Cá estou bem feliz: reencontrei o grande amor da minha vida, a crônica
Estou pronta para o bom combate com as palavras, a cidade, os leitores, a vida, o amor. Escreverei às terças, quintas e aos domingos
atualizado
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Cada vez que um ex-leitor ou ex-leitora entrava na banquinha e me perguntava se eu havia me aposentado (era o mesmo que perguntar se eu havia morrido) ou onde eu estava escrevendo ou – pior ainda – brincava dizendo que eu tinha deixado de ser jornalista para ser jornaleira, cada vez que isso acontecia, sentia um fisgado no estômago e um aperto no peito.
Somados, foram 1.233 dias sem escrever crônicas, exceto as mensais que faço para a revista Roteiro ou eventuais textos para blogs que inventava e logo abandonava. Eu não sabia que elas me faziam tanta falta até que se abriu um clarão — eu poderia voltar a conversar com a cidade com mais frequência e num alcance tão grande ou maior quanto o de antes.
A banquinha me alimentou de afeto – e como e tanto. Saí do Correio e levei o que era meu para a 308 Sul. Foi o que me manteve viva. A banquinha me fez uma pessoa melhor ou menos pior. Criei vínculos fortíssimos de amizade. Mesmo assim, o luto durou mais de ano.
Fiquei muito tempo comendo só pra ficar de pé, até que três amigas que não se conhecem me mostraram que não estava tudo bem como eu imaginava. Uma me disse que a falta de apetite era desejo de morrer; outra, que eu estava muito infeliz (quis torcer o pescoço dela!); e uma terceira me pegou pelo braço e me levou para almoçar – eu estava só pele e osso.
Mas o luto um dia acaba e eu já estava conformada: o meu período de cronista das coisas da cidade e das coisas da vida havia acabado. Como não sou de alimentar infelicidade, dei por encerrado esse amor. Mas a gente pensa que sabe tudo sobre si mesma – doce ilusão.
Quando desliguei o telefone, depois de ouvir que poderia voltar a escrever crônicas num veículo de grande envergadura, caí no choro.
Pronto. Meu corpo me deu a resposta. Não tinha muito o que pensar.
Então, neste primeiro dia de um novo ano, de pouca ou nenhuma esperança para o país que eu e muitos queremos e precisamos, neste 1º de janeiro de 2019, cá estou.
Escrever, escrever, escrever – se eu pudesse, não falava nem ouvia, só escrevia e lia. É o meu mais à vontade jeito de compartilhar humanidades.
Passaram-se três anos e meio desde a última crônica no Correio Braziliense (foram mais de 4 mil textos em 12 anos). O país e a cidade mudaram muito – só agora vou saber a extensão e a profundidade dessas mudanças. Os leitores, por certo, serão outros, a quem tenho de conquistar – ou não, a saber. Por certo também, haverá leitores antigos que talvez queiram voltar a mim. O mais difícil será lidar com a habitual falta de modos nos comentários virtuais. A delicadeza não é o forte da internet. Aprenderei agora ou nunca mais.
Estou pronta para o bom combate com as palavras, com a cidade, com os leitores, com a vida, com o amor, com o que dá sentido ao viver. Também não sou mais a mesma – vou descobrir aqui quem é a nova cronista do Metrópoles. Sigo, porém, com o mesmo compromisso de antes: o do respeito absoluto aos valores que me mantiveram de pé até hoje.
Meus dedos estão coçando de vontade de novamente me deixar guiar por essa estranha e amorável Brasília, que é uma só, mas são 31, do Plano Piloto a Ceilândia, de Brazlândia ao Riacho Fundo, do Lago Sul ao Sol Nascente; dos condomínios ricos aos condomínios pobres, do cerrado ao cruzamento dos Eixos. De me deixar levar novamente pelas mãos de Lúcio e Oscar, de Athos e Burle Marx, dos brasilienses aqui nascidos e dos que vieram de outros Brasis e de outros mundos. De me deixar levar pelo afeto – é ele quem nos salva. Escreverei às terças, quintas e aos domingos.
É 1º de janeiro de 2019 e eu estou feliz, apesar dos pesares.
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.