Vítimas de João de Deus continuam a aparecer após 2 anos do escândalo
Duas mulheres procuraram o MP na semana passada. Elas são de MG e de SP. Promotor diz que ainda é impossível dimensionar a magnitude do caso
atualizado
Compartilhar notícia
Goiânia – O escândalo sexual envolvendo João Teixeira de Faria, o João de Deus, já tem mais de dois anos e até hoje o Ministério Público de Goiás (MPGO) continua recebendo denúncias de vítimas de abusos sexuais cometidos por ele. Duas mulheres, uma de São Paulo e outra de Minas Gerais, procuraram os promotores responsáveis pelo caso na semana passada.
O promotor Luciano Miranda Meireles contou ao Metrópoles que elas foram ouvidas e se somam, agora, às mais de 320 vítimas que procuraram a investigação, desde dezembro de 2018, quando todo o enredo de crimes envolvendo aquele que já foi um dos maiores médiuns do Brasil veio à tona.
“São duas vítimas que, até então, não tinham sido contabilizadas ou ouvidas. São duas vítimas que surgiram e romperam a barreira do silêncio na semana passada. Isso mostra que, talvez, a gente ainda não tenha atingido toda a complexidade e dimensão do caso. A gente não conseguiu ainda compreender a dimensão dos horrores que aconteciam na casa de Dom Inácio, em Abadiânia”, diz ele.
Meireles avalia que a transmissão do documentário Em Nome de Deus, produzido pela GloboPlay, em sinal aberto na TV, o que ocorreu no início deste mês, pode ter ajudado a encorajar as novas vítimas a falarem sobre os respectivos casos e procurarem o Ministério Público. “A gente percebe que cada vez que uma vítima vem a público, isso reforça e encoraja outras a fazerem o mesmo”, afirma.
Um ano de prisão domiciliar
Nesta quarta-feira (31/3), completa um ano desde que João de Deus teve o pedido de prisão domiciliar atendido pela Justiça. No final de março do ano passado, a então juíza da comarca de Abadiânia, Rosângela Rodrigues dos Santos, acatou a solicitação feita pelos advogados.
Eles alegaram que o quadro grave de saúde do réu, depois de várias internações, o colocava em situação de vulnerabilidade dentro do sistema prisional. A juíza entendeu pela necessidade de prisão domiciliar, destacou a gravidade dos crimes pelos quais ele é acusado e lembrou, ainda, o fato de ele ser do grupo considerado de risco da pandemia da Covid-19.
João de Deus tem 78 anos. Ele já foi condenado em primeiro grau em três processos, que somam mais de 62 anos de reclusão, e cumpria pena em regime fechado, desde dezembro de 2018, quando foi preso pela polícia numa estrada vizinha a uma de suas fazendas.
Desde 31 de março de 2020, ele segue em casa, em Anápolis, a 55 Km de Goiânia, e sendo monitorado por tornozeleira eletrônica. A decisão estipulou algumas regras para ele, como: entrega de passaporte ao Judiciário, proibição de frequentar a casa de Dom Inácio de Loyola, não poder sair de Anápolis, comparecer ao Judiciário todo mês e não manter contato com vítimas e testemunhas citadas nos processos.
Condenações de João de Deus:
1ª – Processo referente a posse ilegal de arma de fogo e posse de arma de uso restrito: 3 anos de reclusão (aguarda julgamento em segundo grau);
2ª – Processo referente a crime de violação sexual e estupro de vulnerável: 19 anos e 4 meses de reclusão (também em fase de recurso no Tribunal de Justiça de Goiás);
3ª – Processo referente a estupros cometidos contra cinco mulheres: 40 anos de reclusão (também em fase de recurso);
Rotina na prisão domiciliar
Nesse um ano, desde que a prisão domiciliar foi concedida e João de Deus segue em sua casa em Anápolis, o promotor Luciano Miranda Meireles diz ter tomado conhecimento de vários pedidos da defesa à Justiça para que ele pudesse sair da cidade para fazer tratamentos médicos.
O MPGO não foi comunicado, no período, sobre nenhuma irregularidade cometida por João de Deus, em relação às regras impostas a ele. O Metrópoles obteve uma resposta via Lei de Acesso à Informação (LAI), junto à Diretoria Geral de Administração Penitenciária de Goiás (DGAP), de que 35.472 infrações foram cometidas, nos últimos 12 meses, pelos 5 mil presos monitorados hoje no estado.
O principal tipo de infração está ligado ao fim da bateria das tornozeleiras. Questionada sobre algum registro relacionado a João Teixeira de Faria, a DGAP não especificou na resposta enviada. O MPGO informa, também, não ter tomado conhecimento de algo do tipo.
A reportagem apurou que João de Deus segue em casa e lidando com os enfrentamentos das doenças que desenvolveu nos últimos anos. Uma das pessoas que esteve com ele, recentemente, foi o ex-senador e hoje advogado, Demóstenes Torres.
Ele representa a ex-assessora de imprensa de João de Deus, Edna Ferreira Gomes. Em fevereiro deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou ação penal, na qual ela e o ex-médium eram acusados de falsidade ideológica. Demóstenes foi, pessoalmente, em Anápolis entregar a decisão a João Teixeira de Faria.
“Eu tive um contato com ele, mas é um figura muito debilitada, isolado e sozinho. Isolamento completo. Só pode ficar lá, recebendo médico e advogados. Ele gostou muito do resultado (na Justiça), mas, sinceramente, considerei o João um outro João. Está muito debilitado”, disse Torres, quando procurado pelo Metrópoles em fevereiro deste ano.
O MPGO recorreu da decisão que concedeu a prisão domiciliar a João de Deus, há um ano, e o recurso até hoje não foi analisado pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO). “Entendemos que não há fundamento algum para que um indivíduo como este tenha direito a prisão domiciliar”, diz o promotor Luciano Miranda.