Vereadora trans relata preconceito nas ruas, nas redes e no plenário
Benny Briolly (PSol) se tornou a primeira transexual eleita na Câmara Municipal de Niterói. Ela diz que sua rotina é viver sob ameaça
atualizado
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Rio de Janeiro – Na noite do dia 13 de maio, a vereadora Benny Briolly (PSol), de 29 anos, publicou em suas redes sociais que iria sair do Brasil por se sentir ameaçada. A atitude drástica foi motivada por uma sequência de ameaças e ofensas sofridas em redes sociais e, segundo ela, até mesmo presencialmente, no plenário da Câmara Municipal.
Primeira vereadora transexual eleita na cidade de Niterói, no estado do Rio, Benny passou duas semanas fora do país e decidiu voltar.
Em entrevista ao Metrópoles, na Câmara de Vereadores de Niterói, a trans, de 29 anos, descreve o conflito enfrentado nos últimos meses: sentiu que corria riscos, mas, ao mesmo tempo, não conseguiu ficar longe de tudo.
Na retomada de sua rotina, ela ressalta que seu pedido de escolta policial não foi atendido. “Outros parlamentares ganharam escolta. O Estado brasileiro é orientado por questões políticas.”
Como tem sido ser a primeira trans na Câmara dos Vereadores de Niterói?
Uma mulher transexual, negra, de favela, entre as mais votadas da cidade em sua primeira candidatura, representa dois marcos. O primeiro é o sentimento de entender a missão, quando nascemos, que é lutar para resistir e poder existir. O segundo é a oportunidade de retomada de poder. Estamos dando nome, como dizem as travestis. Dar o nome é importante. Estamos dando o nome ao legado de Lélia (Lélia Gonzalez, uma das fundadoras do movimento negro); de Dandara (guerreira negra do período colonial); de Carolina de Jesus (escritora negra); de Marielle Franco. Todas elas que vieram antes contribuíram para que eu esteja aqui, nessa cadeira, de forma firme, potente e poderosa.
Qual foi a sensação de estar fora de seu país por se sentir ameaçada?
Em seis meses, recebi diversas ameaças de morte, fui vítima todos os dias de uma série de hostilidades criminosas pelas redes sociais, de transfobia a racismo. E até no plenário da Câmara, também me tornei alvo dessa velha política, que também sabe promover massacres. Ser ameaçada a ponto de deixar o lugar onde me tornei a mulher mais votada numa eleição. Ser retirada do seu território, da sua favela. Foi um dos piores momentos da minha vida.
O que a motivou a voltar depois de 15 dias?
Nós, mulheres travestis, transexuais, desde o nosso renascimento, a partir do encontro com a nossa identidade, passamos a viver sozinhas, isoladas. Quantos travestis você encontra no shopping durante o dia? Me senti de uma forma tão violada, tão violentada. Não é só um processo eleitoral, tenho anos de luta na militância pelos direitos humanos. Se cheguei até aqui é porque as pessoas acreditaram. Não estar no país representava uma violação para mim e também para todos aqueles e aquelas que marcharam em luta comigo até ali.
Você ainda pensa sobre as ameaças recebidas?
Entendo o porquê de ser ameaçada. Por gritar por liberdade. E esse grito pode ecoar e fazer com que outras mulheres resolvam fazer o mesmo. E pode incomodar a ponto de receber recados como: ‘eu vou comprar uma arma 9 milímetros para ir na sua casa te fuzilar’. Foi o que aconteceu comigo.
Diante deste tipo de situação, você chegou a pedir escolta policial?
Ainda não tenho escolta, por incrível que pareça. O Estado brasileiro é orientado por questões políticas. O Gabriel Monteiro (vereador do Rio pelo PSD) tem escolta. Outros parlamentares também ganham escolta. Mas, se alguém diz que vai me fuzilar citando o endereço da minha casa, com dados pessoais, eu não posso ter escolta? Será que querem de fato nos matar? É uma coisa que fica no ar.
A senhora mencionou que chegou a ser intimidada na própria Câmara?
Um vereador, que se apresenta como bolsonarista, me atacou diversas vezes no plenário. Em cinco meses de mandato, fui alvo de crime de racismo e de transfobia. E esse vereador recebeu uma advertência da comissão ética da Casa. Fiz registro na delegacia. Mas o vereador não foi indiciado e ainda me processou por calúnia e difamação.
O que mudou na sua rotina nos últimos meses?
É o cotidiano de uma parlamentar ameaçada. Você sai de casa sem saber se vai voltar. E dentro da Câmara também fico sem saber se voltarei a ser vítima de racismo, de transfobia, como tem sido desde o início. É um cotidiano que de violência que se apresenta de diversas formas.
Como surgiu seu interesse pela política?
Comecei a me aproximar da política quando tinha 14 ou 15 anos. Foi quando perdi a minha mãe vítima de uma violência do estado. Graças a Deus, não por uma bala de fuzil. Minha mãe tinha câncer e não conseguiu internação em um hospital quando precisou. Tinha que arrumar um vereador, um deputado, algum poderoso chefão para arrumar uma internação. E a gente não conseguiu porque era pobre, preto, favelado, ninguém ali tinha sequer uma graduação. E a minha mãe acabou sendo mais uma vítima desse tipo de política bizarra. Aquilo me fez ver o mundo de uma ótica diferente, me fez ter muita revolta. Conheci a militância na dor.
E como você faz para desconectar dessa pressão diária?
Sou sensível. Essa pose toda de uma mulher que parece um trator gigante que vem e não vai parar nunca… Sou sensível, sou chorona, gosto de assistir um bom filme com uma boa pipoquinha, de chorar bastante. Gosto de filme de princesa, como a Ariel (personagem de “A Pequena Sereia”), de uma coisa fútil que me ajude a desconectar e relaxar um pouco.