É correto dar prisão domiciliar às presas provisórias grávidas e mães?
O STF concedeu o benefício a todas as gestantes e mulheres com filhos até 12 anos que estavam aguardando julgamento em regime fechado
atualizado
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A radicalidade da decisão encheu alguns de felicidade, e outros, de revolta. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no fim dessa terça-feira (20/2), conceder prisão domiciliar a todas as presas grávidas e com filhos até 12 anos que estavam aguardando julgamento em regime fechado. A resolução afetará a vida de 4,5 mil mulheres e de milhares de crianças.
E ela é excelente e deve ser celebrada. Para muitos, existe a preocupação de que a decisão acabe incentivando presidiárias a engravidarem ou se converta em prêmio pelo crime. Apesar de justas, essas inquietações não têm respaldo na realidade.
Durante cinco anos pesquisei o sistema carcerário feminino para escrever o livro Presos Que Menstruam. Nesse período, vi mulheres com a mais absoluta incapacidade de engravidar. Sabe por quê? A massa dos parceiros as abandona pouco após a detenção. Como podem gerar um bebê se não há homens dispostos a visitá-las?
Em segundo lugar, a ideia de alguém decidir ter filhos antes de entrar no crime como garantia caso seja encarcerada é, no mínimo, estapafúrdia. Normalmente, a maternidade dessas mulheres acontece sem apoio de um parceiro e isso leva muitas delas ao crime. Um levantamento feito no Rio Grande do Sul há alguns anos mostrou: 40% das presas eram vítimas de violência doméstica antes de entrarem na cadeia. Algumas delas, ao fugir do marido agressor com os filhos, não conseguiam sustentar a casa sozinhas e apelavam ao tráfico como complemento de renda.Além disso, segundo pesquisadores, 85% das mulheres encarceradas já são mães – quase sempre muito pobres e esperando dar aos filhos condições melhores. Não à toa, a maioria dos crimes que cometem são contra o patrimônio, e não contra a segurança ou a vida de outras pessoas, como é o caso dos homens.
Antes da decisão histórica do STF, uma série de criminosas de pouca periculosidade – baixo clero do tráfico e ladras de supermercado – aguardavam, sem necessidade, seu julgamento em regime fechado. Em tese, no Brasil, pessoas só deveriam ser presas se já condenadas ou quando representam risco à sociedade.
Não é o caso dessas mulheres, mas a lei se faz valer a homens brancos poderosos que cometeram crimes de corrupção, por exemplo. E lembrando: o suplente de deputado Nelson Nahim (PSD-RJ) responde em liberdade pelo crime hediondo de forçar crianças a usarem drogas e fazerem sexo com até 30 homens por dia!
Se me permite forçar sua empatia, vou pedir para você abrir seu coração e me escutar. Até então, nas prisões brasileiras, bebês inocentes dormiam em chãos imundos e celas emboloradas. Gestantes eram obrigadas a parir em solitárias e sobre de sacos de lixo. Quem merece crescer ou ser gerado assim, meu Deus? Você consegue dormir tranquilo sabendo que crianças passam por essa situação nas cadeias do seu país? Essas pequenos não merecem pagar pelos crimes de suas mães. E mesmo as prisioneiras merecem gozar da mesma lei que beneficia os homens poderosos.
Vou finalizar contando a história real de uma mulher magricela, cheia de pontas, que conheci numa prisão do Pará enquanto pesquisava para escrever o livro. Vez ou outra, ela me visita em pesadelos. Chega, como foi na vida, segurando o abdômen ressequido e dizendo:
— Eu, por exemplo, estava grávida. Perdi meu filho faz 10 dias, sangrei feito porco e ninguém fez nada, não vi um médico. Agora, tô aqui cheia de febre. Vai ver o corpinho tá apodrecendo dentro de mim.