Gerência de Medicamentos e Correlatos (Gemec) da Vigilância Sanitária, da Secretaria de Saúde do DF, disse que autoriza a aquisição, o armazenamento e o uso da cetamina apenas para estabelecimentos exclusivamente de diagnósticos que não possuam responsável técnico farmacêutico. 

No caso de estabelecimentos de saúde licenciados que possuam farmacêutico como responsável técnico, a aquisição é feita diretamente na distribuidora por meio da licença sanitária. “A cetamina, por ser um medicamento de uso hospitalar, somente é vendido em distribuidoras para pessoas jurídicas, não sendo possível a comercialização direta a pessoa física”, disse a Gemec.

De 2018 até o momento, a Gemec recebeu uma solicitação de psiquiatra para aquisição, armazenamento e uso da cetamina. “Ressaltamos que a Vigilância Sanitária não interfere na atuação do profissional. Entretanto, ao se deparar com utilização off-label de qualquer medicamento ou produto para saúde, noticiamos aos conselhos de classe envolvidos e à Anvisa”, frisou.

O que diz a Anvisa

À coluna, a Anvisa disse que a prescrição ou administração do medicamento é um ato de responsabilidade do médico a partir de cada situação e cada paciente. “Eventuais condutas que possam caracterizar desvio ou inabilidade são de apuração pelo Conselho Regional de Medicina”, frisou. 

O CRM-DF e a Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr) não retornaram o contato da reportagem para comentar o assunto.

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