Veja como fim da taxação de até US$ 50 em compras internacionais afeta seu bolso
Remessa Conforme, novo programa de conformidade da Receita Federal voltado para empresas, entra em vigor a partir de 1º de agosto
atualizado
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O Ministério da Fazenda divulgou, na sexta-feira (30/6), que deixará de cobrar imposto sobre importação para compras on-line de até US$ 50, desde que as empresas de comércio eletrônico, sejam elas nacionais ou estrangeiras, estejam cadastradas em um programa da Receita Federal (o Remessa Conforme), e recolham os devidos tributos estaduais.
No início de junho, o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) unificou em 17% a alíquota de ICMS para as compras feitas em plataformas on-line de varejistas internacionais. A alíquota vale inclusive para compras abaixo de US$ 50 de empresas para pessoas físicas.
Pelas regras atuais, todas as compras de produtos importados eram taxadas, independentemente do valor. A isenção do imposto federal para valores de até US$ 50 se aplicava somente a remessas internacionais entre pessoas físicas, deixando empresas de fora. A ideia aqui era preservar os envios pessoais, explica o economista Maurício F. Bento, diretor do Instituto de Formação de Líderes de São Paulo (IFL-SP).
“Mas a indústria e o varejo brasileiro, principalmente, vinham criticando muito essa isenção de US$ 50 porque viam nela uma grande brecha para sonegação e, portanto, para concorrência desleal”, explica. Inicialmente, o governo estudou acabar com essa isenção, mas recuou (veja mais detalhes abaixo).
Com a nova norma, apenas as empresas que não aderirem ao programa serão taxadas em compras abaixo do valor limite (de US$ 50).
As novas regras começarão a valer a partir de 1º de agosto, para dar tempo de as empresas aderirem ao programa.
Sobre as consequências, o economista afirma: “Pode ser que algumas empresas prefiram produzir algumas coisas no Brasil e, por outro lado, com essa consolidação do ICMS de 17%, é possível que algumas compras também tenham seu preço elevado”.
Na prática, a nova norma tem efeitos “para todas as partes envolvidas”, segundo Leonardo Roesler, advogado especialista em direito tributário. No caso do consumidor, a proposta pode resultar em um aumento de preços, já que é comum que as empresas repassem o peso dos tributos para os preços finais do produto.
Pagamento das taxas
No entanto, a mudança proposta sugere uma alteração “significativa na dinâmica de pagamento dos tributos associados à importação”. Ou seja, com a norma antiga, que isentava cobranças em transações entre pessoas físicas, empresas internacionais usavam manobras para burlar o pagamento, exigindo o pagamento apenas em alguns casos.
Como explica o especialista, a responsabilidade de pagar o imposto de importação, que poderia chegar a 60% do valor do produto, recaía diretamente sobre o consumidor, quando a mercadoria era retida pela Receita Federal para fiscalização. Para que o produto adquirido chegasse em casa, o comprador precisaria pagar a taxa ao fisco.
“Esse método de cobrança gerava incerteza, já que nem todas as mercadorias eram efetivamente retidas e taxadas, levando a um cenário em que alguns consumidores eram ‘sortudos’ e outros não. Além disso, havia a possibilidade de contestação do valor da taxa por parte do consumidor”, frisa Roesler.
Mauricio F. Bento explica que fazer parte do programa de conformidade significa aumentar ou facilitar a fiscalização da Receita sobre essas empresas. “As empresas têm aproveitado essa brecha de US$ 50 para dividir uma compra em várias de modo a evitar a tributação.”
Em resposta a questionamentos feitos pelo Metrópoles, a Receita afirmou que essa fiscalização será feita “tanto durante o procedimento de certificação, para esses critérios serem avaliados, como num monitoramento posterior do dia a dia dessa empresa tanto no site ou plataforma utilizados para as vendas quanto nas remessas que chegam no país”.
Adesão ao programa
Segundo o governo, as empresas de comércio eletrônico que aderirem ao programa de conformidade terão regras mais benéficas. A adesão ao programa é voluntária, e ocorrerá mediante certificação que comprove o atendimento dos critérios definidos no novo normativo (leia mais abaixo).
“As empresas para adentrarem no Programa precisam comprometer-se com a conformidade tributária e aduaneira e com o combate ao descaminho e ao contrabando, em especial à contrafação. E precisam manter uma política de admissão e de monitoramento de vendedores cadastrados na empresa. Se a empresa não uma possuir uma política de combate a essas infrações já citadas e uma política de monitoramento de seus vendedores, dificilmente conseguirá permanecer no programa de conformidade”, disse a Receita Federal em nota.
O que muda para empresas
- A alíquota será zero para remessas enviadas para pessoas físicas de valor até US$ 50, ainda que enviadas por pessoas jurídicas;
- Os tributos estarão incluídos no preço da mercadoria. A declaração de importação e o pagamento desses tributos serão feitos antes da chegada da mercadoria ao destino;
- O vendedor passará a ser obrigado a informar ao consumidor a procedência dos produtos e o valor total da mercadoria (com inclusão dos tributos federais e estaduais).
O que segue igual
- Para remessas postais entre pessoas físicas de até US$ 50, o imposto federal segue isento;
- Para compras acima de US$ 50, não muda nada nos tributos federais, ou seja, segue em vigor a tributação de 60% do imposto de importação;
- A tributação simplificada para encomendas até US$ 3 mil também é mantida.
Além da mudança no recolhimento da taxa aduaneira, para o consumidor, a nova medida resultará em maior clareza sobre a composição total do preço dos produtos adquiridos. “O consumidor vai ser capaz de entender melhor os custos associados à sua compra, e essa transparência pode ajudá-lo na decisão de compra e estimular inclusive o consumo consciente”, pontua Leonardo Roesler.
O especialista, no entanto, faz um alerta: “Os consumidores podem encontrar preços mais altos para produtos importados via comércio eletrônico.”
Do ponto de vista das empresas, essa medida também significa uma maior carga administrativa, uma vez que serão responsáveis pela retenção e recolhimento do ICMS. Isso pode exigir uma revisão dos seus sistemas para garantir a conformidade fiscal. Portanto, será necessário rever as estratégias de preço e margem de lucros nas companhias.
Relembre a polêmica
A mudança nas regras é parte de um esforço para taxar compras de gigantes varejistas asiáticas, como Shein, Shoppee e AliExpress, e visa atender a queixas de varejistas nacionais, que afirmam que empresas estrangeiras estão burlando o sistema ao se passarem por pessoas físicas para não pagarem impostos.
Em abril, o governo, por intermédio da Receita Federal, havia anunciado a intenção de mudar as regras para o comércio eletrônico, o que causou intensa repercussão negativa. Em meio às polêmicas, a própria primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, entrou em campo e afirmou que as “brusinhas” seguiriam isentas.
Com isso, o governo recuou e novos estudos para disciplinar o comércio eletrônico começaram a ser feitos, até culminar nos atos editados na última sexta (30/6).
“É uma equação muito difícil, porque primeiro o governo precisa equacionar essas demandas das empresas brasileiras, da indústria e varejo que competem com as estrangeiras”, frisa Mauricio F. Bento, ressaltando que estão submetidas a um sistema tributário caro e complexo, diferentemente das concorrentes estrangeiras.
Para ele, de certa forma, a proposta apresentada agora pelo governo é um meio termo. “É uma proposta que tenta equacionar tanto o lado das empresas, quanto o lado do consumidor, de modo que as negociações continuem acontecendo, mas agora combatendo essa brecha que muitos vinham acusando de sonegação pelas empresas estrangeiras.”