Veja o livro que virou febre entre deputados na pandemia e entenda o porquê
Obra de italiano que cita a política brasileira faz sucesso entre congressistas. Confira essa e outras dicas de leitura dos parlamentares
atualizado
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Em tempos de debate sobre o polêmico Projeto de Lei das Fake News no Congresso, um livro que desnuda as estratégias de marketing digital que moldam políticos para serem oferecidos sob medida para certos públicos, como filmes na Netflix, está fazendo sucesso entre congressistas brasileiros – da esquerda ao Centrão.
Os políticos brasileiros de direita que se elegeram por essa plataforma que explora o algoritmo das redes sociais em busca de popularidade também estão no debate da obra, mas como personagens do mecanismo.
Ao consultar congressistas de diferentes partidos sobre o que têm lido neste período de pandemia, a reportagem do Metrópoles viu coincidir em várias respostas a citação sobre o livro “Os engenheiros do caos“, do cientista político franco-italiano Giuliano da Empoli.
A obra, lançada no final do ano passado no Brasil, chama a atenção de políticos de diferentes matizes por abordar de maneira direta a fórmula de sucesso usada por populistas de direita, como Donald Trump nos Estados Unidos, Boris Johnson na Inglaterra e Jair Bolsonaro no Brasil, para ficar em evidência na internet custe o que custar (normalmente o custo é ter de produzir polêmicas constantes).
E a emoção é a chave de tudo na opinião desse escritor que tem um centro de pesquisas chamado Volta, em Milão, e vem conseguindo boas críticas mundo afora pelo livro que agora conquista os círculos do poder no Brasil. Em busca dos cliques que garantem visibilidade e ganhos com publicidade, segundo o autor, agentes políticos apelam para títulos e comportamentos cada vez mais chamativos, num processo que costuma sacrificar a verdade e os fatos em muitos casos.
Terreno para notícias falsas
Como as empresas preferem os cliques e as polêmicas ao combate à desinformação, o terreno para notícias falsas, teorias da conspiração e ataques pessoais fica fértil. “As redes sociais não são, por natureza, talhadas para a conspiração”, escreve o autor.
“O livro explica como o ódio age na internet, como cria teorias mirabolantes, como as fake news conseguem ter tanto alcance”, afirma a deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), que acredita que a obra contribui para o debate atual no Brasil.
“Precisamos entender as redes sociais para poder criar maneiras de evitar que elas erodam a democracia”, afirmou a parlamentar, que é do campo da esquerda, mas encontra eco em colegas de partidos de outros campos políticos, como Sidney Leite (PSD-AM).
Ele conta que chegou a sugerir a obra aos colegas em uma reunião virtual da bancada. “As redes sociais têm um papel enorme na política hoje e esse livro explica como elas funcionam e podem até ser manipuladas”, explica o parlamentar. “Em uma das passagens, ele diz que quem quer entrar na política deveria estudar física e lógica, para entender o algoritmo dessas redes”, completa.
Os engenheiros do caos
Sensacionalismo
Outros trechos que devem estar chamando a atenção dos políticos são os que mostram o enorme alcance das notícias falsas que usam o sensacionalismo para se promover. O livro cita estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a demonstração de que uma falsa informação tem, em média, 70% a mais de probabilidade de ser compartilhada na internet do que uma verdadeira. Outros dados avaliam que a verdade consome seis vezes mais tempo que uma notícia falsa para atingir 1.500 pessoas.
Para o deputado federal Fábio Trad (PSD-MS), o cenário mostrado no livro é “assustador” e “um perigo” e sua leitura é importante para que o Parlamento busque formas de proteger a democracia também na internet. “Conversei sobre o livro com colegas e muitos estão perplexos com essa realidade que se impôs. Mas o primeiro passo para superar isso é conhecer o que está acontecendo”, opina.
O Brasil na obra
Youtubers que viraram grandes influenciadores digitais, como o músico Nando Moura (que ajudou na campanha bolsonarista, mas hoje é rompido com o presidente), ou mesmo parlamentares, como Carlos Jordy (PSL-RJ), têm suas histórias citadas no livro.
O deputado bolsonarista é descrito como “um fisiculturista coberto de tatuagens que deve sua popularidade, e sua cadeira no Congresso, a uma série de vídeos denunciando um complô dos professores de esquerda para espalhar o comunismo nas escolas”.
O MBL (Movimento Brasil Livre) é citado como organização que ajudou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) “dotada de uma poderosa produtora de vídeos para o YouTube que empregava jovens profissionais dedicados à luta contra o que consideram ‘a ditadura do politicamente correto'” e que ajudou a criar “o clima que tornou possível a eleição de um ex-militar de extrema-direita, ele mesmo muito popular nas redes sociais, à Presidência da República”.
Há um trecho que lembra do momento em que, na festa da posse de Bolsonaro, em janeiro de 2019, um grupo de apoiadores gritava “alegremente os nomes do Facebook e do YouTube” em cena que “rodou o mundo”.
Veja um vídeo divulgado pela editora que traduziu a obra para o português, no qual o autor fala aos leitores brasileiros sobre os caminhos de sua pesquisa por aqui. “Os engenheiros do caos são as pessoas que levam a lógica do Facebook para a política”, diz ele.
Confira:
O que mais os parlamentares estão lendo nesta pandemia?
Os deputados que conversaram com a reportagem foram unânimes em dizer que não está sobrando muito tempo para a leitura porque o volume de trabalho no Congresso está maior durante este período de pandemia, mas deram algumas dicas.
A iniciativa mais ambiciosa para incentivar a leitura neste tempo de pandemia é da deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), que criou um clube do livro na internet como projeto paralelo ao trabalho parlamentar.
Ao lado de uma assessora também apaixonada por livros, Tabata promove debates semanais sobre as obras que sugeriu em uma conta no Instagram criada para divulgar o projeto.
Veja as sugestões da parlamentar paulista que tem a educação como uma das suas bandeiras políticas:
Labirinto da internet
Parlamentar muito ligada à educação, a professora, escritora e deputada federal Margarida Salomão (PT-MG) conta que está lendo outro livro que fala de política e redes sociais: “Big Tech – A ascensão dos dados e a morte da política“, de Evgeny Morozov. “Ele desbrava o labirinto profundo da internet, que hoje tem uma importância muito grande na política que é feita no Brasil e no mundo. Há políticos se sustentando apenas nessas estratégias de manipulação digital”, avalia ela, ao sugerir o livro.
O deputado Sidney Leite, que já apareceu nesta reportagem falando de “Os engenheiros do caos”, também está lendo – e recomenda – “A Estrada do Futuro”, de Bill Gates e Nathan Myhrvold. “Em 1995 ele já previa moedas virtuais como o Bitcoin e a ascensão das redes sociais como protagonistas na política. É inspirador ver a visão de futuro que ele teve”, comenta o parlamentar.
Perpétua Almeida, também já citada, pediu para incluir em suas sugestões o livro “Escravidão“, de Laurentino Gomes, que conta a história do tráfico negreiro da África para o Brasil colonial.
E a sugestão de Áurea Carolina (PSol-MG) foi o livro “Amanhã vai ser maior“, de Rosana Pinheiro-Machado, que analisa as manifestações de 2013 no Brasil e suas consequências políticas.
Higienização da mente
Os políticos, como se vê, estão bem concentrados em livros que dizem respeito ao trabalho e à política em todas as suas formas. Como um respiro, fica a sugestão do deputado Fabio Trad do clássico “Memórias de Adriano“, considerado a obra-prima da escritora Marguerite Yourcenar. “É fabuloso, mostra um retrato muito vivo do império romano, das contradições do poder. É uma higienização da mente”, promete.