Zanini, do Brasil para o mundo
Um dos principais nomes do design brasileiro, Zanini esteve em Brasília e conversou com a coluna sobre criação e inspiração
atualizado
Compartilhar notícia
Zanini de Zanine está em tudo quanto é lugar. No seu ateliê na zona portuária do Rio de Janeiro, nas feiras moveleiras francesas, nas fábricas italianas, nas poltronas, cadeiras, mesas, luminárias e até no cortador de pizza que projeta. Com apenas 38 anos, o designer carioca coleciona prêmios – em 2015, foi considerado designer do ano pela Maison & Objet, entre dezenas de outros títulos – mas tem sua história de vida como maior troféu.
Filho do arquiteto brasileiro José Zanine Caldas, ele conviveu com a nata do modernismo, estagiou com Sérgio Rodrigues e hoje leva nosso desenho industrial para o mundo, abrindo espaço para uma nova geração de brasileiros que esbanjam talento. Ele está em Brasília para a comemoração dos 30 anos do Sindiman (Sindicato das Indústrias da Madeira e do Mobiliário do Distrito Federal). Conversamos sobre Brasília, processo criativo, design acessível e iniciativa. Confira a entrevista.
Você morou em Brasília nos anos 1980. As lembranças desse tempo, sua experiência em uma cidade tão modernista, influenciam sua relação com o design e a criação?
Morei no Lago Sul em 1981, e depois na 315 Sul, com uns 9 anos. Minhas primeiras lembranças de arquitetura e estética são daqui, por conta da cidade. Tive a sorte de ter tido aqui em Brasília esse convívio com meu pai, que era talvez uma das melhores pessoas pra me explicar a cidade, de uma forma muito natural e carinhosa. Por ter tanta informação, ele queria passar esse conhecimento da arquitetura, do urbanismo. Cheguei a brincar debaixo de bloco e tudo. Hoje, quando visito Brasília, parece uma viagem no tempo. Os prédios não mudaram. Esse lado do planejamento do Plano Piloto, de alguma forma a cidade mantém a fidelidade ao passado. É uma influência, sim. Fiz uma mesa de centro, chamada mesa alvorada, inspirada nos traços do palácio. Era uma ideia de reinterpretar o modernismo.
A mesa alvorada: inspiração nos traços da capital
Você está sempre com agenda cheia. Viajando para as mostras, feiras, premiações, reuniões, palestras. A agenda cheia, porém, não parece atrapalhar sua produtividade. Foram muitos produtos seus lançados em 2015…
Pois é, não tenho muito controle desses compromissos. E 2015 nem foi o ano que mais criei. Hoje em dia, com a experiência de vida, a gente de alguma forma fica mais relaxado. Quando cria essa tensão de criar e criar, não ajuda no processo criativo. Mas às vezes vem os prazos e isso é inevitável. Com o passar do tempo a gente cria um caminho das pedras para a criação. Você meio que se entender como pessoa, entende o que você quer mostrar. Assim você já tem a metade do caminho andado.
A convivência com seu pai e, posteriormente, com o arquiteto Sérgio Rodrigues, te trouxe um bagagem diferente para esse processo de criação?
O modo de pensar a criação sim. Aprendi com essas duas pessoas que são seres humanos incríveis, não só profissionalmente, que o primeiro passo é saber se ler, saber entender o que você quer expor, sendo, nesse processo, fiel a si mesmo. Quando você parte desse princípio, sua chance de se diferenciar e mostrar algo novo é maior.
É por isso que você transita entre variados materiais e estilos? Essa liberdade para se expressar te faz não se prender muito às tendências?
Isso. Sigo mais tendência em termos de processo, e não de criação… claro que a gente acompanha o que está em destaque. Acompanhar, nesse caso, para não fazer o que já está sendo feito. Inovar.
Seu pai também tinha muito disso, dessa subversão à tendência…
Pois é, tinha. O Sérgio também. Eles tinham personalidades muito fortes e aplicavam isso no desenho, nos móveis. E foi isso o que os tornou grandes desenhistas.
Seu pai, assim como você, tinha a madeira como carro chefe do trabalho. E lá em 1950 ele já levantava a bandeira da sustentabilidade. Qual a diferença do design sustentável de hoje, para o sustentável que eles faziam 60 anos atrás?
Já era uma geração preocupada. Era previsível já para eles o que acontece agora. Eles previam essas dificuldades que enfrentaríamos. E, de alguma forma, meu pai tinha esse acesso à floresta muito grande. Vem de uma região de mata atlântica no Rio, e depois se instalou no sul da Bahia. Via todo o desmatamento de perto e tentou chamar atenção pra isso.
Ele criou uma série que chamada de Móvel Denúncia, que era alimentada a partir dos dejetos do desmatamento. Ele transformava essas raízes e troncos queimados em móveis. E isso era uma forma que ele tinha de mostrar para o mundo que aquilo estava acontecendo aqui. Hoje, nossa proposta é diferente. Temos um laboratório de carpintaria na Barra da Tijuca, onde só usamos a madeira de demolição. Não são as mesma madeiras. Hoje o leque é bem reduzido. Usamos mais o ipê, a peroba. Mas a produção não se restringe a esse lado artesanal da madeira. É muito paralelo esse meu lado artesanal com meu lado industrial. A gente também lida com a grande indústria, o produto em grande escala.
Falando em produção em larga escala. Por que o design brasileiro, mesmo o não artesanal, ainda é tão inacessível para o grande público?
Nosso mercado, tal qual o país, ainda é muito jovem. O design acessível, de verdade, a gente encontra muito na Europa e nos Estados Unidos. Existe o interesse em tornar mais popular. Tive a linha Punch, que tinha essa pegada mais acessível. O papel do designer é esse, mas promover o design não é só tornar o produto acessível, mas também dar oportunidade às marcas e fábricas que querem abraçar isso. Que entendem que o design também é uma ferramenta boa de negócio.
Na Europa essa ideia do design popular está mais consolidada. Você tem grandes magazines, empresas, com peças assinadas por grandes nomes, e que são acessíveis. Aqui, algumas marcas já fazem essas parcerias. Estamos fechando parceria com uma grande rede brasileira. É um caminho que também vamos seguir. Você tem um Philippe Starck que projeta lanchas para milionários, e projeta um espremedor de laranja que custa, sei lá, 40 euros. É acessível. Os Campana, por exemplo, assinaram uma sandália com a Melissa, com preço acessível.
Você tem vontade de projetar para outras áreas, como os Irmãos Campana fizeram com a moda?
Tem bons exemplos, como os Campana… é o começo, é um processo que amadurece no Brasil. Nosso trabalho não é apenas estético. É muito funcional. Acho que de alguma forma tanto a função quanto a estética são importantes. Até o móvel conceito não deixa de ser funcional. Nem que seja cumprindo a função estética em si. Você pode ter uma cadeira que não é tão funcional, mas que para você é uma escultura, um objeto de arte e assim ela cumpre uma nova função.
Você coleciona design brasileiro? Gosta de ter peças conceito?
Sim, sim. Peças de amigos, ou outras que gostei. Nem todas funcionais, nem todas conceito. Tem o móvel que quero sentar porque é confortável, e o móvel que quero olhar, que não sento nele pra não perder a visão dele. Porque quero admirar. Então é um pouco como a moda. Tem a roupa da passarela, que é o conceito, e a roupa comercial.
Você já se aventurou além da concepção de objetos, mas de um espaço todo. O design de interiores te atrai?
Sim, com certeza. Estamos projetando todo interior de um grande teatro no centro do Rio. Um teatro dos anos vinte. Vai ser todo contemporâneo, com tecnologia da melhor qualidade. É um projeto longo, vai ser entregue em meados desse ano, mas já vem do ano passado. A gente já fez torre residencial em São Paulo. Curto muito isso do interior. Quando tenho oportunidade de fazer o interior, não só o mobiliário, é interessante porque é como se a ideia ficasse completa. Fica com a essência do que queremos passar. Antes era o inverso. Grandes arquitetos acabavam indo pro desenho de mobiliário. Hoje está andando um pouco ao contrário. Os desafios vão aparecendo e é bacana flutuar nesse universo… fazer uma casa, e também fazer um saleiro. O leque está aberto para experimentação.
Para finalizar, qual o conselho pra quem está entrando nessa área do design?
Eu contei muito com a iniciativa própria. Sempre gostei muito do que me propus a fazer. Então acho que a iniciativa faz a diferença. Toda área é difícil, cada vez vai ficando mais difícil. Então vai adiante quem tem força de vontade. A própria crise pode ter um lado bom pra isso. Faz repensar. Faz as marcas repensarem, faz você criar oportunidades que antes não existiam. Eu gosto muito do casamento dessa iniciativa com a soma da pesquisa do que é a nossa cultura de verdade. De fazer coisas que agregam aqui e lá fora. Formar sua identidade. Tenho amigos que desenhavam muito melhor do que eu, mas que talvez não tenham tido a iniciativa. É preciso desse gás pra começar.