Voa-SP dá “ordem de despejo” para mais de 100 animais silvestres
Mata Ciliar tem até esta quarta-feira (19/5) para cumprir notificação e realocar animais como lobos-guará, jaguatiricas e onças-pintadas
atualizado
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São Paulo – O consórcio de administração de aeroportos privados Voa São Paulo (Voa-SP) notificou a Associação Mata Ciliar, em Jundiaí (SP) para que desocupe em 48 horas uma área de três hectares. No local, sob responsabilidade da associação, moram mais de 100 animais silvestres em reabilitação, a maioria deles são lobos-guarás e diferentes espécies de felinos.
O prazo da ordem extrajudicial, que se encerra nesta quarta-feira (19/5), é considerado impossível de ser cumprido pela coordenadora de fauna da Mata Ciliar, a veterinária Cristina Harumi Adania. “Essa saída tão brusca não é possível de ser realizada. Não existe como mover os animais e ter recintos apropriados do dia para noite. Não existe destino para eles.”
A advogada da associação, Juliana Oliveira, corrobora a declaração de Harumi e ressalta que o consórcio não apresentou um projeto definido, com um motivo claro que justifique a urgência de 48 horas imposta pela Voa-SP.
“Eles são uma concessão. Sendo assim, prestam um serviço público e têm o dever da transparência. O que eles estão pretendendo para a área? Qual o plano? Por que essa pressa toda para tirar a associação daqui? Ninguém sabe.”
Nos últimos dias, a Voa-SP tem cercado a região com obras, cortando a vegetação próxima aos recintos de reabilitação, que também afetam a vida dos animais. Nesta semana, a concessionária chegou a retirar uma cerca colocada pela organização para impedir a entrada de pessoas na área e o acesso aos bichos.
“A gente pedia para o pessoal parar, porque o barulho do corte das árvores era muito alto e estava estressando os animais. Mas não adiantou nada”, reclama Harumi.
Estresse
Para a veterinária, o estresse pode ser um causador de morte aos bichos em processo de reabilitação.
“O problema maior é aquele estresse que você não pode reagir contra ele. Eles estão presos e não conseguem liberar a energia. Então ficam andando de um lado para outro, se ferem, até chegar a uma automutilação. Algumas situações culminam na morte do animal”, diz Harumi.
Para impedir que a mata siga sendo cortada e que os funcionários da Voa-SP se aproximem dos recintos, voluntários de Jundiaí e região estão se revezando desde o fim de semana em vigília no território que está em disputa.
A Mata Ciliar também ocupa uma outra área do estado de SP de 297.500 m², que está sob regularização. Nela são atendidos mais de 2 mil animais vindos de diferentes partes do país. Onças, araras, antas, tartarugas, jaguatiricas, macacos, dentre outros bichos, todos com uma história de violência promovida pelo homem.
A disputa
O terreno em contestação foi concedido à Voa-SP em 2017. E em 2019, segundo a concessionária, começaram as negociações para desocupação.
“Ambas as partes iniciaram diálogo para a devolução da área e remanejamento total da ONG para outro local do município. Mesmo assim, a ONG acelerou obras na área da concessionária, construindo viveiros de animais silvestres”, diz a concessionária em nota em seu perfil no Instagram.
A Voa-SP afirma que a construção de abrigo para os animais está muito próxima do aeroporto de Jundiaí e diz que há urubus na região, atraídos pelos animais silvestres. O consórcio se ofereceu para arcar com os gastos da mudança da organização e construção de novos viveiros, com o argumento de que a “situação coloca em risco a segurança aeroportuária”.
A Mata Ciliar nega a negociação. Segundo a advogada Juliana Oliveira, nunca houve um diálogo oficial entre as partes. “Isso nunca foi tratado de fato. Este ano, quando a gente começou a se mexer pela regularização, eles começaram a se movimentar. Sempre que a gente tenta uma conversa, é com interlocutores para nos dizer que a gente tem que sair.”
Também com o argumento de que o prazo é impossível de ser cumprido, a Prefeitura de Jundiaí pediu ao consórcio para que reveja o prazo e que seja preservada a saúde, segurança e o bem-estar dos animais abrigados na Mata Ciliar.
“Administração Municipal está à disposição para participar desta importante discussão com a Mata Ciliar, Voa-SP, Governo do Estado de São Paulo, Ministério Público e outras instituições em busca de soluções duradouras e permanentes para a política pública de preservação da fauna da nossa região e da sustentabilidade das ações ambientais desenvolvidas em nosso território”, afirmou a prefeitura.
O Metrópoles entrou em contato com o consórcio em busca de um posicionamento sobre o uso do terreno e o motivo da pressa para desocupação, mas até a publicação da reportagem não obteve resposta. O espaço segue aberto.