Escolas militares. Brasília deve desculpas a Anísio Teixeira
A militarização de escolas públicas em Brasília é mais uma morte de Anísio Teixeira e de todos nós, os que acreditamos na liberdade
atualizado
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Muito se tem falado de Paulo Freire, o educador brasileiro que a era das trevas tenta desconstruir. Há um outro, tão importante quanto ele e mais importante ainda para Brasília. É o baiano Anísio Teixeira, considerado pela história como o estadista da educação no Brasil, pelos cargos que ocupou e pelo muito que refletiu e agiu para que as escolas públicas brasileiras formassem cidadãos inteiros, com espírito crítico, senso de atualidade, autonomia, responsabilidade, alegria e gosto pelas artes e pelo esporte.
Ao contrário da falácia policialesca que chegou às escolas públicas de Brasília, Anísio dizia, em meados do século 20, quando o Brasil tentava sair do atraso secular para fazer parte, em igualdade de condições, do mundo tecnológico, industrial, urbano e moderno que surgia: “Estamos passando de uma civilização baseada em uma autoridade externa para uma baseada na autoridade interna de cada um de nós”.
Na escola democrática preconizada por Anísio Teixeira, o aluno aprenderia a pensar, julgar e decidir por si mesmo, em liberdade e em ambiente de confiança mútua com os professores.
Para dar conta de formar esse cidadão autônomo, a escola pública teria de ser de tempo integral, de manhã e à tarde, com atividades no contraturno. Num período, aulas convencionais; no outro, aulas para expandir o espírito, fortalecer o corpo e consolidar o afeto.
Quando Brasília começou a ser construída, em fins dos anos 1950, Anísio dirigia o Inep (que hoje é responsável pelas provas do Enem). Se era uma cidade para um novo modo urbano de viver, então também teria que ser uma cidade com uma nova escola, uma escola pública, laica e gratuita. Anísio a chamava de “escola progressiva”, que vai num crescendo, do ensino fundamental (antes, escola primária) à universidade.
Anísio vinha de experiências educacionais no Rio de Janeiro e em Salvador. Havia sido perseguido pelo Estado Novo, que o levou a um exílio na cidade natal, Caitité, por 10 anos. Com a redemocratização do país, Anísio Teixeira voltou às atividades nas quais era mestre, ativista e pensador.
O projeto de Lucio Costa para a nova capital do Brasil e as ideias de Anísio Teixeira para a educação dos brasileiros casaram-se perfeitamente. Lucio havia projetado escolas em todas as superquadras; Anísio já havia ensaiado uma escola-parque em Salvador. Brasília era o território perfeito para experimentar, em larga escala, a escola integral com horário letivo de oito horas por dia, metade em sala de aula, metade em atividades lúdicas, culturais e artísticas.
Brasília juntou, então, Anísio e Darcy Ribeiro. Os dois articularam a criação da Universidade de Brasília (UnB) e evitaram que ela fosse uma escola católica – queriam-na laica, livre das amarras religiosas.
Anísio queria educação para o Estado democrático moderno. O modelo de escola-classe e escola-parque deveria ser aplicado em todo o Brasil, mas veio o golpe de 1964 e Anísio, reitor da UnB, perdeu o cargo e, novamente, como aconteceu no Estado Novo, passou a ser perseguido pela polícia política.
Na manhã de 11 de março de 1971, saiu de uma reunião para almoçar na casa de Aurélio Buarque de Holanda, na Praia de Botafogo, no Rio. Não chegou à casa do filólogo. Seu corpo foi encontrado três dias depois no poço do elevador do prédio onde o dicionarista morava. As circunstâncias da morte nunca foram devidamente esclarecidas.
A militarização de escolas públicas em Brasília é mais uma morte de Anísio Teixeira e de todos nós, os que acreditamos na liberdade e na autonomia como condições essenciais para a cidadania plena.
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.