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Encontros e desencontros no aeroporto de uma cidade de asas

O que faz do aeroporto um lugar, pra minha pobre alma de asas cortadas, é o que promete: o voo. O primeiro da minha vida foi o de Brasília

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1 de 1 1680_NOV_B_16_Aeroporto_Brasilia_DF_06_08_1958 - Foto: Arquivo Público do DF

Não poucas vezes, acordo de madrugada com ímpeto de ir para o aeroporto e pegar o primeiro avião. Aeroportos são seres míticos, ninhos de pássaros de aço. Quando deles me aproximo, abrem-se portas no meu peito e perco a noção do impossível.

Há uma estrada de avião sobre a minha quadra. Todos os dias eu os vejo aterrissando. Aos meus olhos, estão sempre indo e eu, neles. Ir, não importa pra onde, é sempre bom. O não-lugar é um lugar que me cabe direitinho.

Dizem as ciências das cidades que aeroportos, rodoviárias, shoppings, supermercados são não-lugares, porque sem identidade, porque desabitados de sentido. Não nos pertencem. Por extensão, as redes sociais também são não-lugares. Daí o vazio que vem com a exaustão dos contatos virtuais.

O que faz do aeroporto um lugar, pra minha pobre alma de asas cortadas, é o que ele promete: o voo. Suporto a indiferença asséptica dos imensos galpões tecnológicos (são todos iguais nas suas propagadas diferenças), suporto a assepsia porque no fim do corredor há um pássaro de aço me esperando.

O primeiro aeroporto da minha vida foi o de Brasília. Menina, eu o via em fotografias (de papel) que o pai havia trazido de longas viagens para o outro lado do mundo. Era uma caixinha branca e comprida de madeira e de dentro dela saíam homens elegantes e algumas mulheres ainda mais elegantes. Ao longe, a vastidão do Cerrado e, bem de perto, a potência dos aviões.

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A construção do aeroporto de Brasília é, dentre os feitos da nova capital, um dos mais heroicos. Dito de modo menos romântico, é dos que mais representam a capacidade inventiva e a resistência física e psíquica dos candangos. O engenheiro responsável pela pista de pouso está com 93 anos. É carioca, mora no Rio e se chama Atahualpa Schimitz da Silva Prego. (Ele precisou de mais de 3 mil páginas para escrever as suas memórias candangas. Estão prontas, à espera de editora).

Chovia muito no tempo da construção de nova capital. Eram seis meses de seca, seis de chuva. As obras da pista começaram em novembro de 1956, início da invernagem. Era preciso abrir a estrada, fazer a terraplenagem e a compactação da terra, mas as águas caíam incessantemente, conta doutor Atahualpa. Estabeleceu-se um regime de trabalho de 24 horas, nas quais se esperava a mínima estiagem para retomar as obras. Às vezes, eram duas horas sem chuva para 22 de aguaceiro.

Se havia uma vantagem, era a de que as poças indicavam os defeitos na pista e traziam quero-queros para banhos de piscina. A fim de evitar mais lama, os candangos tiravam com latas a água da chuva dos microlaguinhos que se formavam na pista.

A primeira estação de passageiros de Brasília era um mimo da arquitetura moderna em madeira. Caixinha retangular com treliças de um lado e estreito avarandado de outro.

O aeroporto era o ponto de encontro dos funcionários graduados. Era lá que recebiam os jornais do Rio e de São Paulo, as encomendas da família, que bisbilhotavam a chegada dos muitos visitantes brasileiros e estrangeiros, que se pedia para algum passageiro levar uma carta. Surgiu a Associação dos Frequentadores do Aeroporto de Brasília.

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E se estávamos em Brasília, o projeto do aeroporto definitivo tinha de ser de Oscar. O arquiteto fez um desenho inspirado no Charles de Gaulle, de Paris, mas naquele começo dos anos 1970 os militares não aceitaram que um comunista projetasse o aeroporto da capital do Brasil. No projeto de Niemeyer, havia uma estação circular com colunas que lembravam as do Palácio do Planalto. O arquiteto comunista esperneou um bocado, mas não adiantou.

Passadas duas décadas, o aeroporto voltou a ter a inspiração modernista de Oscar. Foi quando o arquiteto Sérgio Parada desenhou um volume central, retangular, ladeado por dois volumes circulares. Parada, de filiação moderna, desenvolveu o projeto a partir do desenho original de Niemeyer.

Quando o aeroporto foi privatizado, em 2012, houve nova ampliação, sem que o autor do projeto fosse consultado. Sérgio Parada esperneou um bocado. Em vão. Mas o desenho original está de pé.

O maior dos não-lugares de Brasília é o terceiro aeroporto mais pontual do mundo e também o terceiro, no Brasil, em número de embarques e desembarques.

São Paulo, no Brasil, e Miami, fora, são os destinos mais frequentes dos voos que saem desta cidade que, como anjos, tem asas.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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