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Tentem enganar outro: Museu da Bíblia não é de Oscar Niemeyer

Ana Lúcia Niemeyer denuncia “ações oportunistas” de apropriação da obra do avô atribuindo ao arquiteto a autoria de projetos de terceiros

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Se há uma coisa que está na alma e no corpo do brasiliense da gema é a (boa) arquitetura de Oscar Niemeyer e o urbanismo de Lucio Costa. Aqui, somos todos os olhos dos dois criadores da cidade e de seus palácios. Defendemos a cidade que criaram até contra a vontade deles mesmos.

Foi o que aconteceu em 2010, quando Niemeyer quis empurrar na nossa garganta um obelisco cafona que seria construído no lado leste da Esplanada, ao lado da Rodoviária. A pressão foi tão forte, dos arquitetos, dos apaixonados pela cidade, da mídia militante das boas causas, de Maria Elisa Costa, que o arquiteto recuou, já aos seus 103 anos, dois anos antes de sua morte.

Peço ajuda a Sobrenatural de Almeida, inesquecível personagem-fantasma de Nelson Rodrigues, para tentar saber o que pensa Oscar, de onde nos observa. Por certo, estará soltando um daqueles palavrões impublicáveis que só os mais próximos ouviam.

É provável que Niemeyer esteja possesso com quem pegou um rabisco seu e desenvolveu um projeto de Museu da Bíblia, mais um espantalho de concreto armado, ultrapassado, desengonçado, esdrúxulo e, agora, falso – é falsidade ideológica que chama?

Talvez até, é forçoso admitir, não esteja muito contente com os arquitetos brasilienses que saíram em defesa de sua obra. Com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) e o Sindicato dos Arquitetos do Distrito Federal, o Daniel Mangabeira, o Danilo Matoso, o Matheus Seco e todos quantos já esbravejaram contra o projeto estapafúrdio.

Sim, porque a certa altura da vida Niemeyer desrespeitou o próprio Niemeyer, produzindo pastiches de si mesmo.

Talvez esteja dividido entre a veleidade de ver mais concreto com sua assinatura (mesmo falsa) pendurado em Brasília, num desejo incontornável de continuar vivo mesmo depois de morto, e a triste percepção da esperteza dos que querem fazer a vida às suas custas.

Na contundente nota publicada na quinta-feira (19/12/2019), o CAU/DF comparou o que se pretende fazer com o rascunho de Niemeyer ao que um artista aloprado quisesse fazer com uma garatuja de Portinari (veja aqui). Que, a partir de um risco, fizesse um quadro, escolhesse as cores, enfim, pintasse a tela. “Quem é o autor deste quadro: aquele que fez um rabisco inicial ou este novo pintor que executou a obra?”.

Com firmeza e coragem, o CAU/DF avisa: “Esperamos que a autoria do Museu da Bíblia, atribuída a Oscar Niemeyer, possa ser comprovada legalmente, caso contrário o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal deverá salvaguardar a produção de tão importante arquiteto e, com isso, resguardar a sociedade brasileira de informações incorretas e que prejudicam enormemente a nossa cultura e o acervo do mais importante arquiteto que este país já teve”.

Não há, esclarece o CAU/DF, Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) registrado por Oscar Niemeyer para esse projeto. O RRT é documento obrigatório para aprovação de qualquer obra arquitetônica.

No dia seguinte à nota, os arquitetos brasilienses receberam o apoio da Fundação Oscar Niemeyer. Em documento enviado ao CAU/DF, Ana Lúcia Niemeyer informa que o avô deixou à fundação uma certidão pública de cessão de direitos autorais. O projeto de Museu da Bíblia que o GDF quer construir não está na lista.

Veja a nota de Ana Lúcia:

Após a morte do avô, escreve Ana Lúcia, “ações oportunistas de apropriação de sua obra e imagem têm sido questionadas e combatidas pela Fundação Oscar Niemeyer, incluindo iniciativas de atribuir a Niemeyer a autoria de projetos de terceiros”.

E denuncia: “Infelizmente estas práticas são frequentes, com objetivos de burlar a necessidade de licitações em obras públicas, realização de concursos e, em casos de propriedades particulares, obter a valorização de imóveis.”

Sobrenatural de Almeida espera que a carapuça tenha servido.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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