Vídeo: reunião da Conitec sobre kit Covid é marcada por divergências
Encontro foi realizado de forma virtual na última quinta-feira (21/10), quando grupo votou uso de remédios para tratamento da Covid
atualizado
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A última reunião da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao Sistema Único de Saúde (Conitec) foi, novamente, marcada por divergências. O encontro ocorreu virtualmente na última quinta-feira (21/10), quando membros do grupo votaram a utilização de medicamentos para o tratamento ambulatorial de pacientes com Covid-19.
A lista de remédios analisados conta com fármacos como ivermectina, hidroxicloroquina e azitromicina, que integram o chamado kit Covid, fortemente defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e por apoiadores. Os remédios não têm eficácia comprovada cientificamente contra o coronavírus.
Como base para votação, o grupo usou o estudo Diretrizes Brasileiras para o Tratamento Ambulatorial do Paciente com Covid-19, coordenado pelo médico Carlos Carvalho, a pedido do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. O documento pontua que nenhum dos medicamentos avaliados devem ser utilizados no tratamento por não haver evidências científicas suficientes.
Antes da votação — que terminou em empate, conforme o Metrópoles informou na última semana — os membros da comissão debateram sobre o estudo. O material recebeu críticas e sugestões dos integrantes do plenário.
No entanto, a discussão foi acalorada. A médica Maria Inez Pordeus Gadelha, uma das sete representantes do Ministério da Saúde na comissão, fez duras críticas ao documento. Ela pontuou que o estudo não recomenda nenhum dos medicamentos listados, mas não oferece sugestão de outros tratamentos para Covid.
“Se tudo é recomendado contra, o que é que essas diretrizes estão recomendando? Qual é o objetivo delas? Fazer o que? Não encontrei nada, li esse relatório e não encontrei nada. O que as diretrizes estão recomendando? Pra mim, nada. Só estão dizendo ‘não recomendo'”, afirmou.
A médica, que representa a Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (SAES) do ministério, também saiu em defesa da autonomia de cada médico para a prescrição de medicamentos, vertente defendida por Marcelo Queiroga e por outros integrantes do governo Bolsonaro.
“A autonomia não vai dizer respeito apenas aos profissionais, mas a do doente também. A autonomia dos dois não está em discussão porque ela é incontestável. Não vamos contestar aqui e precisar o Ministério da Saúde dizer, em diretrizes, quem é autônomo ou não autônomo. Que história? Não compete a nós dizer isso”, pontuou.
Autonomia
Carlos Carvalho, que coordenou o estudo, respondeu ao questionamento da médica Maria Inez e disse que é importante produzir um documento com o que não deve ser feito no tratamento de Covid. Ele citou, ainda, que o uso de remédios fora do uso previsto em bula pode gerar consequências negativas para a saúde do paciente.
“É muito importante dizer pro médico o que ele não pode fazer. Não significa que ao dar corticoide para o indivíduo ambulatorial ele esteja fazendo uma boa medicina. Ele pode dar, se ele acreditar nisso, e se ele convencer o paciente que ele vai tomar corticoide. Mas ele tem que explicar que o corticoide diminui a imunidade dele, que ele pode ter uma complicação respiratória que ele não teria se não tomasse corticoide. Em uso ambulatorial não tem o menor sentido usar o corticoide, como tem nem o menor sentido usar azitrominica, como não tem o menor sentido usar outro medicamento”, pontuou.
Uso de medicamentos “off label”
Durante a reunião, o representante do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Nelson Mussolini, lembrou que a maior parte dos medicamentos analisados no estudo não têm aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso no tratamento de Covid-19 — exceto os anticorpos monoclonais.
Segundo Mussolini, a discussão do uso de remédios off label (para indicação fora da bula) é “absurda”.
“Nós estamos falando de produtos que nem registro têm para cuidar desta doença. Vocês estão cansados de saber, mas eu venho defendendo desde sempre dentro da Conitec, que a Conitec não tem nem que discutir produto que não está registrado na Anvisa. Não podemos ficar discutindo produto off label. É um absurdo da nossa parte querer discutir produto off label”, frisou.
O tema também foi levantado por Gustavo Mendes, representante da Anvisa. Ele afirmou que, quando há uso de medicamentos para indicação fora da bula, a responsabilidade de monitorar efeitos adversos é da empresa fabricante.
Para Gustavo, a recomendação de remédios para este fim dificulta a possibilidade de “ter a indústria envolvida nesse processo, conduzindo estudos clínicos com padrão ouro para essa indicação”.
“Se existir a possibilidade de não colocar medicamentos off label nessas diretrizes vai trazer mais segurança para o processo que a Conitec tem até então”, finalizou.
Veja trechos da reunião marcados por divergências:
Como votou cada membro
De acordo com as informações divulgadas por fontes ligadas ao grupo, foram seis votos favoráveis ao documento e seis votos contrários. Cinco dos sete membros ligados ao Ministério da Saúde discordaram do documento. Além disso, o representante do Conselho Federal de Medicina (CFM) votou contra o conteúdo do relatório.
A Anvisa esclareceu, em nota enviada na tarde desta quinta-feira, que o representante da agência participou da primeira parte da reunião e alertou à comissão de que entraria em um voo de São Paulo a Brasília, pois ainda não tinha sido definido um horário para a votação. Ao chegar à capital federal, contudo, a votação já tinha sido feita. O Metrópoles apurou que o voto da agência seria favorável ao relatório, o que desempataria e aprovaria a avaliação contra o uso do kit Covid no SUS.
Votos contrários:
- Conselho Federal de Medicina
- Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde (Ministério da Saúde);
- Secretaria de Saúde Indígena (Ministério da Saúde);
- Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (Ministério da Saúde);
- Secretaria de Atenção Primária à Saúde (Ministério da Saúde);
- Secretaria Executiva (Ministério da Saúde).
Votos favoráveis:
- Conselho Nacional de Saúde (CNS);
- Agência Nacional de Saúde (ANS);
- Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass);
- Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems);
- Secretaria de Vigilância em Saúde (Ministério da Saúde);
- Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos (Ministério da Saúde).
Agora, o relatório deve ir para consulta pública pelo período de até 20 dias. Depois, o plenário da comissão fará uma nova deliberação para acrescentar as contribuições do público ao relatório.
Por fim, o documento final será enviado ao Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde, Hélio Angotti Neto. Caberá a ele decidir se as recomendações serão seguidas pelo órgão federal ou não.