metropoles.com

Agora é papo reto: ditadura, nunca mais

É hora de guardar o Narciso que há em cada um de nós. Filha da democracia, Brasília não pode ser cúmplice de um novo golpe

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Conceição Freitas/Metrópoles
Casa verdurao
1 de 1 Casa verdurao - Foto: Conceição Freitas/Metrópoles

Tem uma camiseta, feita pela Verdurão, com a seguinte frase: “Moro em Brasília e nunca vi um presidente”. Os brasilienses fora de Brasília inescapavelmente ouvem (ou ouviram, hoje tudo mudou) a pergunta: “Você já viu o presidente?”.

Estou aqui há 35 anos e nunca vi um presidente. E foram seis, sete com o atual. Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma. Nem nas poucas vezes que, como repórter, fui ao Palácio do Planalto, nem nessas vezes vi um presidente em sua condição presidencial.

Brasília, a cidade dos cidadãos comuns, é tão distante do presidente da República como qualquer outra. A capital do país, porém, esconde muito bem, nas escalas monumentais, as autoridades. Ficam todas protegidas do povo.

Aqui estão também as sedes das Forças Armadas e dos ministérios, em edifícios discretamente distribuídos pelo Distrito Federal e no imponente e belíssimo – é preciso reconhecer – conjunto arquitetônico do QG do Exército, no Setor Militar Urbano, obra do comunista Oscar Niemeyer. Pois o que é este país senão o resultado de superpostas contradições de nascença?

Se há um golpe em marcha, e tudo faz crer que há, é daqui, da cidade construída por humanistas, democratas e comunistas, que sairá o sinal aterrorizante. Da mesma cidade que abrigou, com conforto, proteção e cumplicidade (mas com resistência) o golpe de 1964.

Em Brasília, ninguém faz nada escondido. Tudo é aberto, todos se conhecem, todos os segredos são contados um a um por uma burguesia que sabe da vida de todos. Na cidade que deu 70% dos votos ao candidato eleito, tudo o que nos resta é juntar os cacos dos democratas, nos proteger uns aos outros e encontrar modos inteligentes de minar o arroubo autoritário.

Não dá mais pra brincar de selfies, memes, gifs, videozinhos lindos, viagens maravilhosas, pets bonitinhos, comidas fantásticas, paisagens idílicas, tiradas sensacionais, frases de autoajuda. Guardemos o Narciso que há em cada um de nós para hora menos grave. Agora é papo reto, hora de agir até onde o braço de cada um alcança, como disse a Lúcia Leão.

Brasília não tem entrada nem saída, como disse Clarice. Aqui estamos todos na luta invisível com o inimigo. Nessa hora, a capital de Lucio, Oscar e Juscelino pode ser a maior inimiga da democracia, por esconder nos imensos vazios, nos seus palácios de mármore ocupados pelos demofóbicos (como disse a Graça Ramos), pelos omissos e pelos covardes, a vontade devoradora de tomar o país para si e deixar todos, os que votaram nele e os que não votaram, sob graves riscos.

Escrevo essa crônica no dia 27 de fevereiro, dia do aniversário de 118 anos de Lucio Costa, humanista que inventou esta cidade e que teve de vir a ela, no tempo da ditadura, para tentar libertar seu genro, Eduardo Sobral, que havia sido preso pelos militares. Executivo da Petrobras, o marido de Maria Elisa Costa era defensor da soberania nacional. Lucio voltou para o Rio sem conseguir libertar o genro. A ditadura não tem nenhum princípio humano. São os homens entregues à própria selvageria.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?