Minnesota está em chamas. Em breve, o Rio. Tudo é uma questão de “quando”
A hora em que a primeira rebelião racial ocorrer em uma grande cidade brasileira nem direita nem esquerda vão estar prontos para o que virá
atualizado
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Eram 5 da manhã na Lake Street e a fumaça dos incêndios ainda subia pelo céu. Uma corrente de policiais foi formada para impedir que a multidão incendiasse o centro de Minnesota.
Em Los Angeles, Califórnia, pessoas foram às ruas, fizeram uma vigília e iniciaram pequenos confrontos com policiais. Em Memphis, no mesmo horário dos protestos de Los Angeles e Minnesota, centenas saíram às ruas e fizeram um protesto corajoso diante de moradores e policiais.
A imprensa em Minnesota diz que se trata de “um estrago de proporções inimagináveis”. Prédios inteiros incendiados. A Target, rede de varejo, saqueada e totalmente quebrada. Lojas de roupas, de jóias, restaurantes, prédios públicos e até a delegacia, tudo incendiado e depredado.
A pergunta que algumas pessoas estão se fazendo no Brasil: o que está acontecendo?
Bem, a resposta não começa agora, em 2020. Tem um pouco em 2018, um pouco em 1992, um pouco em 1968, um pouco no século 16.
Mas Minnesota e o mundo assistiram a um vídeo nas redes sociais, onde um policial se ajoelha sobre o pescoço de um homem negro, e asfixia este homem até sua morte.
O motivo teria sido uma nota de 20 dólares, falsificada.
George Floyd teria, segundo o policial, tentado oferecer esta nota a um comerciante. Bem, o relato é apenas do policial, já que o comerciante não apareceu, e o suposto criminoso foi morto. Três dias depois, a cidade está incendiada. O povo negro, hispânico e muitos brancos fizeram um protesto multirracial liderado pelo Black Lives Matter.
A polícia nega que tenha sido racismo. E diz que ele era criminoso.
E como todos sabem, a polícia, quando se trata de negros, nunca mente.
Nunca planta provas. Nunca esconde ou altera os fatos e mesmo a cena do crime.
Os policiais envolvidos foram demitidos. O prefeito de Minnesota, o democrata Jacob Frey, disse que não é possível que uma pessoa seja morta pelo fato de ser negra nos Estados Unidos.
Malcolm X disse que “é um perigo ser negro na América, e basta ser negro para ter uma ficha criminal. Basta se opor ao sistema que te oprime como negro, e você será preso. Até Martin Luther King Jr, pacifista, foi preso. E não há um homem de Deus na Bíblia que não tenha sido preso por defender seu povo da opressão. Moisés foi preso, Daniel foi preso, Jesus foi preso.”
A polícia, no ocidente, especialmente nas Américas, é braço institucional do racismo estrutural. Porque o Estado, de uma forma geral nas Américas, criminaliza e pré-julga o negro, apenas pela sua existência.
Se você é negro, você é alvo, e foi isso que disse o jovem na Cidade de Deus, diante da morte de João Vitor. Seja em Minnesota, seja em Detroit, seja na Cidade de Deus,
o racismo está sendo filmado, para que todos vejam.
Tudo igual. Bringston, Bronx ou Baixada.
Esta semana, em pleno Central Park, uma mulher branca liga pra polícia e CHORA, pedindo socorro e se dizendo ameaçada por um homem negro. O homem negro em questão filmou a cena. Ele não a estava ameaçando. E, sim, pedia pra que ela mantivesse o cão na coleira. Em poucas horas, Viola Davis e outras personalidades negras divulgaram dezenas de vídeos onde mulheres brancas choram no telefone com o 911, mentindo, e se dizendo ameaçadas por pessoas negras nas ruas.
Já tenho uma amiga que diz, há anos: feminismo branco, nunca. Feminismo precisa ser interseccional, considerando primeiro raça, depois classe.
Mulheres brancas conseguem se ocultar no sistema de dominação sendo tão opressoras com negros e pobres como os homens contra os quais elas lutam.
Mas o problema não é gênero. É cor.
Antes de ser mulher, gay, trans, você, se é branco, tem a cor do poder.
O Ocidente privilegia as lágrimas e o sofrimento branco.
Por isso não estamos “na mesma luta”, existe uma luta, anterior, que a do DIREITO À VIDA, que você pessoa branca e privilegiada nunca precisou lutar, mas toda pessoa negra e pobre precisa.
Pessoas lutando pelo socialismo, pretos lutando pela vida.
Mulheres brancas lutando pelo fim do fiu-fiu, negras lutando pela vida.
Há um gap. Ninguém está dizendo que socialismo não é importante. Ou qualquer outra pauta, mas há um gap.
O movimento Black Lives Matter emitiu nota e mobilizou pessoas nas ruas. Eles não levam desaforo pra casa, e em Los Angeles, 1992, deixaram isso bem nítido.
Aliás, Los Angeles 1992 é um estado de espírito. Uma aula, ainda que dura, sobre: “Fica na tua aí, que eu fico na minha aqui”.
Eu acredito, na real, que um dia a humanidade vai se dar as mãos, escambau, coisa linda, todo mundo nu, comendo tofu, dedo no koo e gritaria. Mas até lá, vai precisar dar muito limite, e muita lição dura, com muitas perdas.
As perdas começaram há 500 anos.
Ainda há pessoas que humilham Marielle. Ainda há pessoas que chamam Rev. Dr. King de criminoso, e Malcolm de bandido.
Há um longo passado pela frente, diria Millôr do Méier, Fernandes.
Semana passada eu escrevi sobre dois jovens mortos no Rio, e o caso de racismo com uma jovem no Franco Brasileiro. Os pais entraram em contato comigo, encorajamos, e os jovens racistas do Franco foram denunciados à Polícia Civil e afastados das aulas. Sem pena. Eu não tenho pena. Eu tenho um Los Angeles 1992 dentro de mim. Uma semana depois, estamos falando da morte de mais uma pessoa negra.
Com uma diferença:
lá, o pau quebra.
E quebra no lombo. Pocas ideia.
Não se tem pena de pessoas brancas, enquanto classe e grupo social. É prejuízo nas propriedades, nos negócios, nas casas deles. Uma vingança que gera ondas de furor e violência, de desordem social e cenas aterradoras.
Mas Frantz Fanon, psiquiatra e intelectual negro, dizia que não se combate o neocolonialismo sem violência, pois o colonialismo se estabeleceu com a violência, e é com a violência que o retiramos.
Óbvio. Prefiro o diálogo.
Mas as empresas que tiveram estoques saqueados e estabelecimentos incendiados foram cobradas. Os consumidores são negros. E as empresas vão, até quando, permitir que o Estado mate pessoas pela cor da pele? E até quanto as empresas não vao se posicionar diante disso?
A chegada no Brasil de Sleeping Giants é exatamente essa. Constranger e pedir posicionamento de empresas diante do MESMO GRUPO que apoia a execução de pessoas negras nos Estados Unidos ou no Brasil, a extrema-direita.
Ocorre que, se por um lado temos Eduardo e Jair Bolsonaro falando que a ditadura é uma questão de “quando” e não de “se”, por outro, temos nas periferias jovens negros cada vez mais indignados e dispostos a não aceitarem calados a morte do próximo jovem negro pelas mãos da Polícia Militar.
A hora que a primeira rebelião racial ocorrer nestes tempos, em uma grande cidade brasileira, nem direita, nem esquerda, vão estar prontos pro que vai vir.
Minnesota está em chamas.
Em breve, o Rio.
Também é uma questão de quando.
Esta coluna é dedicada a memória de George Floyd.
Cada morte de uma pessoa negra, todos morremos um pouco, juntos.
Mas precisamos levantar, e reagir.
Reflitam, amigos. Cês tão achando que o mundo se divide entre nazistas e comunistas, vão se surpreender com o Partido da Favela, quando ele nascer.
Já dizia Wilson das Neves:
O dia em que o morro descer e não for carnaval,
Ninguém vai ficar pra assistir o desfile final.
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.