Yanomami: investigação do MPF detalha ação de garimpeiros em terra indígena
Para fazer exploração irregular da terra Yanomami, garimpeiros entram em confronto inclusive com a PF, aponta MPF
atualizado
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Confrontos com a Polícia Federal, tiros contra famílias e associação com facções criminosas: é assim que o garimpo ilegal atua na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. A violência dos homens que exploram a terra em busca de ouro tem relação com a tragédia humanitária vivida pelos povos originários na maior terra indígena do país e é descrita em investigação feita pelo Ministério Público Federal (MPF), obtida pelo Metrópoles, em ação que corre em segredo de Justiça.
O processo judicial foi aberto em 2017 e tinha o objetivo de obrigar a União, o Governo de Roraima e a Fundação Nacional do Índio (Funai) a construir três bases de proteção etnoambiental, conhecidas como Bapes. Em 16 de novembro do ano seguinte, a 1ª Vara Federal de Roraima condenou os três réus a construir as bases, ainda hoje a sentença não foi cumprida. A Bape Korekorema, no Rio Uraricoera, continua desativada.
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Casos
Em uma das tentativas de obrigar o governo federal a tomar providências, o MPF detalha quatro casos de violência dos garimpeiros contra os indígenas em um intervalo de 17 dias, entre 24 de abril e 11 de maio de 2021. As vítimas foram os moradores da comunidade indígena Palimiú, a 260 quilômetros da capital Boa Vista. O jeito mais fácil de acessar a comunidade é justamente pelo rio Uraricoera, acredita-se que a base teria impedido os confrontos.
Em 24 de abril, os Yanomamis tomaram, de garimpeiros que subiam o rio, 250 galões de diesel, dois quadriciclos e um barco grande. No mesmo dia, os garimpeiros voltaram e efetuaram disparos de arma de fogo contra a comunidade, os indígenas revidaram. Três dias depois, outros tiros foram registrados em Palimiú. O mesmo voltou a se repetir em 10 de maio, o MPF registra a oitiva de três testemunhas, duas delas servidores de saúde que atuavam na comunidade.
“Cerca de 20 garimpeiros em oito barcos aportaram na comunidade armados atirando enquanto caminhavam, tendo adentrado cerca de 300 metros no interior da comunidade. Os yanomami se entocaram e atingiram três garimpeiros ferindo-os mortalmente e outros 5 foram baleados ou atingidos por flecha e espingarda calibre 20. Diante disso, os garimpeiros recuaram. Um garimpeiro ficou pra trás, o qual se escondeu, foi rendido e posteriormente conduzido a Boa Vista”, afirmou uma das testemunhas.
No dia seguinte, as testemunhas relataram mais dois ataques, o primeiro, pela manhã, contra a comunidade. À tarde, a Polícia Federal havia sido mobilizada, e os garimpeiros atiraram contra os policiais.
Tocaia
Um indigenista destacou ao MPF que “os garimpeiros aparentemente permaneceram de tocaia nas proximidades da comunidade aguardando a saída da Polícia Federal, o que indica a real intenção de extermínio de sua população”. Sobre o confronto, assim diz a testemunha:
“[…] os disparos não foram para cima nem visavam amedrontar os indígenas, mas realmente atingi-los. Os indígenas não foram atingidos porque têm estratégia de se espalhar e se entocar na mata. No momento do ataque, a Polícia Federal disparou contra os garimpeiros que estavam na comunidade, os quais recuaram para os barcos, embarcaram e foram para porto próximo, ao encontro da Polícia Federal, seguindo atirando. Não se tratou, portanto, de uma fuga, mas de um verdadeiro confronto com os policiais”, continuou.
Os agentes da Polícia Federal que estavam no local recolheram as munições deixadas no local do confronto e constataram que os garimpeiros usavam fuzis, mais especificamente o fuzil de assalto Imbel 5,56 IA2, usado pelas Forças Armadas, e a carabina Imbel 5,56 IA2, usado por polícias militares.
“A partir de sobrevoos identificamos essa invasão imensa garimpeira, muitas vezes do lado do pelotão de fronteira do Exército Brasileiro”, afirmou o procurador Alisson Marugal, em coletiva de imprensa. Para ele, as operações feitas desde 2017 se mostraram infrutíferas, não foram observados diminuição nos alertas de extração ilegal de minérios e, paralelamente, foi observado uma deterioração dos indicadores de saúde do povo indígena.
Ainda segundo Marugal, atualmente a Funai paga R$ 10 mil por dia por ainda não ter construído a base de proteção etnoambiental no rio Uraricoera. A reportagem questinou a fundação sobre a previsão de construção da Bape, mas não houve resposta. O espaço segue aberto para manifestações futuras.