Vai viajar de ônibus no fim do ano? Cuidado com os clandestinos
Fim de ano é marcado por acidentes graves envolvendo veículos apontadas como irregulares por agências. ANTT fez 1.200 apreensões em 2020
atualizado
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São Paulo – As últimas semanas do ano já foram marcadas por dois trágicos acidentes envolvendo ônibus de transporte de passageiros. Em 25 de novembro, um fretado que transportava funcionários de uma empresa têxtil colidiu com um caminhão, no km 172 da Rodovia Alfredo de Oliveira Carvalho, em Taguaí (SP), deixando 42 mortos. Em Minas Gerais, um veículo, que saiu de Alagoas e seguia para São Paulo com 48 pessoas, caiu de um viaduto conhecido como Ponte Torta, no km 350 da BR-381 em João Monlevade, provocando a morte de 19 pessoas.
Nos dois casos, as empresas de transportes não tinham autorização de agências reguladoras para operar.
Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), até 8 de dezembro foram aplicados 2.510 autos de infração contra o transporte clandestino em viagens interestaduais, o que gerou mais de R$ 13 milhões em autuações.
A fiscalização realizou no período 1.200 apreensões de veículos e quase 37 mil passageiros foram realocados para operadores regulares com as despesas das passagens pagas pela empresa flagrada sem autorização. Os números só não são maiores devido à equipe reduzida para fiscalizar as estradas e, segundo a ANTT, a decisões liminares que impedem apreensões de muitos veículos.
“Temos uma baixa fiscalização. Esses veículos transitam sem o menor risco de serem parados, e até buscam vias alternativas, sabendo que ali teriam um risco muito menor de serem parados. Infelizmente, tudo isso contribui para que ocorram acidentes. Foram dois recentemente, mas quantos [veículos] estão aí circulando [de forma irregular]?”, questiona, preocupado, Luiz Vicente Figueira de Mello Filho, especialista e consultor em mobilidade.
“A situação é muito preocupante. Por mais que a ANTT tenha feito milhares de abordagens, a apreensão de centenas de veículos, a gente continua vendo esse tipo de transporte ser praticado e colocando em risco realmente a vida das pessoas. São veículos sem nenhuma condição de viajar e sem nenhuma garantia de que o motorista está habilitado para dirigir”, completa o presidente do Setpesp (Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do estado de São Paulo), Gentil Zanovello.
Nesse contexto, segundo Figueira de Mello Filho e Zanovello, o passageiro precisa estar atento na hora de contratar um fretado ou comprar uma passagem de ônibus. O preço muito abaixo do mercado, o atrativo das empresas irregulares, é um dos pontos que devem levantar desconfiança.
“É claro que, como o preço é muito baixo, provavelmente, essa pessoa já assume esse risco de utilizar esse transporte, mas para aquela pessoa que está em dúvida, o preço é um indicativo”, afirma o consultor.
O presidente do Setpesp argumenta que os impostos e uma série de obrigações cumpridas pelas empresas regulares tornam a passagem mais cara. “Mas elas dão garantia de segurança, de que o veículo está em ordem e de que o motorista está habilitado e não vai estender a jornada de trabalho por mais de oito horas, respeitando os intervalos de paradas legais”, ressalta.
O consultor de mobilidade também recomenda que o passageiro consulte o CNPJ da empresa, que geralmente aparece na parte externa do ônibus, para verificar se a empresa está ativa ou não. “Pela própria placa do veículo também é possível, por aplicativos do governo, verificar se ônibus está de acordo as normas. No aplicativo do Detran [Departamento Estadual de Trânsito], você pode verificar se o ônibus está pagando as suas multas e se está regular”, acrescenta.
No caso de viagens com fretados e interestaduais, a ANTT também oferece canais para consultas e denúncias no site , além do WhatsApp (61) 9688-4306.; telefone 166 e e-mail ouvidoria@antt.gov.br. A Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo), por exemplo, tem um canal específico para consulta em seu portal de prestadores de serviços de fretamento.
Também é importante verificar as condições do ônibus. Segundo a ANTT, os veículos flagrados pela agência fazendo transporte não autorizado costumam ter os mesmos tipos de problemas, como para-brisas trincados, bagagens e malas transportadas junto com passageiros e pneus carecas, além de motoristas sem o curso obrigatório para condução do transporte coletivo de passageiros.
Para o consultor de mobilidade, aplicativos como Buser e 4Bus são uma boa alternativa para economizar. “Hoje também houve um crescimento significativo da ‘uberização’ do transporte coletivo. Tem empresas nas quais você faz tudo pelo celular, não estão usando as rodoviárias para pegar as pessoas, mas tudo indica que essas empresas cumprem os requisitos referentes a inspeção, documentações em dia. Há alternativas que acabam sendo um balanço, não sendo tão caro [como transporte tradicional], mas também não tão barato a ponto de você colocar a vida em risco”, afirma.
Disputa entre aplicativos e empresas tradicionais
O presidente do Setpesp questiona, no entanto, a atuação desses aplicativos no transporte de passageiros. O ponto central da crítica não é a segurança, mas o modelo de operação adotado pelos novos concorrentes, que, para o sindicato, seria ilegal.
“Os aplicativos afirmam que trabalham com o fretamento coletivo. Se eles fizessem aquilo que falam, não teria problema. O problema é que eles têm esse discurso, mas fazem o transporte irregular de passageiros. [Operam] como linha regular, não têm respaldo da lei”, defende Zanovello.
Segundo a ANTT, empresas de ônibus que fazem viagens interestaduais por fretamento precisam enviar uma lista de passageiros à agência. E uma das exigências é que os mesmos passageiros que saem em um fretado voltarão no mesmo ônibus, caracterizando viagens de grupos com objetivos comuns, como turismo de compras ou religioso.
Um levantamento feito pelo Setpesp aponta que são realizadas 6.801 viagens ilegais por mês, totalizando 81.612 por ano, no estado de São Paulo. Na conta da entidade, 42,5% desse transporte ilegal é realizado apenas pelo aplicativo Buser. “Ele (o Buser) opera em situação que é absolutamente impossível de concorrer; tem condições favoráveis. Ele opera como se fosse uma linha regular, mas opera em 60 cidades, não, por acaso, as maiores e melhores ligações e daí sobram as outras 585 para que o sistema regular continue operando”, contesta.
Em nota, a Buser afirma que, assim como aconteceu com a chegada de Uber, 99 e demais empresas de transporte por aplicativos, “o sucesso da modalidade vem ocasionando uma série de questionamentos jurídicos por parte das empresas que, por décadas, dominaram o setor formando um oligopólio, estabelecendo preços livremente e sem preocupação verdadeira com a satisfação dos usuários”.
“São as mesmas que hoje, por meio da associação, criam um ambiente de desinformação, buscando confundir os usuários, tentando impor a empresas e profissionais regulares, a imagem de ilegalidade, apenas por atuarem numa modalidade diferente da sua”, afirma.
Segundo a empresa, a sua plataforma conecta viajantes e empresas de ônibus fretados, que operam dentro da lei. A Buser ressalta ainda que o fretamento, diferentemente do transporte clandestino, possui vistoria permanente nos veículos de viagem, cadastro de motoristas junto aos órgãos fiscalizadores e emissão de notas fiscais com recolhimento regular de impostos.
Para cada viagem realizada por intermédio do aplicativo, diz a empresa, a ANTT emite uma autorização. “O mesmo não ocorre entre os clandestinos, que não utilizam a plataforma da Buser para realizar viagens”, afirma.
No estado de São Paulo, a Artesp prepara uma portaria que trata da regulamentação da prestação do serviço intermunicipal de transporte coletivo de passageiros sob o regime de fretamento. Uma das propostas da agência é justamente exigir que o mesmo grupo de ida será o da volta em uma viagem.
Além disso, as empresas devem definir a lista de passageiros 48 horas antes da viagem e não poderão usar a identidade visual do aplicativo na frota.
A nova regulamentação, que deve ser sair em janeiro, é criticada pela Buser. Para a empresa, as medidas “parecem encomendadas pelos grupos econômicos que dominam o mercado há anos”.
“Tais medidas inviabilizam a atividade econômica das empresas fretadoras, visto que é impossível obrigar que um mesmo grupo de viajantes vá e volte do destino em um mesmo ônibus, exceto para casos específicos, como viagens escolares ou torneios de futebol, por exemplo”, afirma.
O presidente do Setpesp defende a nova regulamentação. “É importante essa atualização justamente para defender o sistema, para ficar claro o que é uma coisa o que é outra. E a gente acredita que até em janeiro ela já possa ter uma nova regulamentação sobre o tema”, diz.
As empresas tradicionais de transporte de passageiros e os aplicativos também batalhas jurídicas pelo país. Em São Paulo, o Tribunal de Justiça negou, nesta semana, um recurso do sindicato e liberou a Buser para atuar no estado. Há ainda processos em andamento no Rio de Janeiro, no Paraná e em Santa Catarina.