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Violência escolar: o que está por trás da recente alta de casos?

Especialistas analisam a escalada da violência escolar no Brasil e debatem assuntos como bullying, internet e responsabilidade das escolas

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Estudantes fazem vigília nesta manhã de terça-feira (28), na Escola Estadual Thomazia Montoro-03
1 de 1 Estudantes fazem vigília nesta manhã de terça-feira (28), na Escola Estadual Thomazia Montoro-03 - Foto: Fábio Vieira/Metrópoles

A tragédia ocorrida na última segunda-feira (27/3), na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, levantou um alerta sobre segurança e saúde mental dos alunos brasileiros, além de reacender o debate de questões como bullying, discurso de ódio e armamento.

Um trabalho do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostra que o ocorrido está longe de ser um caso isolado. Nos últimos 21 anos, o Brasil registrou, pelo menos, 23 ataques cometidos em escolas por estudantes ou ex-estudantes, entre 10 e 25 anos.

Desses, nove, ou seja, cerca de 40%, ocorreram entre o segundo semestre de 2022 e março deste ano. Um estudo global da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicado em 2019, aponta o Brasil como líder mundial quando se trata de violência contra professores.

O Metrópoles conversou com especialistas e entidades governamentais com o objetivo de entender a escalada da violência escolar no Brasil e o que tem sido feito para lidar com a situação.

Na avaliação de Danielle Tsuchida, psicóloga e coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, a grande quantidade de casos nos últimos meses é reflexo do aumento do isolamento social de crianças e adolescentes, uma consequência da pandemia.

isolamento social

“Para parte dos jovens, a internet se tornou a única possibilidade de convívio. E sabemos que, nessa terra sem lei, os usuários mais novos ficam expostos a inúmeras possibilidades de violação de direitos, pouco ou nada monitoradas. Temas como intolerância à diversidade e culto às armas são frequentes”, pontua Tsuchida.

Com o retorno do convívio presencial nas escolas, porém, muitos alunos continuaram a ver no ambiente virtual um local de refúgio e autoafirmação, em oposição aos problemas presenciados em casa e nas instituições de ensino.

“Nós sabemos que essa nova geração deseja ser escutada, deseja, mais do que tudo, ter voz. Se esses jovens são discriminados no convívio social, mas são aceitos e muito bem cooptados em um espaço virtual onde o ódio é disseminado, eles encontram essa posição de poder, de legitimidade, em um lugar preocupante e violento”, reforça a psicóloga.

A influência do bullying

Coautora do livro Bullying: escola e família enfrentando a questão, a psicóloga Ângela Uchoa Branco ressalta que o bullying tem papel fundamental na crescente onda de tragédias.

A prática se caracteriza por agressões repetidas explícitas entre colegas de escola. Os efeitos, no entanto, são devastadores, segundo a professora.

“Elas geram medo e ansiedade extremas, isolam a vítima, e corroem profundamente sua autoestima. Em casos extremos, que vêm se tornando cada vez mais frequentes, geram tanto ódio, tanta raiva e desejo de vingança, que acaba resultando em tragédias.”

A solução, para a acadêmica, passa por um trabalho constante com educadores para que busquem relações de diálogo e confiança com os alunos. “É importante que os professores reconheçam a existência do bullying e discutam temas como o próprio bullying, ética, moral e democracia com os alunos”, reforça.

O que é papel da escola…

Ângela, também professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Escolar da Universidade de Brasília (UnB), explica que a solução passa pelas escolas na medida em que se entendem e se portam como instituições sociais que formam cidadãos e os orienta para a inserção social.

A proposta, porém, nem sempre condiz com a realidade. A falha, de acordo com Ângela, se dá por dois motivos. Primeiro, porque “a dinâmica da vida escolar reproduz a dinâmica da própria sociedade, e esta, particularmente no caso brasileiro, vem se tornando assustadoramente mais agressiva e violenta”.

Em segundo lugar, a psicóloga observa que “por não compreender que está reproduzindo a violência sistêmica em que está inserida, a escola pouco faz na direção de estudar, planejar e atuar, para promover uma cultura de paz na comunidade escolar”.

Pesquisas conduzidas por Ângela ao longo da carreira revelam a insistência de professores e gestores escolares em se ausentarem da responsabilidade de educar alunos para o convívio social, o que ela considera um posicionamento equivocado.

“Enquanto os educadores não compreenderem isso plenamente, os problemas somente irão se tornar cada vez mais graves”, alerta.

… e o que não é

Mesmo com a realização de cursos preparatórios para os professores e uma mudança de paradigma sobre o papel social das escolas, Tsuchida relembra que, para cumprir suas atividades, as instituições de ensino demandam recursos, estrutura e profissionais.

“Estamos falando de escolas em que faltam profissionais de ensino e até profissional de porta. Diretoras que fazem recepção de alunos e repõem professores em aula. Se você não tem condições mínimas, como cobrar apenas dos profissionais dentro das salas que tenham um olhar mais atento?”, destaca.

A partir disso, Tsuchida defende que as escolas contem com uma rede de apoio do próprio governo, responsável por lidar com questões de lazer, assistência social, cultura e moradia, por exemplo. Todos esses pontos, conforme a psicóloga, influenciam no surgimento e na identificação de novos atentados escolares.

Tsuchida não deixa escapar, porém, um outro agente envolvido, já com histórico de evitar suas responsabilidades: as plataformas digitais.

Aluno ameaça massacre em escola em GO
Reprodução

Com o isolamento social dos últimos anos, a expansão de chats anônimos e o boom de conteúdos on-line, a especialista avalia que não há como deixar as organizações privadas fora da solução.

“As famílias têm a responsabilidade de acompanhar as navegações dos seus filhos, mas todo esse processo é difícil. Os acessos são complexos, com poucos mecanismos de controle. Como essas plataformas digitais querem se abster do assunto, quando são nelas que são criadas salas privadas, com espécies de ‘salas de adoração’ de discursos de ódio?”, avalia.

Atentado em Realengo (RJ) repercute até hoje

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No caso do estado do Rio de Janeiro, um dos episódios mais marcantes de atentado escolar no Brasil determinou, para sempre, as medidas de prevenção e segurança no dia a dia das escolas.

Em abril de 2011, a Escola Municipal Tasso da Silveira foi invadida por um ex-aluno de 23 anos, que, em posse de dois revólveres, matou 12 crianças da instituição.

“Foi um grande trauma, não só para a comunidade do Rio de Janeiro como para o Brasil. Foi o momento em que a ficha caiu. Antes, pensávamos ‘esse é um problema de outros países, não vai acontecer aqui’. Quando vimos acontecer do nosso lado, as coisas ficaram mais sérias”, relembra o secretário de Educação da cidade do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha (PSD).

Segundo Ferreirinha, o caso mudou a mentalidade de governantes, famílias e gestores de educação do município. O cuidado da saúde mental dos alunos e a capacitação de profissionais para lidar com possíveis novos casos de violência escolar tornaram-se pautas frequentes da comunidade.

“Precisamos ter protocolos de segurança bem estabelecidos para reconhecer e impedir novos casos. Na última semana, por exemplo, a diretora de uma escola aqui do Rio, durante uma visita em uma das salas, notou um comportamento inquieto de um dos alunos. Mais tarde, quando ele tentou atingir o colega com uma faca, foi a diretora quem conteve. Evitou o pior”, detalha o secretário.

Mais importante do que a repressão aos criminosos dentro das escolas, porém, são os cuidados preventivos da saúde emocional e psíquica dos alunos, avalia o gestor.

No caso do Rio de Janeiro, o Núcleo Interdisciplinar de Apoio às Unidades Escolares, da Secretaria de Educação municipal, conseguiu identificar e acompanhar 191 casos de bullying e cyberbullying entre alunos em 2022. Ao todo, 2.462 atendimentos que envolviam algum tipo de violência dentro das escolas foram realizados.

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