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Os aplicativos de paquera, o medo de amar e os conselhos de Myrna

A procura pelo amor (e pelo sexo) na internet esconde não apenas a solidão nossa de cada diz. O mundo virtual renova a covardia

atualizado

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Celular amor - relacionamento on line
1 de 1 Celular amor - relacionamento on line - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Pergunta e respostas em um post de aplicativo de paquera:

Vocês chegam com facilidade em uma pessoa por quem estão interessadas?

. Quando bebo, sim.

. E tem essa possibilidade? Hahahahahaha.

. Às vezes.

. Quase nunca chego. Tenho horror a levar toco. Na maioria das vezes, espero o interesse passar.

. Sempre. Por isso, me f.

. Zulive! O medo de tomar um fora não me deixa.

. Se a pessoa sorrir pra mim, sim.

. Chego e logo levo um fora kkkk.

. Não, mas dou sinais bem óbvios.

. Sou lerdo… sem prosa, aff. A moça cria raiz se ficar me esperando chegar nela.

. Nunca. Fico olhando, chega cansar a vista, mas chegar que é bom, nada. O que me salva são os apps de paquera, ou a cachaça.

. Nossa, sou terrível em flertes ao vivo.

. Chegar até chego, mas nunca dá em nada.

. Não e nem entendo indiretas.

. Gostaria, mas posso passar anos… ou nem falar.

. Chego mais fácil aqui na internet. Pessoalmente, viro uma porta de tão tímida.

. Como não tenho muito jeito com paquera, vou logo ao ponto: “Olha, meu amigo, é o seguinte…” Se der certo, deu. Se não der, vou curtir o rolê de boas.

. Não me acho tímido mas chegar assim do nada fico com vergonha. Não sei direito o que falar.

. Chegava, mas depois do último fora fiquei traumatizada.

. Dou sinais quase imperceptíveis e espero a pessoa adivinhar que tô interessada. Se não descobrir, é porque o destino não quis.

. Só quando não estou tãooo interessado.

Moral da história: Não importa a tecnologia, não importam os tempos de liberdade sexual, não importam os tempos de revoluções identitárias, se aproximar do outro, se deixar leva pela magia da atração amorosa, obedecer ao império das emoções, é sempre uma perdição de si mesmo.

A teoria da evolução só funciona biologicamente. No território das emoções, a condição humana não muda. Embora as ciências do comportamento possam refutar o amor romântico, há um clamor amoroso queimando os corações da internet, pelo menos na bolha dos esquerdopatas. (Os comentários acima foram retirados do PTinder).

Durante algum tempo, entre os anos 1940/1950, Nelson Rodrigues foi conselheiro amoroso do jornal Diário da Noite, do Rio de Janeiro. Com um pseudônimo de mulher, Myrna, respondia às leitoras apaixonadas. Fosse hoje, seria trucidado pelas feministas. O trágico, dramático, pornográfico, feroz, reacionário, intenso, exagerado e encantador dramaturgo sabia que “não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo”, título do texto de apresentação de sua coluna.

Para apreender os conselhos da sábia Myrna, é preciso ouvi-los como quem assiste a uma ópera ou como quem lê um escritor maldito, um poeta desesperado, um cronista trágico, um Jean Genet, um Rimbaud, um Nelson Rodrigues. É no exagero que um dos mais importantes dramaturgos brasileiros chega aonde a sensatez jamais chegará: “Aquele, ou aquela, que ama loucamente conhece os êxtases de um deus. Um grande amor, mesmo infeliz, é uma graça inefável”.

É preciso coragem e os apps de paquera parecem ser um abrigo do medo, um adiamento do desejo. (Quem quiser ler os conselhos de Nelson Rodrigues, eles foram reunidos num livro, “Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo”, Editora Nova Fronteira).

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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