metropoles.com

Cobogó é um acrônimo que esconde desejos. É um modo de ser brasiliense

Os elementos vazados existem desde a China antiga. São treliças e muxarabis feitos de concreto armado. São luz e brisa, escondem e revelam

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Raimundo Sampaio/Esp. Metrópoles
cobogó 308 sul
1 de 1 cobogó 308 sul - Foto: Raimundo Sampaio/Esp. Metrópoles

Cobogó é uma palavra esquisita, tropeça nela mesma. É quase uma brincadeira de trava-língua, o rato roeu a roupa do rei de Roma. Tem gente que diz codobó, cocogó, cobobó, e gente que desiste e aponta… aquilo ali.

É um acrônimo, um elemento da arquitetura, uma paisagem de concreto, uma identidade brasiliense. Virou nome de loja, de galeria. Estampa camisetas, inspira pingentes, brincos, anéis. Ganhou cores e está em 10 de cada 10 projetos de arquitetura fashion.

Raimundo Sampaio/Esp. Metrópoles

Cobogó é primo da treliça, que é prima do muxarabi, que é primo da gelosia, e são todos a mesma coisa, com diferenças de matéria-prima e de lugar e tempo histórico.

É de concreto, mas nasceu de madeira.

O cobogó seria pesado, mas é leve.

Seria parede, mas é janela, são muitas janelinhas sempre abertas.

É moderno e brasiliense, mas nasceu árabe e chinês, depois virou português e, por último, brasileiro.

Muxarabi significa “local onde é refrescado o pote de água”, segundo o arquiteto Carlos Alberto Cerqueira Lemos ouviu de um especialista em etimologia de expressões árabes antigas.

Numa província rural da costa leste da China, há portas e janelas feitas inteiramente com bordados vazados na madeira. Na arquitetura vernacular chinesa – ou dito de modo menos pretensioso, na arquitetura popular chinesa –, janelas e portas são o principal elemento decorativo das casas (segundo Renata Paulert, em dissertação da pós em construção civil da UFPR).

Cobogó é vento, é claridade, mas é também sombra e recato. É um modo de ver sem ser visto. É uma prisão de onde não se pode fugir, de onde se pode fugir o tempo inteiro.

É brisa, é som, é segredo revelado, são segredos contidos.

As treliças de madeira nas janelas e nas varandas escondiam as mulheres dos olhares masculinos. Era o desejo enclausurado na China, no mundo árabe, no império português, no Brasil colônia.

Cobogó é o casamento da primeira sílaba do sobrenome dos três homens que transformaram as antigas treliças e os milenares muxarabis em elemento da arquitetura moderna.

4 imagens
1 de 4

Raimundo Sampaio/Esp. Metrópoles
2 de 4

Raimundo Sampaio/Esp. Metrópoles
3 de 4

Raimundo Sampaio/Esp. Metrópoles
4 de 4

Raimundo Sampaio/Esp. Metrópoles

É uma palavra feita com sílabas de pedra: CO, do mestre de obras português Amadeu Oliveira Coimbra; BO, do ferreiro alemão Ernest Boekman; e GÓ, do engenheiro brasileiro Antônio de is.

Juntos, CO, BO e GÓ tiveram a ideia de fabricar treliças (ou muxarabis ou gelosias) em concreto armado para revestir a Caixa d’Água de Olinda (PE) em 1934. Naqueles anos 1930, a arquitetura moderna brasileira começava a ocupar a paisagem do Rio e de São Paulo.

Coimbra, Boekman e is tiveram o mérito de fabricar os elementos vazados e usá-los num edifício institucional. “O movimento moderno de Pernambuco sistematizou o uso do cobogó”, me disse há alguns anos o professor Maurício Rocha de Cavalho, da FAU/UFPE, a escola de arquitetura da federal de Pernambuco.

Menos de uma década depois de o cobogó aparecer numa caixa-d’água de Olinda, Lucio Costa revestiu as fachadas dos edifícios do Parque Guinle, no Rio de Janeiro, com elementos vazados meio cor de vinho, meio cor de terra. Foi lúdico: intercalou brises, cobogós com e sem janelas. Os edifícios do Guinle são considerados os ensaios das superquadras do Plano Piloto de Brasília.

Aqui, Oscar Niemeyer foi bem menos lúdico e bem mais monótono: criou imensos tecidos brancos de cobogó para cobrir as fachadas internas das primeiras superquadras e as fachadas das casas da W3 Sul.

Cobogó é Brasília, nascido das mais antigas arquiteturas, meio barroco, rendado, geométrico, moderno, concreto, frio, lúdico. Seria um poema de João Cabral de Melo Neto ou de Joaquim Cardozo, mas é de Lucio e Oscar. Dedicado aos brasilienses.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?