Indígenas denunciam assédio e são obrigadas a trabalhar com acusados
Elas fizeram uma denúncia oficial do caso em junho, mas nada foi feito. O caso é tão sério que as denúncias chegam ao alto escalão
atualizado
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Já pensou se você fosse assediada sistematicamente, durante meses, por seu superior no trabalho, tivesse quatro filhos para sustentar e, por medo de ver suas crianças passando fome, se visse obrigada a dormir com ele? Pois é, a assistente de saúde bucal indígena A.K., de 30 anos, diz que essa é a sua história.
Como ela, outras mulheres indígenas vieram a público dizer que passaram por pesadelos similares em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) destinados a cuidar da saúde indígena nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Elas fizeram uma denúncia oficial do caso no último mês de junho, mas nada foi feito e muitas delas permaneceram trabalhando, todos os dias, com os homens acusados de agressão sexual.
Não sou dessas que acredita em linchamentos virtuais nem em condenar ninguém antes da Justiça fazer o seu trabalho. Condenar pessoas é o serviço dos juízes e não dos jornalistas. Mas é preciso que este trabalho policial e judicial seja feito com primazia. E cabe a nós, jornalistas, cobrar isso.
Quando liguei para eles, na semana passada, João Rodrigues Neto, escrivão responsável pelo caso, afirmou que o depoimento das vítimas está marcado para o dia 31 de agosto. Ele reconheceu que o prazo limite para a escuta das indígenas (11 de agosto) será desrespeitado, mas justificou que isso ocorreu porque o delegado responsável, Eduardo Brum, está viajando a trabalho. Não seria o caso de alocar o caso a um outro delegado? Será que realmente essas mulheres precisam trabalhar todos os dias com os acusados de agressão?Revolta-me profundamente a morosidade da Polícia Federal com crimes contra as mulheres e, principalmente, mulheres que fazem parte de minorias. A Delegacia da Polícia Federal de Passo Fundo (RS) já está prestes a descumprir o prazo judicial para ouvir oficialmente as vítimas, abrir uma investigação e pedir o afastamento temporário dos acusados.
O caso é tão sério que as denúncias chegam ao alto escalão. O coordenador da Saúde Indígena da região sul, Gaspar Paschoal, é acusado de assédio moral e sexual por duas funcionárias da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde.
A profissional de saúde A.M, 26 anos, afirma que: “Toda vez que vejo o Gaspar, ele tenta me seduzir com gestos ou com palavras. Relatei isso para a Polícia Federal, para a equipe da Sesai de Brasília e para o Ministério Público Federal e nada foi feito pra garantir a nossa segurança. Ao contrário, eu e minhas colegas fomos agredidas verbalmente em nosso local de trabalho por pessoas que apoiam a gestão de Gaspar. Estamos com medo e não sabemos mais a quem recorrer.”
Procurei Gaspar por telefone e WhatsApp, mas recebi uma resposta protocolar, por meio de nota. Afirmou que “tomou as providências administrativas cabíveis, enviando as informações às autoridades competentes.” Quando o questionei sobre as acusações feitas diretamente a ele, não obtive mais respostas.
O Ministério da Saúde, por sua vez, afirma estar de mãos atadas. Sem uma denúncia formal da Polícia Federal, não há como afastar os suspeitos do cargo. Seria, de fato, contra a Lei 8.112/90 — que rege o funcionalismo público.
Por que, então, a polícia têm colocado o caso dessas mulheres – profissionais de saúde, servidoras públicas, mães, filhas e irmãs – no fundo de sua pilha de prioridades?