Venezuelanos são 1 de cada 3 assassinados em Roraima
Facções criminosas brasileiras e venezuelanas disputam território em Roraima. Esquartejamentos são marca registrada em guerra do tráfico
atualizado
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Moradores de Pintolândia, na periferia de Boa Vista, capital de Roraima, amanheceram com uma notícia macabra no último dia 12 de julho. Uma mala foi encontrada em meio a entulhos e galhos, recheada com dois pedaços de coxa e um tronco humano, enrolados em um lençol branco.
No peito da vítima esquartejada, uma tatuagem com letras estilizadas e o símbolo do infinito dizia: “Dios y Life”. A palavra “Deus” em espanhol indicava a nacionalidade da vítima e uma crise grave que a região vem passando nos últimos anos.
Uma a cada três vítimas de homicídio em Roraima no ano passado era venezuelana. A situação mais crítica se concentra na capital, Boa Vista, onde quase 50% dos assassinatos em 2022 foram de pessoas vindas da Venezuela.
Enquanto os homicídios de brasileiros em Roraima caíram de 143 em 2019 para 116 no ano passado, os assassinatos de venezuelanos saltaram de 22 para 55, quando se compara o mesmo período.
Os dados são da Secretaria de Segurança de Roraima e foram enviados ao Metrópoles via Lei de Acesso à Informação.
Facções venezuelanas
Até setembro deste ano, foram 30 homicídios de pessoas da Venezuela, em Roraima. Uma delas foi Edgar Antonio Perez Ceballos, um jovem de 27 anos recém saído do sistema prisional, o que tinha tatuado no peito “Dios y Life”.
Segundo investigação da polícia, Edgar foi torturado e esfaqueado antes de ser esquartejado e ter pedaços do seu corpo espalhados pela cidade. A cabeça e um braço foram achados em um saco de lixo.
“O crime foi praticado com requintes de crueldade, com o modus operandi utilizado pelas organizações criminosas venezuelanas presentes no estado, em especial o Sindicato e Tren de Aragua”, diz trecho do relatório investigativo da Polícia Civil.
Edgar foi assassinado dentro de um cômodo de uma obra de hospital abandonada, onde vivem em condições precárias várias pessoas em situação vulnerável. Dois venezuelanos e dois brasileiros foram presos pelo crime. Eles são réus por homicídio qualificado e o julgamento está na fase de audiência de instrução.
Restos humanos espalhados
Chefe da Delegacia de Homicídios de Boa Vista, o delegado Lurene Azevedo explicou ao Metrópoles que o esquartejamento tem sido uma característica comum dos assassinatos realizados por grupos criminosos da Venezuela.
“Eles esquartejam e espalham pedaços por vários pontos da cidade, gostam de mostrar para a família e outros faccionados”, relata o investigador.
Ainda segundo o delegado, essas facções têm relação com o garimpo ilegal e nos últimos meses estão se concentrando ainda mais na capital, já que muitos foram retirados de território indígena Yanomami após ação do governo brasileiro.
“Com o final do garimpo, as facções tiveram que se reorganizar financeiramente, em busca de outra fonte de recurso. Então, estão se matando muito. O principal motivo para a crescente de homicídios é a disputa territorial”, avaliou Lurene.
Embora Roraima passe por essa crise de homicídios, falta estrutura na Polícia Civil do estado. O último concurso para delegados foi em 2004 e faltam viaturas. “Muita gente aposentou, o estado cresceu e a imigração venezuelana se agigantou”, resumiu o chefe da Delegacia de Homicídios.
Presídio loteado
Roraima faz fronteira com a Venezuela e a Guiana. O estado do extremo norte brasileiro se transformou em uma porta de entrada de imigrantes venezuelanos, que fogem da grave crise econômica e humanitária do outro lado da fronteira.
Para o pesquisador Rodrigo Chagas, do grupo de estudo interdisciplinar em fronteiras da Universidade Federal de Roraima (UFRR), a Tren de Aragua, principal facção venezuelana, usa a lógica da migração para cooptar pessoas para trazer drogas.
Outras facções do país vizinho que atuam na região são o Tren de Los Llanos, Tren del Sur, que atuam junto com o Comando Vermelho (CV), e Casa Podrid. Segundo o pesquisador, a Casa Prodrid foi formada dentro de abrigos da Operação Acolhida, trabalho do Exército para proteger imigrantes venezuelanos.
Segundo Chagas, a presença das facções estrangeiras já está tão consolidada que a penitenciária de Boa Vista é dividida em três setores: Primeiro Comando da Capital (PCC), CV e um terceiro apelidado de Sindicato, que reúne os faccionados da Venezuela.