Quer mudar o mundo, rapaz? Comece pela louça!
Vou jogar a real: a não divisão das tarefas domésticas é a causa número 1 de separação entre todas as minhas amigas divorciadas
atualizado
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As mulheres provavelmente são um dos últimos grupos a se libertar porque elas, afinal, dividem a casa com seus dominadores. Pois é: não é fácil enxergar o homem que você ama como opressor. Não é fácil perceber que seu pai, irmãos, marido, companheiro ou namorado se aproveitam do fato de que você é mulher para descansar 7 horas a mais por semana enquanto você trabalha — sim, este dado é do IBGE. Mas, acima de tudo, é super complicado transformar a casa da gente em campo de batalha.
Vou jogar a real: a não divisão das tarefas domésticas é a causa número 1 de separação entre todas as minhas amigas divorciadas. A gente casa, afinal, para ter um companheiro para vida e não um senhor de escravos, não é? E o mais revoltante é que este é um tema que já está tão naturalizado dentro da gente que nossos companheiros não aceitam que a gente meta isso na caixola deles. “De jeito nenhum! Eu?! Machista?! Mas eu sou um marido tão legal!”
A verdade é que a maioria dos caras faz mesmo sem perceber. Eles até se convencem de que a gente gosta pra caramba de lavar a louça, esfregar privada e pendurar cuecas no varal. Não, amigo, a gente não gosta mais disso do que você. E não tem nada no corpo feminino, ou no que vocês gostam de nomear “instinto” feminino, que nos faça fazer isso melhor que vocês.
Nas sábias palavras de Tati Quebra Barraco: “Gosto de casa limpa, gosto de cuidar da minha família, porém… a obrigação não é só minha, é de todos que moram aqui. Como costumo dizer: não varro a casa com a vagina, mas ‘sim’ com as mãos e mãos todos têm.”
E aí vêm com aquela historinha de que eles não se importam em ter a casa bagunçada, que a gente que é perfeccionista. Que balela, meus amigos, vamos ser honestos. De casa limpa todo mundo gosta porque ninguém curte dividir moradia com fungos, ácaros e bactérias. E dizer que não liga porque o limite da outra pessoa é menor que o seu e ela vai acabar fazendo antes de você sequer chegar a pensar nisso é bem cômodo.Mas a pior versão do companheiro folgado é aquele que não faz absolutamente nada por conta própria, não troca nem o rolo do papel higiênico que acabou, e aí, quando você perde o controle, te taxa de louca. Não, não somos loucas, nós estamos é sobrecarregadas!
Não é à toa que a Organização das Nações Unidas (ONU) incluiu a divisão justa das tarefas domésticas entre as nove metas para conquistar a igualdade de gênero nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Pode parecer pequeno discutir quem lava a louça quando há tantas mulheres sendo estupradas e morrendo em decorrência de abortos clandestinos e surras de parceiros, mas a verdade é que o problema atinge as mulheres de maneiras muito mais profundas do que se imagina — e pode ser a raiz da maioria dos empecilhos para a equidade de gênero hoje.
“A divisão sexual do trabalho é base fundamental das injustiças e desigualdades de gênero das sociedades contemporâneas”, opina Flávia Biroli, autora do livro “Feminismo e Política” (Boitempo, 168 páginas, R$ 34). “Quando observamos a subrrepresentação das mulheres na política e em cargos de comando das empresas, vemos que a falta de tempo está logo na raiz. E isso acontece porque elas estão sobrecarregadas pela dupla jornada. Quem vai pensar em carreira política ou em subir a posto de chefia depois de um dia de 14, 15 horas?”
Maridos, namorados e demais companheiros, vou dar um desafio pra vocês esta semana: tentem mudar o mundo. Mas, assim, pra valer. E comece com sabão e bucha, que a louça te espera! Isso “sim” é prova de amor!