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O que Brasília me ensinou desde que nos conhecemos

Aqui, o bom dia é um evento; o sorriso, uma aparição. Na capital do país, temos de reaprender a viver, a lidar com a solidão e o fracasso

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Giovanna Bembom/Metrópoles
Praça dos tre poderes – congresso
1 de 1 Praça dos tre poderes – congresso - Foto: Giovanna Bembom/Metrópoles

Desde que nos conhecemos, há 35 anos, aprendi muito com Brasília, sobre mim, sobre os brasileiros e sobre o Brasil. Talvez nenhuma outra cidade pudesse me ensinar tanto. Brasília me ensinou a solidão. Desde há muito eu desconfiava da sozinhez do meu viver, mas Brasília me tirou as ilusões. Ninguém é mais sozinho que o brasiliense. Nesta terra de ninguém, insulados em vazios sem fim, cercados de uma gente estranha e arredia, somos forçados a dar conta da solidão que é de todos e de cada um, mas em Brasília ela é uma imposição onipresente.

Brasília me ensinou a lidar com uma outra solidão – a que nos coloca no devido tamanho diante do universo. Não fosse uma cidade, Brasília seria uma nave espacial flutuando eternamente no infinito negro. Cada um dos 3 milhões de brasilienses é um Yuri Gagarin, não importa se mora no Plano Piloto ou em Santa Maria, no Lago Sul ou em Planaltina. Estamos continuamente cercados de solidões cósmicas. Toda a cidade, plantada mil metros acima do mar, se abre para o céu como uma Lua à espera dos deuses astronautas.

Brasília me ensinou a ser brasileira. Brasília é mistura de brasis e interligada a todos eles. Aos 60, metade da população nasceu no quadradinho e a outra metade é fortemente nordestina – mais de 40% (baianos, piauienses, maranhenses, a maioria). De todos os estados da Federação, Minas é o de maior participação na genética brasiliense, seguido de Goiás. Até hoje, é uma surpresa saber de onde veio cada um dos novos amigos de bar.

Brasília me ensinou que o poder é traiçoeiro e ilusório. Brasília é a representação arquitetônica do Poema em linha reta, de Álvaro de Campos. Aqui todos que transitam entre os eixos e as asas são campeões em tudo.

“Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Brasília nos oferece a possibilidade de perceber o quão ridículo somos nessa sofreguidão pelo poder. Quem já esteve nos salões do Congresso, no hall de entrada do Palácio do Planalto, nos gabinetes dos ministérios, nos restaurantes de alta gastronomia, no shopping dos ricos, sentiu a empáfia cristalizada nos ternos e nos saltos.

Brasília me ensinou a procurar o Brasil para além dos três poderes. Brasília é a desigualdade brasileira disfarçada de boa arquitetura. Dois brasis: o que vive sobre pilotis no Plano Piloto ou em casas gigantes nos bairros nobres, e o que vive ao largo, nas cidades periféricas onde moram os pobres e os pretos. Mais de 80% dos brasilienses moram nas satélites.

Brasília me ensinou a descobrir a beleza escondida na feiura. Afinal, não é ralo, pedregoso, ácido, árido, esquálido, cinzento, torto e encrespado o Cerrado? Pois há nele escondidos esplendores que se revelam pouco a pouco aos que têm a resistência dos povos do deserto e a paciência dos monges.

Brasília me ensinou a suportar a estranheza que nos causa o desconhecido. Tudo aqui é diferente: o ar, a terra, o céu, as pessoas, as casas, os endereços. Aqui, o bom dia é um evento. O sorriso é uma aparição.

Brasília me ensinou a ser forte. Brasília é cruel, não perdoa o fracasso.

Brasília me ensinou a amizade. Aqui, é tudo tão diferente e distante que cada amigo é uma ponte de preciosa humanidade.

Brasília me ensinou a viver.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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