Foco na tela: fotógrafos captam “quarentena” em ensaios a distância
Os profissionais Jorge Bispo, Giselle Dias e Marcelo Auge contaram sobre a tendência de captar momentos por chamadas de vídeo
atualizado
Compartilhar notícia
Equipados com câmeras, flashes e outros itens para alcançar o clique perfeito, os fotógrafos são profissionais que carregam o status de ter uma agenda corrida e serem quase onipresentes. Sair de um ensaio rumo a outro, em curto prazo, fazia parte da rotina deles até a chegada da quarentena.
Como grande parte da sociedade, os profissionais tiveram de recolher-se. Mas, ficar em casa não impediu os artistas de continuarem a registrar poses, caras e bocas. Os fotógrafos Jorge Bispo, Giselle Dias e Marcelo Auge conversaram com a coluna Claudia Meireles sobre a tendência de captar momentos por chamadas de vídeo. Confira!
Marcelo Auge
Embora se defina como um entusiasta da tecnologia, dos dispositivos da Apple e da fotografia mobile, nunca passou pela mente de Marcelo Auge unir os mecanismos para atuar no que sabe melhor: registrar momentos. Como a maioria dos artistas, ele deparou-se com ócio criativo durante o confinamento domiciliar.
Ao longo de 15 dias, o fotógrafo viu os contratos de trabalho reduzirem pela metade. Com intuito de explorar a criatividade, teve a ideia de fotografar por videochamada. “Precisava me reinventar tanto pelo fator psicológico quanto pelo profissional. Criei uma rede de conscientização para as pessoas não saírem de casa e, ainda, testei novas formas de trabalhar”, revela.
Foram necessárias inúmeras tentativas para chegar à primeira foto oficial da iniciativa Em Casa. “A prática me ajudou a conseguir um resultado melhor. Foram mais de 400 pessoas clicadas por videochamada em um período de, no máximo, 60 dias. Estou orgulhoso”, celebra Marcelo.
O projeto não será restrito apenas ao período da quarentena. No ponto de vista do artista, há um novo mundo pós-isolamento e qualquer forma para reduzir distâncias veio para ficar. Marcelo clicou pessoas em vários cantos do mundo, o que seria inviável em tempos considerados normais, conforme explica. Os registros captados fazem alusão a uma selfie.
No modelo de fotos da série Em Casa, Marcelo clica a imagem que aparece, em tempo real, em seu telefone ou computador. Nos ensaios presenciais, chuva, pilastra ou até a cor de uma parede podem mudar o conceito de um shooting. Nos ensaios on-line, o resultado depende da conexão da internet, razão para o fotografado ficar próximo ao modem a fim de garantir a qualidade dos cliques.
Enquadramento e incidência de luz são outros pontos orientados por Marcelo. Na parte técnica, as pessoas serão auxiliadas com os palpites do profissional, enquanto a criação fica a critério do indivíduo retratado. “A única regra é se gostar. Sugiro que as pessoas tentem trazer um pouco da quarentena, por meio de objetos, ambientes e das pessoas que passam o confinamento com elas”, conta.
Deixar os retratados à vontade reflete na fotografia. Segundo Marcelo, os convidados se doam por completo, o que transparece no ensaio, tornando-o surpreendente e especial: “O contato nesse momento [isolamento social] parece mais intenso. Sinto as pessoas mais solidárias e abertas. Conhecê-las de um modo puro torna a iniciativa tão legal.”
Giselle Dias
Com a pandemia do novo coronavírus, Giselle Dias teve a primeira experiência de fotografar via videoconferência. Ela já havia visto ideias semelhantes, como em um episódio do seriado Modern Family, gravado do início ao fim pelo FaceTime. Mas, a maior responsável por gerar o insight na profissional foi a Vogue italiana. A publicação fez um ensaio por videochamada com a modelo Bella Hadid. Quando a revista divulgou o formato, a artista percebeu como se manteria ativa.
Sob o direcionamento de Giselle, as sessões iniciam com um reconhecimento de ambiente para encontrar a luz ideal. Após definir o cenário de fundo dos registros, a artista avança ao próximo passo: a seleção de styling. “Só após todas essas informações serem decididas a modelo organiza o ambiente, ilumina, põe a roupa e começamos”, pontua.
Se pudesse, todos os ensaios clicados por Giselle teriam o conceito pré-determinado, conforme preferência da profissional. Foi assim com as modelos Aline Riscado e Agnes Pimentel. Ambas enviaram vídeos do local onde estavam para pensar, com antecedência, o que seria feito. O mesmo aconteceu com Marcella Rica e Vitória Strada. No último, o processo de pré-produção durou uma semana.
Embora tente determinar todas as etapas, os shootings começam seguindo o mood board e terminam fugindo a temática estabelecida, explica Giselle. Uma dos motivos para a mudança repentina é a ausência do profissional in loco. Segundo a artista, fotografar por chamada de vídeo sobrecarrega o retratado, que assume o papel de modelo, maquiador, stylist, diretor de iluminação e set designer.
Devido à funcionalidade, a fotógrafa optou por usar o FaceTime para fazer os registros. De acordo com Giselle, o software da Apple agrega facilidade e qualidade. “Só clicar em um botão na própria conversa. Será salvo no iPhoto com boa qualidade. Depois, faço todas as montagens no Photoshop e também consigo ter o arquivo bruto”, demonstra.
Mesmo com o feedback positivo dos ensaios feitos via tela de celular ou computador, Giselle não vê o momento de voltar a montar sets e fotografar em estúdio ou em locações. “Estou com bastante saudade do clicar fisicamente. O trabalho entregue por FaceTime não é o mesmo e eu me cobro demais internamente. Enquanto isso, guardo as ideias no Pinterest”, enfatiza.
Jorge Bispo
Ao contrário dos outros fotógrafos, Jorge Bispo já havia feito registros “afetivos” de familiares e amigos por FaceTime. Mas não como um trabalho. Com o isolamento social, o profissional organizou as ideias colocadas em prática quando retratava o irmão que mora no exterior. Em sua avaliação, foi natural mudar para as videochamadas.
Adepto do improviso, Jorge segue as mesmas premissas dos ensaios presenciais. “Não faço planos”, afirma, sobre o processo criativo dos shootings. Antes de capturar as poses, ele orienta os retratados a mostrarem o ambiente no ângulo de 360 graus com objetivo de ter uma ideia a respeito da locação e da luz. “Vou tentando ver um bom local para a foto que junte a equação bom sinal de internet e boa luz”, ressalta.
O artista tem recebido retorno positivo dos ensaios antes de mostrá-los aos indivíduos retratados ou postá-los nas redes sociais. Os fotografados elogiam o profissional desde a primeira conversa. “Ficam felizes em ‘encontrar’ alguém e poder conversar um pouco sobre o momento”, ressalta.
Apesar de saber a importância de documentar o atual momento, o artista não pretende continuar com os shootings a distância pela limitação técnica, sem contar a falta do contato presencial. “O que mais sinto falta é do encontro em si. Da troca, do café, do tempo mais lento de uma foto no ateliê. Nada substitui o contato humano”, pondera.
O confinamento domiciliar não fez o profissional deixar as câmeras de lado. Ele continua trabalhando bastante, mesmo com os ensaios por videoconferência. No novo formato, considerado mais rápido, Jorge tem feito o número de retratos em um dia o que faria em uma semana em “situações normais”.
Jorge não tirou somente aprendizados profissionais ao clicar por meio das telas. A cada ligação por FaceTime, o fotógrafo percebeu que precisa trabalhar a timidez. Ele considera a interação por FaceTime mais íntima do que fotografar presencialmente. “É sempre um desafio pra mim”, conclui o artista.
Para saber mais, siga o perfil da coluna no Instagram.