Vítimas contam como eram assediadas por juiz de SP: “Você vai gostar”
Marcos Scalercio, juiz do Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região, é acusado assédio e de estupro. Dezenas de mulheres relataram casos
atualizado
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Duas das três mulheres que levaram adiante as denúncias de assédio sexual contra Marcos Scalercio, juiz do trabalho de São Paulo, deram detalhes da abordagem praticada pelo magistrado.
Uma delas, aluna no cursinho Damásio em 2014, onde Scalercio dava aulas, diz ter sido impedida de fazer perguntas por Scalercio durante uma audiência por ter se negado a sair com ele. A mulher afirma ter sido abordada em redes sociais, com o juiz oferecendo ajuda. Um dia foram até uma cafeteria, quando ela foi assediada.
“Falei que não queria isso, fiquei assustada e me retirei daquele local. Depois ele passou a mandar mensagens nas redes sociais dizendo que a gente tinha que sair juntos. Eu me recusava, e ele falava coisas do tipo: ‘Como você não quer sair comigo, eu sou juiz, você não tem noção de quem eu sou?’. Depois disso, eu bloquei ele nas redes”, disse a vítima, ao G1.
Depois do episódio, ela disse que foi tratada com indiferença pelo juiz nas aulas.
“Eu estava numa audiência que deveria ocorrer normalmente, onde o advogado faz perguntas, e a parte responde. E todas as perguntas que eu fazia, ele falava: ‘Está indeferido, não vai perguntar nada'”.
Em nota, a defesa de Scalercio diz que o juiz já foi absolvido pela corregedoria do TRT e teve denúncias arquivadas.
Acusação de estupro
Uma advogada de 29 anos diz ter sido estuprada pelo magistrado. De acordo com ela, o caso aconteceu em 2017, quando pediu aconselhamento profissional.
“Ele subiu em cima de mim, eu não conseguia tirar ele. Eu falava que não queria, e ele falava coisas do tipo: ‘Calma, você vai gostar, deixa eu te mostrar o que é bom’, e teve uma hora que eu parei de lutar porque não tinha mais forças para tirar ele de cima de mim. Ali a minha vida mudou, eu passei a conviver com medo, me sentia suja, usada e, ao mesmo tempo, que eu tinha causado tudo isso, que não deveria ter ido encontrar ele”, contou ao SP2, da TV Globo.
A advogada, que não foi identificada, disse ter combinado de encontrar com o juiz, que, na época, trabalhava no Fórum da Barra Funda, para tomar um café, mas, ao invés disso, foi levada para um motel. “Ele me agarrou com muita força, ele não conseguia tirar minha roupa. Ele teve relações comigo à força e eu fiquei cheia de hematomas pelo corpo”.
Assédio no fórum
Uma outra mulher, funcionária do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), também afirmou ter sido vítima do magistrado. Segundo ela, o assédio aconteceu em 2018. Na época, o juiz trabalhava no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, na capital paulista.
“Ele se levantou, veio perto da minha cadeira e se apoiou na minha cadeira e começou a tentar me beijar, me assustei e fui para trás com a cadeira. Mas ele forçava todo o corpo pesado nos meus braços, até que teve uma hora que ele fez menos força, e eu consegui me desvincular. Ele tentava me beijar e falava que ‘sabia que eu queria’ e como não tinha câmeras no gabinete, eu podia ficar tranquila”, contou.
CNJ recebe denúncias
Vinte e nove mulheres procuraram a ONG Me Too Brasil após o caso vir à tona. Destas, oito foram ouvidas pelo Projeto Justiceiras e manifestaram a intenção de abrir denúncia no Conselho Nacional do Ministério Público.
Atualmente, o CNJ e no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) apuram três acusações contra o juiz nas esferas administrativa e criminal.
Em nota ao Metrópoles, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, em Brasília, afirmou que o “os fatos estão sendo apurados via Pedido de Providências, que tramita sob segredo de Justiça”.
“O Pedido de Providências é uma apuração preliminar, na qual a Corregedoria Nacional procede à avaliação do fato e das provas existentes, a fim de estabelecer se houve prática de infração disciplinar, o que pode determinar a propositura de Processo Administrativo Disciplinar ou, em hipótese contrária, acarretar o arquivamento do procedimento. A Corregedoria Nacional de Justiça esclarece, ainda, que não pode se pronunciar a respeito dos fatos”, diz o documento.
Já o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), informou que “na esfera federal, o processo tramita sob sigilo” e que não é permitido “acesso às informações”.
Nota da defesa de Marcos Scalercio
“As acusações que são feitas em face do Dr. Marcos Scalercio já foram objeto de crivo e juízo de valor pelo órgão correcional e colegiado do Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região. O Dr. Scalercio foi absolvido pelo tribunal e o caso foi arquivado. Foram ouvidas 15 testemunhas no processo. O arquivamento portanto demonstrou que o conjunto probatório, obtido no exercício do contraditório, é absolutamente insuficiente para dar lastro em qualquer dos fatos relatados.
É de se esclarecer que a passagem do caso pelo CNJ – Consellho Nacional de Justiça, é etapa natural de qualquer expediente em que se delibera pelo arquivamento no âmbito regional. Não se trata, portanto, de nova investigação, até mesmo porquanto inexistem fatos novos.
Também é preciso esclarecer que o Dr. Scalercio não responde a qualquer resvalo na esfera criminal, sendo inverídica a informação que parte do pressuposto que o magistrado está denunciado criminalmente.
Uma vez mais, reitera-se o compromisso deste magistrado e seus advogados com a apuração da verdade dos fatos e seu respectivo contexto, na lógica do devido processo legal. O Dr. Marcos Scalercio é profissional de reconhecida competência e ilibada conduta pessoal, quer seja no âmbito acadêmico, quer seja no exercício da judicatura.
São Paulo, 15 de Agosto de 2022.
Evandro F. Capano, Fernando F. Capano, Luciana Pascale Kühl”