Conheça Ventura Profana, travesti que “transforma vidas” com arte e fé
A artista faz músicas e produz artes visuais com o objetivo de inspirar vidas travestis a terem liberdade e prazer em viver
atualizado
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Cantora, artista, pastora, missionária e travesti. Ventura Profana é uma pessoa com várias personalidades que residem dentro de um único corpo. Apoiada na fé e na arte, busca demolir os estereótipos acerca das vidas travestis e mostrar que essas pessoas podem ocupar variadas funções no mundo.
Em entrevista ao Metrópoles, Ventura Profana falou sobre os diferentes trabalhos que faz com o mesmo propósito: inspirar vidas travestis a terem liberdade e prazer em viver.
“Enquanto artista, parte da minha pesquisa caminha numa investigação sobre como edificar um espaço de liberdade, onde as pessoas possam descansar. Um espaço que não reproduza as violências desse mundo e as travestis possam entrar, meditar e esquecer um pouco desse mundo, das dores desse mundo”, explicou.
A artista também acredita na possibilidade de mudança social por meio da arte e da fé.
“Houve uma campanha histórica de difamação, de violência, de criminalização, de segmentação de experiências trans por conta de um anseio de controle social e intelectual. O sistema desse mundo deseja adestrar pessoas, não deseja formar pessoas livres. Nós, travestis, somos condenadas desde a nascença a sermos pecadoras, a sermos criminosas, a sermos devedoras. Eu acho que não é certo. Acho que o que a gente recebe como presente desde a nossa nascença, é o direito à liberdade”, pontua.
Relação de Ventura Profana com Deus
Criada em uma família que frequentava a Igreja Batista, a artista tem uma vida vinculada ao ambiente religioso. Desde pequena vivendo as “delícias e os conflitos” relacionados à fé, Ventura Profana não abriu mão da relação com Deus, mesmo com as opressões vividas por ser uma travesti no ambiente da igreja.
“Minha história está vinculada a isso, a esse cenário, a esse contexto e a essa maneira de ver o mundo. Fui aprendendo sobre o mundo através da ótica e das referências da Bíblia. Eu acho que a dificuldade em lidar com a travestilidade não tem a ver com Deus, tem a ver com a humanidade, com a história da humanidade”, iniciou.
Ventura Profana, então, reivindicou os títulos de pastora e missionária com a missão de transformar pessoas através de suas crenças subversivas baseadas na liberdade e na fé cristã. “Jesus é uma figura que durante todo o seu percurso em vida foi sinônimo de liberdade. Lutou por liberdade, morreu em nome da liberdade. Então eu acho que eu não consegui me desapegar de Jesus por conta disso.”
Uso da arte para inspirar travestis
Em 2020, Ventura Profana lançou o álbum Traquejos Pentecostais. Na produção, ela aborda a dificuldade de sobreviver e se estabelecer em um mundo “que condena as vidas travestis”.
“Eu queria que as travestis dessa nação tivessem consciência de que existe um processo político contra as nossas vidas, mas que elas soubesses que a nossa vida é bela e repleta de possibilidades”, explicou.
“Eu quero conhecer os prazeres, eu quero mergulhar neles, eu quero me relacionar com o mundo espiritual pelo gosto, pelo prazer, pela alegria de estar em relação, pela alegria de estar viva, pelo desejo de ser diferente, de ser uma pessoa que se destaque.”
Ventura Profana
Agora, para 2024, a artista planeja o lançamento de novas músicas que se desgrudam do ambiente hostil de guerra e se aproximam dos prazeres que podem ser vividos. “Eu não estou mais disposta a produzir pensando na guerra ou me vinculando obrigatoriamente com uma história de dor ou uma trajetória de dor”, disse.
Além da música, Ventura Profana também se destaca com exibições artísticas que buscam acolher pessoas LGBTQIA+ e clamar pelo fim da condenação das vidas travestis. “Eu não vivo só para a guerra, eu vivo também para sentir prazer”, declarou.
Novos espaços de atuação para travestis
Diante das mudanças sociais, com travestis ocupando novos espaços para além da prostituição, e tendo como exemplo a presença da deputada Erika Hilton no Congresso Nacional, Ventura Profana acredita que é tempo de mudança.
“Eu sou alguém também que merece festejar, viver a vida, viver as alegrias da vida e não só a dor e a labuta. Viver é também uma infinitude de outras coisas. E eu acho que é sobre a infinitude dessas coisas que a gente precisa olhar. Travestis podem ser médicas, políticas, professoras, engenheiras, o que quiserem ser. Não existe um limite. A transformação tem chegado para nós”, afirmou.
Por fim, ela explica que as lutas diárias são pensando no futuro da humanidade. “O que as travestis e homens trans racializados dessa terra têm tramado para hoje não é somente para hoje. A gente está construindo um plano de existência que é para daqui a 200 anos, 600 anos, 1000 anos, talvez. É um processo lento, mas pouco a pouco a gente tem caminhado em direção a essa mudança.”